SASHA WALTZ PELA PRIMEIRA VEZ NA COMPANHIA NACIONAL DE BAILADO COM IMPROMPTUS
Há um problema inerente à dança, que é o da transmissão de conhecimento e preservação da memória. Ao contrário do teatro, em que as peças são escritas e podem ser adaptadas, traduzidas e reinterpretadas vezes sem conta porque há um texto, na dança isso não sucede.
O que acontece, então, quando Sasha Watlz, a criadora de Impromptus, não pode – porque a agenda da próxima directora artística da principal companhia de ballet de Berlim está compreensivelmente preenchida – passar dois meses em Lisboa a preparar os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (CNB) para que interpretem as suas coreografias no Teatro Camões, entre 25 de Abril e 5 de Maio? A resposta é dada por Cláudia de Serpa Soares, bailarina de 45 anos que trabalha com a coreógrafa alemã desde 1999 e que esteve no elenco que dançou Impromptus em 2004, na estreia, no teatro da Schaubühne, em Berlim. Sasha, Cláudia e restante elenco original estiveram em Lisboa, em Novembro, a fazer audições, escolhendo dois elencos de sete intérpretes. No início de Março, os bailarinos da companhia Sasha Waltz & Guests regressaram e iniciaram a preparação, mas passada uma semana voltaram a Berlim – excepto Cláudia e uma colega, que desde então têm estado a trabalhar com a CNB. Sasha Waltz só chegou a Lisboa uma semana antes da estreia.
“É mais fácil quando é um papel que ainda está na memória do corpo”, como este, diz ao GPS a bailarina portuguesa, que assumiu o papel de ensaiadora. “Se for preciso, noutros papéis juntamos vídeos e documentação escrita à memória física.” A criação de Impromptus, uma peça “desafiante com algumas dificuldades técnicas” – em parte pela inclinação do palco em duas direcções, como conta –, serviu de preparação para uma ópera que Sasha Waltz queria fazer e que estrearia em 2006 – Dido
e Eneias, de Henry Purcell, que (coincidência ou não) a CNB apresentou em Outubro de 2017, numa adaptação de António Cabrita e São Castro.
“Antes, trabalhávamos com música electrónica e depois fazíamos as peças em silêncio”, explicou Cláudia, antes de passar o telefone a Sasha Waltz. “Quis explorar formas diferentes de trabalhar a música e o piano tinha a vantagem de não precisar de uma orquestra inteira. Só depois veio a ópera, com a orquestra e o coro”, especificou a coreógrafa alemã, referindo-se a esta peça, que tem música de Schubert tocada e cantada ao vivo.
É a primeira vez que trabalha com a CNB e não escolheu Impromptus por acaso: “Achámos que era uma peça muito rica fisicamente, fluída, com vocabulário diverso, muitos duetos poderosos e desafiantes, e rítmica. E tem a melancolia de Schubert, o compositor romântico que, para mim, se relaciona com a alma e a forma portuguesa de pensar sobre a vida.”