Carlos Rodrigues Lima
UMA DAS VANTAGENS COMPETITIVAS DOS CAFÉS TRADICIONAIS EM RELAÇÃO
aos novos espaços gourmet e aos de fast-food éa ligação que se estabelece entre os funcionários e os clientes habituais. Quem ainda gosta de frequentar com assiduidade estes espaços e tem hábitos alimentares fixos, sabe que basta pedir “o costume” para, minutos depois, ter em cima da mesa o que realmente pretende.
Esta lógica, salutar em contextos de proximidade, foi infelizmente transposta para a gestão do Estado. Até 2024, o Estado português terá que desembolsar, mais coisa menos coisa, 20 mil milhões de euros em rendas das Parcerias Público-Privadas, 10% do Produto Interno Bruto (PIB), cálculos do Dinheiro Vivo, que analisou um recente relatório do Tribunal de Contas Europeu. Ou seja, ao nível Europeu, Portugal lidera no gasto com as rendas das PPP.
Em segundo lugar, segue-se… vamos lá adivinhar… a Grécia, esse maravilhoso país europeu que também entrou na bancarrota. O pessoal do Tribunal de Contas Eu- ropeu – certamente pouco preocupado com as grandes questões europeias, como, por exemplo, quem é Carlos Moedas – concluiu que “as PPP permitiram que as autoridades públicas adjudicassem grandes infra-estruturas através de um procedimento único, mas que estas aumentaram o risco de concorrência insuficiente e enfraqueceram, assim, a posição de negociação das autoridades adjudicantes”. As PPP prejudicam o Estado? Sim. Então, por que razão o Estado não equaciona outros modelos ou renegoceia alguns contratos com os privados? Porque, quando um privado se senta a negociar com o Estado “o costume” é o Estado ficar amarrado a rendas de milhões. Passemos agora para a cidade de Lisboa. Um tipo qualquer, certamente licenciado, da Sociedade de Reabilitação Urbana da Câmara de Lisboa promoveu um leilão de rendas. No programa até constava o “acessível”, mas o brilhante cidadão deve ter considerado que tal adjectivo estava desenquadrado com o espírito geral dos preços praticados no mer- cado. Para evitar que a Sociedade de Reabilitação fosse acusada de promover dumping nos preços da habitação – onde já se viu um T1 em Lisboa a 350 euros? – a mente brilhante decidiu avançar com um leilão de forma a manter a estabilidade nos preços praticados na capital. Resultado: um T1 de renda acessível foi arrematado a 760 euros, porque é “o costume” do que se paga em Lisboa. Afunilando mais o ângulo, chegamos a Carlos César, presidente do Partido Socialista, cuja família mais próxima serve abnegadamente o Estado. O Expresso contou que César e outros deputados das ilhas acumulam subsídios: de deslocação e de insularidade. Um deputado insular do Bloco de Esquerda apressou-se logo a divulgar que iria renunciar ao mandato e repor o dinheiro. Mais tarde, ficou a saber-se que Paulino Ascenção já tinha anunciado, meses antes, a renúncia. Apenas fez uso da chico-espertice para cavalgar a onda da moralidade. Já Carlos César veio dizer que nunca cometeu nenhuma ilegalidade ou imoralidade. Sim, jamais! Depois, foi a vez de o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, também vir atestar o bom comportamento de César e de outros sete deputados, dizendo, do alto da sua autoridade constitucional, que os deputados “não cometeram nenhuma ilegalidade, tendo beneficiado dos abonos e subsídios que sempre existiram, sem polémicas ou julgamentos de carácter”. Como em Barrancos, sempre houve touros de morte.
Os serviços do parlamento fizeram o levantamento da situação e concluíram que a prática está instituída desde 1989. Portanto, há 29 anos que os deputados das ilhas recebem um duplo subsídio, o que até pode ser ilegal ou imoral, mas como está em vigor há tanto tempo tornouse “o costume”, como quem vai ao café.