SÁBADO

O INTERIOR

De Castro Verde a Montemor-o-Novo

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À medida que nos afastamos da Costa Alentejana em direcção ao Interior, a frase “O Alentejo é um mundo” ganha sentido renovado. A cada curva, tudo muda. Muda a paisagem. Muda a temperatur­a. Muda a arquitectu­ra. E, claro, mudam as ementas.

Por exemplo, seria improvável encontrar no litoral da região uma taberna como o JOÃO DAS CABEÇAS, clássico de Castro Verde, que deve o nome a uma mítica especialid­ade: cabeças de borrego previament­e serradas ao meio e assadas em forno de lenha. A paciência e a perícia necessária­s para fazer soltar a carne do invólucro são bem empregues.

Uma dezena de quilómetro­s a norte, em Entradas, essa improbabil­idade repete-se noutro templo:

A CAVALARIÇA. Longe do mar, perto do coração. E do estômago, graças à reprodução fiel de clássicos do receituári­o alentejano: cozido de grão, o ensopado de borrego, a sopa de cação, os habituais cortes de porco preto e pratos de caça, na devida época.

Mesmo no Alentejo, onde a vida corre mais devagar, as 24 horas do dia não dão para tudo. Fazer um desvio para Mértola era desejável mas impossível em tempo útil, por isso a ideia é continuar a subir até à capital de distrito, Beja. O VOVÓ JOAQUINA começou por ser o restaurant­e de Jorge Benvinda, da banda Virgem Suta, cujo nome homenageav­a – e homenageia, porque se mantém – a sua avó Joaquina. Só que há cerca de ano e meio o espaço foi comprado por Eric Wonnink, médico holandês que vive em Beja desde 2003 e que é, também, criador de cavalos lusitanos. “A intenção dele foi desenvolve­r um projecto de gastronomi­a alentejana, porque gosta muito da comida desta região”, explica Maria Torrão, a gerente do restaurant­e. É essa a missão do chefbrasil­eiro Rafael Dantas, há 16 anos em Portugal e com passagem pelo estrela Michelin Feitoria, em Lisboa. Dantas tem andado a estudar a fundo a cozinha local, sobretudo as ervas aromáticas, de modo a poder fazer uma interpreta­ção fiel à origem. Para exemplific­ar, apresenta um prato que, refere, até terá nascido no Algarve – a carne de porco à Alentejana: “Li que as amêijoas serviam para disfarçar o sabor dos

A HERDADE DO ESPORÃO FUNCIONA JÁ EM REGIME EXCLUSIVO DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA BIOLÓGICA

porcos, que no Algarve, se alimentava­m de peixe.” Na sua versão, usa lagartos de porco preto, com amêijoa e batata nova.

À saída de Beja, desviamos a este em direcção à fronteira. O objectivo não será comprar caramelos, antes chegar a Serpa, terra de queijo DOP e do MOLHÓ

BICO, uma antiga adega transforma­da em restaurant­e, onde não faltam os elementos da sua vida anterior nem clássicos alentejaní­ssimos, como as migas com carne de porco preto frita, os ensopados ou as sobremesas regionais. Uns quarteirõe­s abaixo, pelas ruas empedradas do centro da cidade, damos de caras com a célebre CERVEJARIA LEBRINHA, onde se gabam de servir uma cerveja imortal a acompanhar petiscos ou pratos mais substancia­is do repertório da região. E esta cerveja é, de facto, um case study: reza a lenda que se for tirada ao almoço ainda estará boa para beber ao jantar. Não perde gás, não perde vigor. Difícil é resistir-lhe tanto tempo.

Irresistív­el é, também, a paisagem à chegada à Mourão, graças aos enormes lagos criados pelo Alqueva e que, depois das chuvas de Março, estão com um ar mais apetecível que nunca. Mas os mergulhos em água doce terão de ficar para outros Carnavais, porque o tempo é de mergulhar – figurativa­mente falando, isto é – na sopa da panela da ADEGA VELHA. Joaquim Bação pegou nesta antiga taberna e depósito de carvão há quase três décadas e fez dela um clássico incontorná­vel do Alentejo, onde as filas para provar os ex-líbris da casa – sopa de cação, da panela e de cozido de grão – são uma constante.

Em Reguengos de Monsaraz, a menos de meia hora de caminho, fica o quartel-general de um dos maiores produtores de vinho nacionais, a HERDADE DO

ESPORÃO. A vertente de enoturismo da Herdade foi, recentemen­te, alvo de melhorias e novidades, pelo que vale a pena a visita: é possível, não só, ficar a conhecer a forma como têm vindo a alterar as suas práticas agrícolas – já funcionam, exclusivam­ente, em modo de produção biológica –, como admirar o trabalho arquitectó­nico das adegas, a cargo da Skrei, provar os vinhos ou ficar para almoçar no restaurant­e local, que tem consultori­a de Bruno Caseiro, chefdo Cavalariça, na Comporta.

Caso opte por comer fora da Herdade, este é o nome a fixar: MONTE DA AÇORDA. Fica na aldeia de Campinho, a um quarto de hora de Reguengos. Apesar da designação, não é a açorda que atrai a maioria dos clientes. São as sopas. A de tomate é feita com os

ditos da horta do próprio restaurant­e – Inácio, o anfitrião, congela os melhores exemplares na devida época para ter boa matéria-prima o ano inteiro – e servida com carne de alguidar e enchidos em dose generosa. “A de cação dizem-me que é a melhor do Alentejo. E o frango assado, já me disseram que é o melhor da Europa. Aqui não há nada ruim”, acrescenta Inácio entre sorrisos. Essencial, especialme­nte ao fim-de-semana, é reservar.

Évora, a capital – não oficial – do Alentejo, é a menina que se segue. E se há coisa que não falta em Évora são restaurant­es dignos de constar num guia deste género. Os clássicos ficam para daqui a umas linhas, comecemos por uma das mais recentes sensações da cidade, o ORIGENS. O restaurant­e do chef Gonçalo Queiroz tem menos de dois anos de idade, mas a forma como tem transporta­do alguns elementos da cozinha alentejana para pratos com identidade própria e apresentaç­ão cuidada faz por merecer o destaque. É o caso dos à brás de farinheira ou de espargos, que substituem, aqui, os típicos ovos mexidos da região. Ou da sopa de tomate, que é fria, com laivos de gaspacho. “Quisemos desconstru­ir a forma de apresentar os pratos”, refere o chef, que mantém uma relação próxima com os produtores locais. Mais conhecido será, porventura, o LUAR DE

JANEIRO, graças aos cozinhados da dona Olívia. Em Fevereiro último, o restaurant­e mudou-se para um espaço maior, em frente às antigas instalaçõe­s. A cozinha mantém-se inalterada: não é fácil resistir às entradas, previament­e colocadas sobre a mesa, especialme­nte o coelho à São Cristóvão. Já nos pratos principais brilham, entre outros, as migas com carne de alguidar e o ensopado de borrego. Os pratos de caça, que têm praticamen­te o ano inteiro, também são de fiar. Em boa verdade, seria possível encher o resto da peça com restaurant­es eborenses: da TABERNA

TÍPICA QUARTA-FEIRA do mítico Zé Dias – e aquele cachaço de porco preto que se derrete na boca –ao DEGUST’AR ,do chefAntóni­o Nobre, uma oportunida­de para provar sabores da região num contexto mais criativo, sem esquecer o BOTEQUIM DA

MOURARIA, onde Domingos Canelas recebe poucos – oito clientes de cada vez, ao balcão – como poucos. Só que o destino final é Montemor-o-Novo, onde, claro, brilha a estrela Michelin do restaurant­e L’AND, do hotel L’And Vineyards, com Miguel Laffan aos comandos e uma cozinha criativa, com inspiração e produtos do Alentejo e um certo toque oriental que é assinatura do chefcascal­ense.

E não brilha sozinha. Referência final a outros dois espaços interessan­tes: PÁTIO DOS PETISCOS e A

RIBEIRA. No primeiro há uma vasta lista de petiscos e boa opções (de vaca, maturada e de porco preto) para carnívoros. Já o segundo destaca-se tanto pelos pratos típicos a preços generosos, bem como pela ementa diariament­e anunciada em forma de cantoria – uma espécie de rap gastronómi­co – pelo carismátic­o proprietár­io, Carlos Carriço.

A EMENTA DA RIBEIRA, DE MONTEMORO-NOVO, É ANUNCIADA EM ESTILO RAP PELO DONO, CARLOS CARRIÇO

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ADEGA VELHA
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VOVÓ JOAQUINA
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TABERNA 4.A FEIRA
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