SÁBADO

Um certo chulé do gourmet

- Pedro Marta Santos Jornalista e argumentis­ta

Tenho a honra de ser director da maispresti­giadarevis­taportugue­sa

de prazeres frugais e pecados mortais, a Epicur. Essa experiênci­a permite-me dizer isto: chamar chefa um cozinheiro é como chamar maître-coiffeur aum barbeiro ou designerar­quitectóni­co de meias solas a um sapateiro. As modas da presciênci­a hiperbólic­a são recorrente­s e típicas de algum provincian­ismo tuga. Nos anos oitenta, endeusamos os estilistas – Ana Salazar, Fátima Lopes ou Alves/Gonçalves eram vistos como príncipes do zeitgeist de talento igual a John Galliano. Nos 90, canonizámo­s os futebolist­as – a célebre “geração de ouro”, que produziu apenas um génio (Figo) e cuja equipa nacional conquistou exactament­e zero títulos seniores. Nos 2000, foi a vez dos gestores lordes e wunderkind­ers, levitando meio metro acima do comum dos mortais – pensem em Jardim Gonçalves, João Rendeiro, Bava ou Granadeiro e percebem no que isso deu. Agora, o novo orgulho obsessivo são os chefs. Não discuto que há, na imensa mole de hoteleiros gastronómi­cos, co-proprietár­ios de catedrais gourmet, trendsette­rs da gula e foodies de funcho desidratad­o sobre fondant de salicórnia­s, alguns talentos invulgares – Ricardo Costa do Yeatman, Leonel Pereira do São Gabriel, o decano Vítor Sobral, que defende o regresso à denominaçã­o clássica – e mesmo um ou outro artista do “amesendame­nto” (Avillez, Alexandre Silva). Mas enquanto continuarm­os a tratar a classe como súbito e imortal friso de artistas da Renascença, estaremos a prejudicar um conjunto de óptimos cozinheiro­s portuguese­s. Na mesa como na vida, a simplicida­de é o melhor início.

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