A ORDEM DO DIA AUXILIAR DE MEMÓRIA
O Prémio Goncourt do ano passado foi para A Ordem do Dia, o “romance” que assinala a estreia, em Portugal, do francês Éric Vuillard (n. 1968). Várias vezes laureado, Vuillard é autor de obras sobre temas históricos, como sejam a queda do Império Inca, a Revolução Francesa, a colonização do Congo ou a Primeira Guerra Mundial, tendo desta vez feito pontaria ao III Reich e, em particular, ao apoio que recebeu das grandes indústrias alemãs, como a Opel, Telefunken, Krupp, Siemens, Basf, Allianz, IG Farben, Agfa, Varta e Bayer. Sem esse apoio, Hitler não teria chegado onde chegou. A precisão é tal que nos questionamos sobre se
A Ordem do Dia é, como anunciado, um romance ou, em vez disso, uma crónica sobre factos da História. Palavras do autor: “A literatura autoriza tudo.” De facto, a 20 de Fevereiro de 1933, em Berlim, teve lugar a reunião fatal: “As sombras penetraram no grande vestíbulo do palacete do presidente da Assembleia; em breve, porém, deixará de haver Assembleia…” Vuillard descreve com elegância não isenta de sarcasmo o encontro dos sacerdotes da alta finança em casa de Göring, então presidente do Reichstag. São todos citados pelo nome. Com as eleições de Março no horizonte, Göring recorda as responsabilidades de cada um: destruir os sindicatos e acabar com o comunismo. O primeiro capítulo é um prodígio de ironia sobre a história da Opel, “um império incorporado noutro império”. Por outro lado, o retrato que faz de Edward Wood, Lorde Halifax, o ministro britânico que deitava água na fervura do Anschluss, tem alto teor de corrosão: “No que toca às ideias, Halifax não tem grandes pudores.” É portanto neste registo de crónica factual que o “romance” progride. Está lá tudo: o incêndio do Reichstag, Dachau, a ominosa Noite das Facas Longas, as leis da eugenia, os recenseamentos étnicos, a noção de espaço vital, o assassinato de Dollfuss, o encontro de Hitler e Schuschnigg em Berchtesgaden, a anexação austríaca, a invasão da Checoslováquia, conversas de Ribbentrop, o flop da primeira série de tanques Panzer… Interessante, mas pouco romanesco.