Um certo chulé do gourmet
Tenho a honra de ser director da maisprestigiadarevistaportuguesa
de prazeres frugais e pecados mortais, a Epicur. Essa experiência permite-me dizer isto: chamar chefa um cozinheiro é como chamar maître-coiffeur aum barbeiro ou designerarquitectónico de meias solas a um sapateiro. As modas da presciência hiperbólica são recorrentes e típicas de algum provincianismo tuga. Nos anos oitenta, endeusamos os estilistas – Ana Salazar, Fátima Lopes ou Alves/Gonçalves eram vistos como príncipes do zeitgeist de talento igual a John Galliano. Nos 90, canonizámos os futebolistas – a célebre “geração de ouro”, que produziu apenas um génio (Figo) e cuja equipa nacional conquistou exactamente zero títulos seniores. Nos 2000, foi a vez dos gestores lordes e wunderkinders, levitando meio metro acima do comum dos mortais – pensem em Jardim Gonçalves, João Rendeiro, Bava ou Granadeiro e percebem no que isso deu. Agora, o novo orgulho obsessivo são os chefs. Não discuto que há, na imensa mole de hoteleiros gastronómicos, co-proprietários de catedrais gourmet, trendsetters da gula e foodies de funcho desidratado sobre fondant de salicórnias, alguns talentos invulgares – Ricardo Costa do Yeatman, Leonel Pereira do São Gabriel, o decano Vítor Sobral, que defende o regresso à denominação clássica – e mesmo um ou outro artista do “amesendamento” (Avillez, Alexandre Silva). Mas enquanto continuarmos a tratar a classe como súbito e imortal friso de artistas da Renascença, estaremos a prejudicar um conjunto de óptimos cozinheiros portugueses. Na mesa como na vida, a simplicidade é o melhor início.