Dia Mundial celebrado com estreia da coreógrafa Olga Roriz
Inspirada pelo cinema do realizador sueco, a nova peça da coreógrafa portuguesa estreia no Festival DDD, no Porto
ODia Mundial da Dança celebra-se a 29 de Abril com espectáculos em todo o País (destacamos alguns nas páginas seguintes) e um festival no Porto, Matosinhos e Gaia – o DDD – Dias da Dança, que na sua terceira edição tem entre os seu pontos altos a estreia de A Meio da Noite, nova criação de Olga Roriz que aqui surge ancorada noutra efeméride: o centenário do nascimento do realizador sueco Ingmar Bergman, inspiração maior para esta peça. “Influenciou muita gente e continua a influenciar. Tem uma obra que me toca muito”, diz a coreógrafa ao GPS.
A Meio da Noite – sobe ao palco do Teatro Nacional São João, no Porto, nos dias 27, 28 e 29 – começa como se fosse uma sessão de trabalho em preparação da própria peça. Sete intérpretes ocupam o palco num momento de “pesquisa, partilha e criação para eventualmente criarem um espectáculo sobre Bergman”. Foi assim que Olga Roriz e os intérpretes André de Campos, Beatriz Dias, Bruno Alexandre, Bruno Alves, Catarina
“ANDA À VOLTA DAS COISAS MAIS EXISTENCIALISTAS E OBSCURAS DA PROBLEMÁTICA DO SER HUMANO SOZINHO – A OBRA DE BERGMAN ERA SOBRE ISTO”
Câmara, Francisco Rolo e Rita Calçada Bastos criaram A Meio da Noite. Os ensaios começaram em Janeiro, mas a pesquisa de Olga Roriz já leva mais de um ano – e, de certa forma, a vida inteira. A coreógrafa, de 62 anos, tinha “20 e poucos” quando viu Persona (1966) e descobriu um realizador que a acompanharia até hoje – entre os seus filmes, alguns impuseram-se, sobretudo Silêncio
(1963), A Vergonha (1968), A Hora do Lobo (1968) e
Paixão (1969). “Anda à volta das coisas mais existencialistas e obscuras da problemática do ser humano sozinho – no fundo a obra dele era sobre isto”, conta, exemplificando a influência de Bergman no seu próprio corpo de trabalho. Mas esta é a primeira vez que a portuguesa se debruça directa e declaradamente sobre a obra do realizador: “Eu trabalho os conflitos entre as pessoas, a solidão, o indivíduo, o um por si só. Tenho algo a ver com essa procura de entender o que é o ser humano”, salienta.
Na peça, os sete intérpretes estão sentados à secretária, têm computadores e vão testando textos, coreografias e músicas – de Primal Scream a Bach passando por bandas sonoras como o início de
Persona, que acompanha um solo. Não deixa de ser um espectáculo de dança, mas um em que o texto sobressai. “Já usei texto antes e acho que umas vezes faz sentido, outras não. Aqui impôs-se.” É assim até meio do espectáculo, que depois se “desvia desse percurso e entra numa parte mais onírica, mais de ficção”, uma espécie de segredo que a coreógrafa prefere não revelar.
Há uma terceira camada de leitura em A Meio da
Noite, além das coreografias dos bailarinos e do texto dito: são as projecções de imagens filmadas por Olga Roriz e João Rapozo em Lisboa e em Fårö, a ilha sueca onde Bergman viveu e onde foi sepultado, o que obriga o público a fazer concessões a cada momento. “Ficas a olhar para as imagens, para os bailarinos ou dás mais atenção ao texto?”, exemplifica a coreógrafa.
A última apresentação no Porto será a 29, no Dia Mundial da Dança – uma efeméride que desvaloriza. “Não dou muita importância porque para mim todos os dias são dias da dança [ri-se].” Mais séria, acrescenta: “Pelo menos neste dia fala-se da dança, o que é importante do ponto de vista do público ou mesmo político, já que a dança continua a ser o parente pobre das artes. Com esta confusão [do financiamento à cultura] só se fala do teatro, parece que só eles ficaram sem dinheiro. Nós também estávamos lá, na manifestação, mas eles é que têm a voz – nós os músculos.