SÁBADO

JFK e Kruschev afastados do poder

- Fernando Madaíl

O líder soviético seria derrubado menos de um ano após a morte de John Kennedy. E, no seu livro de memórias, admitiria que, se não fosse o atentado de Dallas, os dois “poderiam ter dado a paz ao mundo”

Os discursos mais famosos de John Fitzgerald Kennedy (JFK) são aqueles em que se retiraram as duas frases tantas vezes citadas: “Não perguntem o que a América pode fazer por vós”, na tomada de posse; e “Ich bin ein Berliner”, diante do Muro de Berlim. Mas o mais importante, como confirma na terceira parte do livro Irmãos – A História Oculta dos Kennedy, de David Talbot, que vai ser oferecida com a próxima SÁBADO, foi o proferido na cerimónia de entrega dos diplomas na Universida­de Americana, em Washington, na manhã de 10 de Junho de 1963. Ficaria conhecido como o Discurso da Paz.

Na época, passou quase despercebi­do nos EUA. Em Havana, pelo contrário, seria logo admirado por Fidel Castro, que leu o texto “com ávido interesse”; e, em Moscovo (onde foi publicado na íntegra no jornal oficial Izvestia), o líder soviético Nikita Kruschev, em privado, diria que aquele era o melhor discurso de qualquer líder norte-americano desde Franklin Delano Roosevelt. Como “voz da Nação”, o Presidente dos EUA garantia ser possível viver em paz, mesmo com os piores inimigos, e avisava os belicistas internos: “Não queremos uma guerra. (...) Esta geracão de americanos já conheceu guerra e ódio e opressão suficiente­s.” Contrarian­do a retórica com que tinha sido educada desde o início da Guerra Fria toda uma geração que via os russos como um “papão”, JFK explicava: mesmo se os americanos considerav­am “o comunismo profundame­nte repugnante”, não havia “governo ou sistema social tão diabólico que nos leve a considerar que o seu povo é destituído de virtude”. E, numa das mais belas tiradas escritas pela dupla John Kennedy/Ted Sorensen (autor dos inspirados textos lidos pelo Presidente), proclamava-se: “Vivemos todos neste pequeno planeta. Respiramos todos o mesmo ar. Zelamos todos pelo futuro dos nossos filhos. E somos todos mortais.”

Se o ocupante da Casa Branca tinha de enfrentar os “falcões” americanos, o seu homólogo do Kremlin também era pressionad­o pela “linha dura” soviética. Após o atentado de Dallas, nem um ano se manteria no poder, sendo substituíd­o, em Outubro de 1964, por Leonid Brejnev. O líder soviético que denunciou os crimes de Estaline acabou a vida a ser proibido de escrever o seu livro Memórias de Kruschev (que, publicado no Ocidente, se tornou logo um bestseller). Nele registou que, se JFK fosse vivo, juntos “poderiam ter dado a paz ao mundo”.

David Talbot destaca ainda que o dia 24 de Setembro de 1963, data em que o Senado ratificou o Tratado de Proibição Limitada de Ensaios [Nucleares], “por uma margem surpreende­nte de 80 votos a favor e 19 contra” – apesar dos esforços do Pentágono e da CIA para boicotarem o compromiss­o entre as duas superpotên­cias –, terá sido o mais feliz de Kennedy na Presidênci­a.

O momento seria tão marcante que usou 17 canetas diferentes para assinar o documento – e ia oferecendo cada uma que utilizava aos dignitário­s que o rodeavam na Sala do Tratado, para eles assim ficarem com um recordação. Após a derradeira rubrica, guardou a última no bolso e declarou: “Esta é minha.” Dois meses depois, seria assassinad­o.

 ??  ?? Kruschev O líder soviético, de 67 anos, encontrou o Presidente americano, de 44, na embaixada da URSS em Viena em 1961; JFK sentiu-se intimidado
Kruschev O líder soviético, de 67 anos, encontrou o Presidente americano, de 44, na embaixada da URSS em Viena em 1961; JFK sentiu-se intimidado

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal