SÁBADO

A tempestade perfeita

- Ângela Marques Jornalista

Deolhoscas­tanhos-amêndoaeca­belo loiro-anúncio (ambos indiferent­es

àchuvaque caíra todo o dia), ela chegou num estilo posh-blasé que deveria patentear e, com a voz mais ponderada do mundo, perguntou por alergias. Depois disse qualquer coisa sobre pevides de abóbora e desaparece­u. À mesa, preparávam­o-nos para o apito inicial – há noites assim, que vão além do tempo regulament­ar, e esta ia ser uma dessas. Começaríam­os com uma sopa. Abóbora-manteiga, cebola nova, pevides de abóbora e figos secos. Por outras palavras, o jantar seria servido pela seguinte ordem: namorados, dramas existencia­is, Tinder e desgostos. Quando nos preparávam­os para nos começarmos a atropelar, falando sobre tudo ao mesmo tempo e assim ignorando regras de etiqueta e sensatez, alguém parou para elogiar a sopa. O elogio, contudo, era já um romance: esta é sopa antes da tempestade, disse ela, só para ver os nossos queixos caírem. “Uma sopa antes da tempestade”, saboreámos. Seriam 7h30 da manhã quando aquela frase soou na forma de um trovão sobre o meu quarto. Num pulo, pensei “filha da mãe, metafórica e literalmen­te ela tinha razão” (mentira, pensei só se valeria a pena esconder-me debaixo da cama). Ao pequeno-almoço, rimos da conversa da noite anterior e da coincidênc­ia.

Com as histórias tristes guardadas para outro jantar (como são sempre), passámos o almoço a sonhar com casas de praia, cães de água e a vida boa e bonita como devia ser. No fim, alguém pediu uma sopa.

“A sopa depois da tempestade.” Fiquei a pensar nisto o resto do dia: não temos como escapar, na verdade. De uma maneira ou de outra, há sempre uma tempestade pronta a cair-nos na sopa. O que é preciso?

Saber devorá-la.

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