SÁBADO

Quatro dias ao telefone com Paula Lobo Antunes

Ligámos sempre sem aviso e no primeiro dia até acordámos a actriz, a meio da tarde. Tinha feito uma directa. A personagem que interpreta na nova novela da SIC não lhe dá sossego. Quer saber porquê?

- Por Lucília Galha

“Ontem estava num carro com seis capangas gigantes. E levei com uma porta na cabeça, fiquei abananada”

QUARTA-FEIRA, DIA 4 15H46 Olá Paula, tudo bem? Sim, acabei de acordar. Estava a dormir a sesta?

Não, cheguei a casa às 8h, estive a gravar a noite inteira. Esta semana tem sido assim, de segunda para terça e de terça para quarta, estou com os sonos um bocado trocados. Foi uma noite tranquila?

Não, nada. Eram cenas muito difíceis, de perseguiçã­o, tiroteio, morte… Esta personagem é muito exigente, não me dá descanso, não tenho uma cena relaxada a fazer aquele típico pequeno-almoço brasileiro. Ontem estava num carro com seis capangas gigantes, mesmo gigantes, num SUV a perseguir a personagem do Renato Godinho [que contracena com ela]. E eu só pensava: “O crime não compensa.” [Ri-se] O crime é muito cansativo, não tem horários, nem regras… Também faz as cenas mais físicas?

Sim, ontem, bem já foi hoje, fui eu que fiz. Levei com uma porta na cabeça, confesso que fiquei um bocado abananada. Era uma porta

deslizante. Mas o que mais me assusta são as armas. A sua personagem lida com armas?

Sim, até já criei um hashtag que é

#auroraasgo­tagun, porque ela está sempre armada e eu odeio. Cada vez que entram armas em cena, peço para as desmontare­m e certifico-me de que estão vazias. Porque há algumas com que trabalhamo­s que são verdadeira­s. A polícia está sempre presente quando há armas em cena.

h Paula Lobo Antunes é Aurora, a testa-de-ferro de uma rede de tráfico de drogas (doping), na nova novela do horário nobre da SIC, Vidas

Opostas – que estreou a 9 de Abril. As gravações arrancaram em Janeiro e as primeiras cenas foram em Madrid. Foi surpreende­ntemente fácil para a actriz, de 42 anos, preparar-se para a personagem. Razão: o doping “é uma coisa que está bastante disponível”, contou, no primeiro dia que falou com a SÁBADO ao telefone. Através do ginásio Q

que frequenta, falou com várias pessoas do meio e apercebeu-se que até em grupos de amigos, num passeio de fim-de-semana, por vezes se recorrem a este tipo de substância­s. “Só para conseguire­m pedalar mais que os outros, fazer o percurso em menos tempo. É uma coisa estranha.”

Nada na sua personagem é tranquilo, nem a vida familiar: o marido, representa­do pelo actor Jorge Corrula – que também é o seu companheir­o fora da ficção, esta já é a terceira vez que formam um casal no ecrã –, está preso e o filho é um adolescent­e problemáti­co.

É fácil desligar quando chega a casa?

Não, mas tenho aquele percurso do estúdio para casa em que faço quase uma meditação.

Tem truques?

Música animada, cantar, quase faço uma dança para libertar os espíritos maus. Xô, xô, vai-te embora!

Decorar os textos é difícil? Como faz essa preparação?

Ponho as cenas todas por ordem cronológic­a, para fazer mais sentido para mim. Se tiver 15, faço três blocos de cinco. Leio uma primeira vez e faço uma análise ao texto. Depois, leio outra vez e interpreto, do género: qual é o meu estado emocional, o meu objectivo na cena, etc. A seguir ao primeiro bloco de cinco cenas faço uma pausa e bebo um chá, depois volto e faço a segunda parte e assim sucessivam­ente.

De quanto tempo precisa para decorar?

É rápido, talvez uns cinco minutos. Eles [os outros actores] às vezes gozam comigo no estúdio, gostam de me testar para ver se eu sei qual é a cena. É muito engraçado. Dão-me frases soltas de cenas para identifica­r de onde são. E eu acerto em todas. Eles ficam: “Bolas, Paula!”Tenho muita facilidade.

SEXTA-FEIRA, DIA 6 8H35 Bom dia Paula, hoje não a acordei?

Não, já estou em estúdio, a ser maquilhada.

Como são as suas manhãs?

Sou muito rápida, acordei às 7h30 [para estar no estúdio às 8h], preparo a minha roupa no dia anterior, e a das crianças, faço um café e uma torrada e depois vou tomar duche. Visto-me e como no caminho.

Não leva a sua filha à escola?

Quando entro assim tão cedo alterno com o Jorge [Corrula] ou então vai a babá. Mas ela agora está de férias [a interrupçã­o da Páscoa] e por isso ficou a dormir.

Foi despedir-se?

Quando ela era mais pequenina, ia todos os dias dar-lhe um beijinho mas agora, como não quero que ela acorde, às vezes só abro a porta para a ouvir respirar.

Nasceu em Nova Iorque e esteve lá até aos 5 anos. Ainda tem alguma coisa americana?

Para já, falo sempre em inglês com a minha filha, mas também faz parte da minha personalid­ade. Acho que viver noutros sítios e estar noutras culturas ajuda a ter a mente mais aberta e tolerante.

Sente-se diferente nesse aspecto?

Quando cheguei, senti que as pessoas aqui eram um bocadinho viradas para si próprias, ao contrário do que acontecia em Inglaterra ou nos Estados Unidos. Esta classe de artistas é muito introverti­da, cada um por si, infelizmen­te.

h Desde pequena que queria ser actriz. Os avós tinham uma câmara de filmar e Paula Lobo Antunes pedia-lhes para a gravarem a dançar e a fazer peças. Também fazia pequenos teatros sozinha. Mas, terminado o liceu, não teve coragem de seguir logo essa carreira. “Podia ter começado mais cedo, mas não senti que estivesse preparada para isso porque era, e sou, muito tímida e insegura”, diz. Decidiu então ir para Edimburgo, na Escócia, tirar uma licenciatu­ra em Biologia Médica. Mas a primeira coisa que fez, logo na semana do caloiro, foi inscrever-se numa companhia de teatro. “Nunca pus lá os pés mas estava inscrita”, conta.

Só no fim do curso é que decidiu arriscar. Fez várias audições e castings. Foi rejeitada muitas vezes por não ter experiênci­a. “No formulário para preencher não tinha

“Só preciso de cinco minutos para decorar. Se me derem a frase solta de uma cena, acerto. Tenho facilidade”

nada, estava a zero, lembro-me de os professore­s olharem para mim incrédulos”, recorda, divertida. Até que houve uma escola em Londres que a aceitou, a ArtsEd. Já passaram 20 anos. TERÇA-FEIRA, DIA 10 19H38

Está a chegar a casa?

Acabei de chegar mas hoje estou em casa da minha mãe, é jantar de família. Fazemos todas as semanas, normalment­e ao domingo mas esta semana calhou terça.

É a mãe que cozinha?

Sim, faz um prato para cada um. Como eu não como carne, sou essencialm­ente vegetarian­a, faz peixe para mim, para as crianças faz outra coisa. É para todos os gostos.

Ontem foi a estreia da novela, gostou de se ver?

Sim, e o feedback foi positivo. A minha mãe estava a fazer-me a sua crítica agora.

Costuma fazer críticas?

Sempre, e quando não gosta diz que está mal. Confio a 100% na opinião da minha mãe. As primeiras vezes que fui a Londres fazer castings para o curso de teatro, ela estava comigo (ia de propósito de Lisboa) e ajudou a preparar-me.

Que tipo de dicas lhe dava?

Movimentaç­ão, postura do corpo, posição das mãos, expressão.

De onde vem essa sensibilid­ade para as artes [a mãe era médica]?

A minha mãe adora teatro e cinema, sabe as peças todas de Shakespear­e. Desde pequenos que nos levava para a Cinemateca ver os filmes de Shakespear­e do Laurence Olivier. Muitas vezes, ela não vê só uma vez, principalm­ente em teatro. Vem à minha estreia e depois vem mais uma ou duas vezes.

O seu pai [o cirurgião João Lobo Antunes, que morreu em Outubro de 2016] também era crítico do seu trabalho?

Era, claro. Também vinha a Londres ver as minhas peças e tinha uma coisa mesmo de pai ternurento: oferecia-me uma jóia da Tiffany. Fazia sempre esse miminho. E nas minhas estreias mandava-me um ramo de flores. Mesmo estando

em Portugal e eu em Londres.

Aproveitou o fim-de-semana para descansar?

Na sexta-feira à noite fui jantar com uns amigos, um núcleo duro que nós temos, fomos a um restaurant­e mas foi um dos nossos amigos que levou o jantar.

A um restaurant­e?

Sim, eles deixaram. Foi uma coisa mais íntima. Depois levámos o Trivial Pursuit e jogámos homens contra mulheres. No sábado à noite convidei umas amigas da minha filha para irem lá a casa fazer uma festa do pijama. Elas adoram mascarar-se, então eu tiro todos os fatos das princesas e dos piratas que tenho e depois fazemos muitas pinturas. No domingo passei o dia com a minha filha.

O que gosta de fazer com ela?

Jantámos em casa a ver um filme, o Scooby-Doo. Ah, e fiz uma coisa especial: mostrei o ET à minha filha.

O que é que ela achou?

Gostou muito, eu também vi o filme com a idade dela. É um filme icónico, fartei-me de chorar. Ela também ficou emocionada mas é muito engraçada, quando isso acontece, disfarça, levanta-se e começa a falar.

h Uma das coisas que Paula Lobo Antunes mais gosta de fazer com a sua filha, Beatriz, de 5 anos é rever as falas dos filmes. “Nós fazemos um jogo com ela, dizemos frases ou fazemos cenas de filmes para ela adivinhar. Já o fazemos há algum tempo”, conta. A actriz faz questão de lhe passar o gosto pelo cinema e de lhe mostrar os filmes mais importante­s, os clássicos. Como o Feiticeiro de Oz ou até o Grease. “Ela adorou as músicas e já as sabe de cor”, diz.

No quarto e último dia em que a SÁBADO falou com a actriz ao telefone, apanhámo-la num intervalo das gravações, em que aproveitou para ir buscar a filha à escola. Teve de voltar mais cedo do que o previsto aos estúdios e despediu-se da Beatriz com um “I love you”. A conversa era para demorar apenas 10 minutos, o tempo do percurso entre a sua casa e o estúdio, mas estendeu-se por 26.

SEXTA-FEIRA, DIA 13 15H34 A única actriz da sua família era uma tia-avó. Quer falar-me dela?

Ela era madrinha da minha mãe, chamava-se Maria Paula e eu chamo-me Paula por causa dela. Era uma mulher lindíssima e, quando vinha a nossa casa, punha-se ao piano e improvisav­a. Cantava muito bem. Ela fez a Clara no filme As Pupilas do SenhorReit­or e a primeira série que eu fiz em Portugal, por coincidênc­ia, foi o João Semana (que era a mesma história adaptada em série pelo Moita Flores) e também fazia de Clara.

Que disse ela sobre isso?

Ela morreu no meu primeiro dia de filmagem. Já estava velhinha. A minha mãe ligou-me a dizer: “A tia Paulinha morreu. Passou-te o testemunho, agora é a tua vez.” Fiquei muito comovida.

Estreou-se em Londres, depois do curso de Teatro. Porque decidiu mais tarde vir para Portugal?

Porque tinha trabalho. Aqui tenho mais oportunida­de de fazer mais personagen­s e trabalhos mais variados. Lá, podiam rotular-me num género; aqui consigo fazer de uma kickboxer a uma pescadora.

Lembra-se da maior peripécia que teve em palco?

Uma vez estava a fazer uma peça em que tinha um tabuleiro cheio de garrafas de vidro, de repente as garrafas caíram ao chão e partiram-se todas. Naquele dia ficou tudo estilhaçad­o no chão e eu passei basicament­e o primeiro acto a limpar o chão. Vá lá que fazia de empregada, apesar de não ter que estar em cena. Mas não me desmanchei, continuei a limpar como se fizesse parte da peça. Foi um bocadinho perigoso, porque havia personagen­s descalças, mas não aconteceu nada, felizmente. Tenho de ir, Lucília. OK, obrigada Paula. Bom trabalho.

“O meu pai ia a Londres ver as minhas peças e oferecia-me uma jóia da Tiffany. Era muito ternurento”

 ??  ?? Faz casal na ficção e fora do ecrã com o actor Jorge Corrula, com quem tem uma filha, Beatriz, de 5 anos
Faz casal na ficção e fora do ecrã com o actor Jorge Corrula, com quem tem uma filha, Beatriz, de 5 anos
 ??  ?? As gravações da novela arrancaram em Janeiro. Paula Lobo Antunes falou com a SÁBADO enquanto estava nos estúdios da SP, em São Marcos
As gravações da novela arrancaram em Janeiro. Paula Lobo Antunes falou com a SÁBADO enquanto estava nos estúdios da SP, em São Marcos
 ??  ?? A actriz de 42 anos faz uma das vilãs da nova novela do horário nobre da SIC, Vidas Opostas
A actriz de 42 anos faz uma das vilãs da nova novela do horário nobre da SIC, Vidas Opostas
 ??  ?? É filha do neurocirur­gião João Lobo Antunes e da médica Ana Maria Plantier Couvreur de Oliveira
É filha do neurocirur­gião João Lobo Antunes e da médica Ana Maria Plantier Couvreur de Oliveira
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A mensagem automática quando não pode atender uma chamada é em inglês: “Sorry, I can’t talk right now”

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