OS TÉNIS MAIS DESEJADOS
Já não são apanágio de desportistas nem de adolescentes – nos últimos anos os ténis foram coroados como o calçado mais desejado pela Humanidade. Porquê?
Muitos de nós ainda se lembram do prazer de enfiar os pés num par de Sanjo, nuns Adidas Stan Smith ou nos primeiros All Star do resto das nossas vidas. Poucos acessórios nos farão sentir a pessoa mais cool do mundo do que uns ténis de culto. Até agora, contudo, esse prazer ficava guardado na adolescência ou nos fins-de-semana de preguiça. Generalizando: a maioria das mulheres sonhava com o sapatinho de cristal versão Louboutin, Manolo Blahnik, enfim qualquer coisa que tivesse salto alto, tiras, fivelas ou pontas bicudas; e as gerações mais velhas achavam que ténis eram coisa de jovens. Nos últimos anos isso mudou. Pelo menos desde 2013, com a expansão da moda estilo athleisure, com os seus rituais de
runner, fitness, ioga, alimentação saudável, vida descomplicada, tudo o que é vestuário e calçado de inspiração desportiva não tem parado de fazer vítimas, isto é, de crescer. As sapatilhas são, actualmente, o sapato mais transversal a todas as gerações, classes sociais, culturas e contraculturas – algo que até aqui só acontecia com as calças de ganga.
De repente já não temos um par de ténis para usar de vez em quando, temos vários pares, temos outros debaixo de olho e a cada nova estação surgem novos modelos, cores, marcas a prometerem que nos farão felizes para sempre.
Se os homens foram os primeiros a explorar o potencial de juntar um fato clássico a uns ténis, as mulheres só agora estão a derrubar as fronteiras entre a roupa vaporosa e ultrafeminina e o calçado desportivo. Uma vez derrubado o muro, no entanto, o caudal é agora imparável.
Em 2017, nos Estados Unidos, a venda de ténis a mulheres foi 5% superior à dos homens e re-
presentou um lucro de 19,6 mil milhões de dólares, segundo o jornal Sourcing. É caso para dizer que se fosse hoje a Cinderela ia ao baile com uns ténis Balenciaga (os mais em voga entre as modelos, as celebridades e as bloggers de moda) e o príncipe teria muito mais dificuldade em encontrar o pé certo, no meio de tantos pés delicados enfiados nuns “chunky, ugly sneakers”, a descrição pragmática das sapatilhas que esta Primavera/Verão vai ver em todo o lado: grandes e feias, inspiradas nos Nike Air Max 95. E, já agora, coloridas, barrocas, cheias de adereços, detalhes e inovações tecnológicas.
Um estudo da Edited, uma revista inglesa que trata as tendências de consumo, revela que já em 2015 havia mais de 5 mil modelos de ténis à venda no Reino Unido. É provável que nos últimos dois anos este número tenha aumentado muito porque os ténis tornaram-se um objecto tão desejado quanto o iPhone, as marcas de luxo entraram na corrida e, hoje, ter uns ténis Gucci, Balenciaga, Louis Vuitton ou coleccionar modelos de sapatilhas de luxo está para as gerações mais novas como as colecções de relógios suí-
ços estão para as gerações mais velhas – são símbolo de status social, riqueza, distinção.
Do desporto para as passerelles
Em 1917, quando foram lançados os famosos All Star feitos de borracha e lona para os jogadores de básquete, ninguém imaginaria que as sapatilhas se tornariam rapidamente o calçado de rua, sobretudo entre estudantes universitários e na comunidade negra dos Estados Unidos. Muito menos se esperaria que nos anos 50 as sapatilhas fossem usadas pelo Presidente John F. Kennedy.
Em 100 anos muitas marcas surgiram e os sapatos desportivos foram tendo duas vidas paralelas – nos campos desportivos e nas ruas. Nos anos 70 as bandas rock e punk levaram-nos para o palco, nos anos 80 as cantoras pop e as actrizes usaram-nos para as aulas de aeróbica. Marcas como a Adidas, a Nike, a Puma, a Reebok, a New Balance e a Asics competiam pela melhor performance desportiva aliada ao design mais apelativo e conseguiram mesmo destronar os velhinhos Chuck Taylor. Em 1984, a Gucci põe no mercado os primeiros ténis de luxo e em 1996 a Prada repete o feito. Só agora, que o espírito atlético comanda os destinos da moda, no entanto, é que as marcas de alta-costura entraram nesta maratona dispostas a fazer estragos. Chegaram tarde, é certo, mas em força. Esta Primavera vai acelerar a competição: entre os Nike Cortez, os Fila ou os Balenciaga, Gucci, Pucci, Louis Vuitton, o coração dos consumidores balança.
A carteira há-de devolver o pragmatismo a quem sonha com ténis e mais ténis, até porque as marcas de fast fashion estarão inundadas de réplicas a preços sensatos. Lojas como H&M, Primark, Cos e Mango, e marcas portuguesas como a Friendly Fire, têm propostas suficientemente audazes naquelas que serão as duas grandes tendências: os ténis brancos com pequenos apontamentos de cor e os supercoloridos, com flores, brilhos, com folhos, fitas, pompons, laços…
Na verdade, numa moda que pouco tem mudado, a grande inovação foi mesmo a transformação dos ténis em estrelas das passerelles, destronando sapatos, botas e sandálias. Os criadores têm-lhes
EM 1984 A GUCCI PÔS NO MERCADO OS PRIMEIROS TÉNIS DE LUXO E EM 1996 A PRADA REPETIU O FEITO
h entregado a sua melhor e mais ousada criatividade. Veja-se o que fez JW Anderson quando criou para a casa espanhola Loewe os ténis de duende ou o que Demna Gvasalia fez para a Vetements com os ténis-meia e agora para a Balenciaga com as colossais sapatilhas chunky.
Um estudo de 2017 feito pela NPD, uma consultora americana para o sector têxtil, revela que a compra de sapatilhas para o dia-a-dia representou 75% das vendas do sector, enquanto a venda de modelos eminentemente desportivos está a cair, não obstante ser ainda a grande fonte de inspiração dos criadores de moda. Isto faz com que empresas que sempre estiveram voltadas para a prática de modalidades atléticas estejam cada vez mais apostadas em conquistar o segmento lifestyle e streetwear em geral e o público feminino em particular, como fez a Puma criando uma colecção com a cantora Rihana, ou a Adidas com os músicos Kanye West (o modelo adidas-Yeezy) e, já este ano, com Pharrell Williams.
Ténis, os novos Louboutin
Basta espreitar o Instagram das novas supermodelos como Gigi e Bella Hadid, Sara Sampaio, Adwoa Aboah ou das it girls Chiara Ferragni, Camila Coelho; ou ainda os das bloggers como Susie Bubble para ver que qualquer peça de roupa se pode conjugar com ténis. O tempo do duo jeans/sapatilhas é passado. Agora os modelos mais excêntricos emprestam o espírito do tempo a saias justas ou plissadas, vestidos de seda, cetim ou rendas, fatos masculinos, malas ostensivas, chapéus, maquilhagens sofisticadas. Idêntico cenário para os homens; esqueçam as sandálias de couro, as havaianas, os sapatos de vela. Se o trabalho não exige um dress code apertado, qualquer um pode apostar num bom par de ténis. Curiosamente os modelos mais elegantes estão agora no lado masculino: Diadora, Fila, Gucci, Adidas Superstar e Lacoste. E uma dica dos especialistas: os modelos brancos ou negros nunca falham a emprestar maior elegância que os coloridos.
Na infinita busca pela novidade há ainda as variações avant-garde sobre os ténis clássicos, com propostas de ténis-sandália abertos atrás ou à frente, de ténis-meia que consistem apenas numa borracha muito leve como sola e um revestimento de tecido elástico à superfície. Seja como for, as sapatilhas estão a dominar o mundo.