NACOZINHA COM JAMIE
Ensinou a fazer molho de salada e a organizar o congelador. Em conversa, falou dos problemas do seu império e de como nunca pensou chegar a Lisboa.
Muitos gestos, correrias de uma bancada para a outra, gargalhadas, histórias de família. E, claro, um desmesurado: “Digam lá se isto não é fantástico.” Ao vivo, Jamie Oliver é tudo o que prometeu no pequeno ecrã: irrequieto, extrovertido e bem-humorado. Passaram-se 20 anos desde que o britânico foi catapultado para o sucesso com o programa The Naked Chef– mas hoje, com 42 anos, só o penteado mudou: está mais curto.
Esteve de visita à EuroCucina, em Milão (uma exposição internacional de electrodomésticos), para fazer uma demonstração de cozinha ao vivo. Fez uma salada de pêra, alfaces, croûtons e mozarela e um
spaghetti alle vongole (prato típico italiano de esparguete e marisco) para o público que se acotovelava para o ver de perto, em acção. Abre o frigorífico para tirar uma gaveta do congelador. Lá dentro estão alinhados sacos de congelação de recheios diferentes. “É uma biblioteca de molhos, estufados, sopas. Se durante a semana chego já tarde a casa, venho aqui e literalmente escolho o que me apetece.” Conta que cozinha em grande a partir de sexta-feira: sábado de manhã vai ao mercado comprar produtos frescos e o fim-de-semana é um festim de assados e ragus (molho rico à base de carne).
Abre as portas para aquela que é uma réplica do seu congelador: tem frutos congelados (sempre que a fruta começa a ficar demasiado madura congela-a para batidos, iogurtes ou gelados), mas também tortilhas, pão,
“TENHO UMA BIBLIOTECA DE MOLHOS, ESTUFADOS. SE DURANTE A SEMANA CHEGO TARDE, ESCOLHO O QUE ME APETECE”
“JÁ FECHEI MUITAS COISAS. NÃO SÓ RESTAURANTES. A QUESTÃO É DESCOBRIR O QUE AS PESSOAS QUEREM”
massa de pizza crua ou cuvetes de gelo com ervas aromáticas (para aproveitar cada folha, congela o que sobra com azeite para ter cubos de tempero à mão). “A ideia é usar o congelador como uma cápsula do tempo”, diz.
Já passaram quase duas décadas desde que tudo começou para Oliver. Seguiram-se os livros de receitas, os restaurantes, o movimento nacional contra a fast food (apoiado pelo governo britânico) e, mais recentemente a TED Talk que deu sobre alimentação, que tem mais de 8 milhões de visualizações. Um percurso de êxito que tem sido pautado por momentos amargos. Este mês não só fechou um restaurante na Austrália – em Camberra – como também teve de abrir mão do resto da cadeia australiana, que incluía mais cinco restaurantes. E se em 2015 fechou as lojas de cozinha que detinha, em Outubro de 2017 acabou com a sua revista de receitas, com mais de 10 anos. Por outro lado, 2017 foi também o ano em que se estreou em Reiquiavique e em 2018 deverá abrir um segundo restaurante em Dublin e chegar ao coração do Dubai.
O restaurante em Lisboa
Gerir um negócio gigante, que se expandiu para lá do Reino Unido – onde nasceu e cresceu – nem sempre é fácil, diz à SÁBADO numa curta conversa de 10 minutos. “Já fechei muitas coisas. Não só restaurantes mas também lojas de cozinha, por exemplo. A questão é descobrir o que as pessoas querem, o que precisam. Posso achar que sei mas estou só a tentar.” Acrescenta que estamos “todos juntos”. Em “juntos” inclui os media. Jamie explica: “As pessoas têm uma relação estranha com o insucesso e os jornais e jornalistas, em particular, são muito fascinados pela derrota, quando a sua própria indústria está a mudar a uma velocidade tão grande que nem sabem quem vai ser o seu patrão daqui a um ano.” Defende que a paixão pela cozinha é o que o faz continuar – mesmo que o caminho tenha alguns percalços. “Se abrir um restaurante em Lisboa e acabar por se perceber que não é relevante, então vai fechar. Se for relevante, vai viver. E é o mesmo com produtos, receitas, etc. Estamos só a fazer o melhor que podemos.” O primeiro Jamie’s Italian em Portugal abriu em Janeiro deste ano – conta que está a programar uma visita à casa do Príncipe Real nos próximos meses. Confessa que nunca imaginou chegar a Lisboa: “Quando falamos dos povos do Mediterrâneo falamos sempre de bons ingredientes, de qualidade. Esta é uma das razões pelas quais nunca pensei que ia abrir um restaurante em Portugal – vocês já cozinham tão bem.” Uma salada não é nada sem um bom molho – mandamento de Oliver que agora ensina uma versão básica a que chama molho de frasco de compota. Consiste numa junção simples de azeite, sal, sumo de limão e vinagre balsâmico – que no fim se agita bem. Oportunidade para rebobinar no tempo: “Cresci no negócio da comida. Na altura, o conceito de molho para salada era óleo péssimo e vinagre com bolor. Aliás, quando era miúdo, a única forma de arranjar azeite extra virgem, em Inglaterra, era se tivesses um ouvido doente. Na farmácia davam azeite.” A plateia ri-se e ele reforça: “É a sério.” Entre electrodomésticos modernos (e futuristas, que quase cozinham sozinhos) o chefmostra-se fã da tecnologia, desde que se mantenham os pés bem assentes. “Quanto mais perto as pessoas estiverem da comida e do campo, melhor. Sou romântico quanto à comida.” Lembra que é preciso continuar a luta contra a conveniência e a fast food –queé sal, açúcar e gordura.
Nos programas de televisão e livros alguns nomes e caras são recorrentes: casado há 18 anos, tem uma família grande. “Dedicado aos meus cinco ingredientes preferidos”, lê-se na introdução de 5 Ingredientes (Porto Editora). No último livro aparecem os retratos de Poppy, Daisy, Petal, Buddy e River, cinco filhos de Oliver e da mulher, Jools. “Uma pessoa debate-se com o que é certo e não é. Sinto que tenho de proteger o tempo com a minha família: férias, ocasiões especiais na escola, fins-de-semana.” Diz que as dificuldades que enfrenta são as de qualquer pai: “Estamos sempre a lidar com mil coisas ao mesmo tempo.” Faz uma pausa para pensar. Equilibrar negócio e família não é simples. “Acho que com os meus dois primeiros filhos demorei mais tempo a ajustar-me mas com os outros três quero pensar que estive melhor.” Ri-se antes do desabafo. “Mas agora também já tenho adolescentes. Estou a ter algumas dificuldades outra vez.”
A SÁBADO viajou a convite da Whirlpool Portugal.