SÁBADO

O MEU FILHO... ...PREFERIDO É O... ...MAIS NOVO

Mais frágil ou mais parecido com eles. O benjamim pode ser favorecido – eo mais velho ressente-se. Mães admitem a preferênci­a (e a culpa) à SÁBADO; especialis­tas desmistifi­cam a questão e dão dicas de como a resolver.

- Por Raquel Lito

?Um computador cobiçado por dois irmãos dá origem à zanga. Há choro e birras, a história do costume entre miúdos com três anos de diferença. Diana, a mais nova, de 7, reclama que o PC é para ela: tenciona ver pela enésima vez o filme de animação A Bailarina. João, de 10, habitualme­nte mais ponderado e calmo, protesta: também tem direito ao aparelho, quer ver o youtuber FerOmOnas, perito em videojogos. Quem cede? A mãe, Carla, de 33 anos, pronuncia de imediato uma sentença a favor de uma das partes. “Nem perguntei quem tinha razão. Tirei o computador e dei-o à minha filha”, conta à SÁBADO.

O mais velho reagiu, viu-se preterido outra vez. Sentiu-se injustiçad­o e pôs-se a chorar compulsiva­mente diante de uma mãe que não tem como contra-argumentar. Naquele final de tarde de 27 de Março, em plenas férias da Páscoa, colocou-se um dos maiores tabus de parentalid­ade: terá ela um favorito? “Admito a preferênci­a. Apesar de o meu filho ser excelente aluno, meigo, sossegado e obediente, a minha ligação é maior com ela”, diz.

Perante a reacção de João, a mãe tentou corrigir o erro. “Fiquei de coração partido por vê-lo assim”, confessa. Disponibil­izou-lhe o seu telemóvel para ele ver o vídeo. Mas não arrumou o assunto, porque há muito que ela própria procura explicaçõe­s. Desde sempre favoreceu Diana, tem mais paciência com ela, é menos rígida. Porquê? A ligação é umbilical, justifica. Deve-se ao facto de ter sofrido uma gravidez conturbada. A criança nasceu prematura, de 28 semanas (ao invés das 40) com 1 quilo e 420 gramas, mas cresceu saudável, respondona, extroverti­da e alegre. “Durante a gestação não tive apoio do meu marido. Chegámos a ponderar o divórcio. O contexto foi muito diferente em relação ao nascimento do mais velho, que veio numa fase maravilhos­a do casamento. Analisando tudo isto, acho que criei uma cumplicida­de com ela.” O pai tenta mitigar os favoritism­os maternos: “Sabe do meu sentimento. Ele é o equilíbrio.”

A auto-análise ensombrada pela culpa levou-a a pedir ajuda a amigas. Em conversas informais, elas eram unânimes em condená-la, lamenta, e uma (madrinha de baptismo de João) até cortou relações com Carla. Não se falam há oito meses, nem é provável que se reconcilie­m em breve. As divergênci­as acontecem porque, diz Carla, ninguém admite. “A maneira correcta de sermos melhores pais é assumir, procurar estratégia­s que nos ajudem a não magoar o outro filho. Só admitindo é que nos apercebemo­s da injustiça.”

Em rigor, há quem pense como Carla e assuma a diferencia­ção de tratamento. Depois arrisca-se às consequênc­ias, como as críticas dirigidas no passado dia 17 à mãe Alisha Tierney-March. A britânica de 32 anos tornou-se notícia – e alvo nas redes sociais – quando admitiu no programa This Morning, da ITV, que tinha uma predilecçã­o pela terceira de quatro filhos (Kennedie, 2 anos). “Dei-lhe de mamar, o que não aconteceu com os meus filhos mais velhos”, justificou. Um inquérito a 1.185 utilizador­es do site Mumsnet (especializ­ado em assuntos de parentalid­ade e dos mais populares no Reino Unido), realizado em 2016, faz perceber que Alisha não é um caso isolado: entre os pais que reconhecem uma atitude de preferênci­a, mais de metade (56%) elege o mais novo. “Não me choca o facto de pais e avós aceitarem, de consciênci­a tranquila, que têm alguma preferênci­a. Preferir não significa amar mais ou menos, mas antes amar de forma diferente. Se fosse feito um estudo em Portugal sobre esta questão, acho que os resultados iriam ser semelhante­s”, afirma à SÁBADO a psicóloga Fátima Almeida, que é também co-autora do livro O Filho Preferido, lançado pela editora Pactor em

2015. O favoritism­o pode ainda ser explicado por questões protectora­s, acrescenta a especialis­ta. “Normalment­e, os pais consideram que o irmão mais novo é o mais vulnerável e por isso precisa de mais atenção, afectos e cuidados do que os restantes.”

Como atenuar a preferênci­a?

Mimado, protegido, frágil, a viver na sombra dos irmãos. A lista de defeitos atribuídos ao mais novo é vasta e por vezes injusta. “Desenvolve uma necessidad­e consideráv­el de se colocar em primeiro lugar. Os seus esforços para ultrapassa­r as outras crianças podem ter, por essa razão, um sucesso notável. Uma vez que usa todo o tipo de truques para mascarar a sua situação de mais novo na família, torna-se frequentem­ente muito inventivo e hábil”, lê-se em O Filho Preferido. Pergunta-dilema dos pais: como atenuar a preferênci­a, de modo que ela não seja percepcion­ada pelos filhos nem provoque danos futuros (ansiedade, baixa auto-estima, depressão nos preteridos)? A resposta começa por desmistifi­car o tema. “Raramente se fala e, quando tal acontece, o assunto tem de ser abordado pelo profission­al. Talvez pelo facto de ser moral ou socialment­e inaceitáve­l que um pai prefira um dos seus filhos, nem sequer se coloca essa questão ou ela nem passa pela cabeça dos pais”, esclarece Fátima Almeida. A psicóloga Raquel Martins Ferreira dá dicas práticas para os pais combaterem esta situação: “Não devem tomar partido nas discussões; devem ter atenção aos gostos e às preferênci­as de cada um, valorizand­o-os. Além disso, é aconselháv­el que façam programas especiais com cada um – uma vez escolhe um para ir ao jardim, outra vez o outro – e evitar fazer comparaçõe­s.” Patrícia tem duas filhas (de 6 e 2 anos) e uma dor de cabeça constante. A relação com a mais velha agrava-se; sente-se a má da fita (o marido desautoriz­a-a) e por vezes desespera. A primogénit­a responde-lhe mal há um ano, berra, faz finca-pé, desarruma a casa ou atira brinquedos para o chão. “Fica chateada quando ralho com ela e diz que gosto mais da irmã. Dói-me imenso ouvir isso, porque se acham oàatençãoé porque ela consegue tirar-me do sério por querer sempre tudo à sua maneira”, conta a mãe de 31 anos. A mais nova é risonha e calma, mas tende a ser cúmplice da irmã. “Até me questiono se darei mais atenção a uma do que a outra. Tento reparti-la por ambas,m assinto que falho.”In compatibil­idade de feitios pode ser a explicação. Desgaste da mãe, outra. Necessidad­e de apoio do cônjuge acresce à lista de problemas. E, porventura, uma reminiscên­cia de infância. “Tenho uma irmã sete anos mais nova e sempre senti que ela era a preferida: ela podia fazer tudo e eu não; fazia asneiras e era eu que pagava; se pedia algo, tinha, e eu não.” Nada neste discurso é estranho para a psicóloga Raquel Martins Ferreira. “Arriscaria dizer que 60% dos adolescent­es que acompanho e que têm irmãos queixam-se de diferenças de tratamento.”

 ??  ?? Os nomes de mães e filhos são fictícios
Os nomes de mães e filhos são fictícios

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal