Quando os supermercados criam marcas premium
Produtos do Lidl e do Minipreço são mais um exemplo da aposta neste segmento que leva já 32% dos portugueses a preferir o gourmetaos clássicos. Por Joana Emídio Marques
premium “TIRAR AS PAREDES DA LOJA FOI O PRIMEIRO PASSO QUE DEMOS PARA DEMOCRATIZAR O GOURMET”
Quem entra hoje no El Corte Inglés de Lisboa repara que desapareceu a loja de produtos gourmet que ficava junto ao supermercado. Não porque tenha fechado. Mudou-se, para o 7º andar, e os antigos 320 metros quadrados transformaram-se em 800, sem paredes nem portas. Assim que se acede ao espaço, por elevador ou escada rolante, encontram-se latas de chocolate, sal dos Himalaias, chás de luxo, conservas em lata com design de autor, rebuçados artesanais e muitos outros produtos. Quase nada é vulgar.
“Tirar as paredes da loja foi o primeiro passo (em Dezembro de 2017) que demos para democratizar os produtos gourmet”, explica à SÁBADO Pedro Almeida, responsável pelo supermercado e pela loja gourmet do El Corte Inglés. “O número de consumidores aumentou. Há gente que nunca tinha tido coragem de entrar na loja anterior por achar que era tudo demasiado caro. Agora as pessoas descobrem que há coisas que até podem comprar, coisas pequenas, que lhes permitem ter uma experiência diferente, que os faça sentirem-se especiais. E geralmente isto é viciante. Quase todos voltam.” O fascínio pelos produtos premium, prestígio e gourmet éum facto consumado e em expansão. Os números dizem que não estamos perante uma moda. Um estudo da Nielsen revelava que, em 2017, 33% dos portugueses consideravam que a sua situação económica tinha melhorado, enquanto em Itália só 13% experimentavam o mesmo sentimento e em França apenas 22%. Esta percepção de
“A FORMA COMO SE FAZ COMÉRCIO ESTÁ A MUDAR RADICALMENTE. AS PESSOAS COMPRAM EXPERIÊNCIAS”
uma situação económica mais favorável será um dos aspectos que levou um terço dos consumidores nacionais a comprarem produtos premium o ano passado.
Em 2016, um estudo da mesma consultora, especialista em análise de dados de consumo, mostrava que 88% dos portugueses estavam dispostos a pagar mais por um produto premium que tivesse uma performance acima da média, por materiais de qualidade ou de origem biológica.
O que distingue estes produtos?
Certo é que todo o comércio – do alimentar ao vestuário, passando por bebidas de luxo, cremes de beleza, gadgets e até papel higiénico – parece estar a investir na oferta de produtos diferenciados.
São matérias-primas de melhor qualidade e elaboração mais sofisticada, com design cuidado e há casos em que muitos destes produtos recuperam tradições locais, traduzem um legado histórico e oferecem uma experiência diferenciadora. Há rebuçados artesanais, queijos, misturas de chás com ervas de locais recônditos do mundo, alimentos sem produtos químicos e vinhos de colheitas raras.
Lidl, Minipreço, El Corte Inglés e Pingo Doce são supermercados que têm uma oferta de produtos premium e, em 2017, cerca de 32% da facturação dos supermercados portugueses corresponderam a artigos destas gamas. Também as marcas de roupa oferecem cada vez mais este tipo de artigos como, por exemplo, a H&M, com as suas colecções Conscious Exclusive, feitas integralmente de materiais reciclados, como fios de nylon, cera de velas, algodão orgânico ou a colecção premium, feita com tecidos de alta qualidade e recorrendo a técnicas de alfaiataria (tem venda exclusiva online).
“A forma como se faz comércio está a mudar radicalmente, as pessoas já não querem viver num mundo homogeneizado mas querem a raridade, querem ser diferenciadas e querem que os sítios onde compram lhes confirmem a identidade dos produtos. Compram sobretudo experiências emocionais, sociais”, afirma Susana Santos, directora de comunicação do El Corte Inglés.
Carlos Coelho defende que existe uma atracção por tudo o que tem qualidade superior; seja real ou percepcionada. “Muito do valor dos produtos premium assenta em coisas pouco racionais, como as nossas percepções sociais, culturais e ideológicas. Há produtos muito bons que passam despercebidos porque não foram alvo de percepções dessa ordem, como é o caso da excelência do azeite português. Ele não é inferior ao italiano, que é tido como superior e vendido muito mais caro. Há inclusive garrafas de azeite português a serem vendidas com rótulo de italiano. O que é que falta aqui? Falta mudar as percepções”, observa o criador de marcas e presidente da empresa Ivity.
O relato do empresário Manuel Guerra, 62 anos, ilustra a forma como, nas nossas escolhas, tantas vezes pesa muito pouco o racional e muito mais o lado emocional, sensorial e ideológico. A sua rela-Q
Q ção com os produtos gourmet começou em 2010, quando a sua empresa esteve à beira da falência. “No meio daquele desespero de ter perdido muito dinheiro, a única coisa que me fazia sentir um pouco mais confiante era ir um restaurante caro, ou comprar uma coisa especial: um queijo, um vinho, um chocolate. Actuava em mim como uma espécie de magia e, durante uns dias, eu voltava a acreditar que tudo ia correr bem, voltava a sentir-me rico, logo, autoconfiante.”
Começou a procurar esses produtos diferentes nos supermercados. “Foi a minha filha adolescente, que nos obrigava a ir ao Lidl por causa dos cremes e dos iogurtes; descobri uns molhos italianos e uns vinhos. Na verdade, não sei se a qualidade é melhor, mas são coisas diferentes, produtos importados que desconhecemos, isso é, pelo menos, cosmopolita.” Os produtos biológicos e o kosher Na linguagem do marketing fala-se nos três Ps do premium, ou seja, os factores determinantes para que estes produtos tenham sucesso: o produto em si, o packaging (a embalagem) e a promoção.
No Lidl, por exemplo, desenvolveram a colecção Deluxe, com embalagens estilizadas, à venda em ocasiões especiais, como Natal e Páscoa, e com um stock limitado. Frederik Ehlert, director de Acção do Lidl Portugal, diz à SÁBADO que “a gama Deluxe se distingue pela variedade e grande abrangência de produtos de elevada qualidade. Dos queijos às sobremesas, passando por carne, peixe e marisco, apresenta inúmeros produtos inovadores. A aposta é de luxo a preços Lidl”. Além dos alimentos
gourmet, a empresa lançou também a Esmara, a linha de roupa desenhada pela supermodelo alemã Heidi Klum, que procura oferecer tendências de moda a baixo preço. Os supermercados Minipreço introduziram em 2014 a sua gama
premium a que chamaram Delicious. João Mateus, director de comunicação da marca, diz que o sunuamente cesso tem sido tal que no fim deste ano contam “ter em loja 100 produtos gourmet, com origem mais selectiva”. E acrescenta: “Foi também feito um investimento na diferenciação estética das embalagens e na zona da loja onde estão expostos os produtos.”
No El Corte Inglés, não havendo uma gama específica, Pedro Almeida esclarece que o investimento no premium “se traduz na venda da maior quantidade possível de produtos raros, pelo que há uma equipa de 15 pessoas que viaja conti- de norte a sul de Portugal, para descobrir mercadorias especiais”. Encontram produtos biológicos, enchidos, doçaria, pão e carne kosher (preparada segundo as normas judaicas) – que desde há uns meses lhes granjeou uma nova cliente, Madonna. “Os dois cozinheiros dela vêm aqui todas as semanas, por causa da carne kosher”, conta. O supermercado El Corte Inglés também se focou nos produtos biológicos. E na loja de Lisboa foram readaptados e redecorados 200 metros quadrados especificamente para alimentos com esta classificação.
O Pingo Doce é o que parece ter uma posição menos assertiva neste campeonato. Na explicação de Cátia Almeida: “A marca Pingo Doce quer ser, ela própria, uma experiência premium: do espaço aos rigorosos padrões de qualidade dos artigos e ao compromisso com a oferta de uma alimentação saudável.” Este retalhista tem aquilo a que chama “produtos indulgentes”, que garantem uma qualidade artesanal, de que são exemplo as compotas e os chocolates da marca. No entanto, em Janeiro deste ano o Pingo Doce aproximou-se da concorrência ao lançar uma linha de produtos de beleza com ingredientes orgânicos a baixo preço: a Be Beauty.
“A GAMA DELUXE TEM MUITA VARIEDADE. A APOSTA É DE LUXO A PREÇOS LIDL”, DIZ FREDERIK EHLERT