O adeus de Costa à geringonça?
Oque ficou, afinal, do XXII congresso socialista que se realizou na Batalha? Que programa, que discurso, que equipa, que ética política, que estratégia eleitoral vai o PS de António Costa apresentar aos portugueses no ciclo eleitoral que simbolicamente começou para os socialistas neste congresso?
1. Na verdade, para lá da equipa, que vive do pragmatismo e instinto político de António Costa e repete a experiência de Carlos César, a capacidade organizativa e política de Pedro Nuno Santos e Ana Catarina Mendes, do congresso só saíram incógnitas. Ficaram guardadas as respostas sobre a estratégia, sobre o programa eleitoral e de governo, sobre a ética política para enfrentar o imenso problema que o caso Sócrates e outros como o do ministro Siza Vieira continuam a colocar ao partido.
2. No capítulo da ética política, a evidência de uma ausência estruturada de regras é cada vez mais ululante. Os apoiantes de António Costa não gostam da frontalidade de Ana Gomes ou de João Cravinho mas eles estão carregados de razão. O mesmo PS que esteve na Batalha a elogiar a sagacidade e intuição política de Costa entregou-se à celebração do culto da personalidade em relação a Sócrates na legislatura que correu entre 2005 e 2009. Foi esse PS que não quis ver as mentiras e as mistificações de Sócrates para maquilhar o envolvimento na OPA à PT, que não quis ver a vergonha de recusar um pacote de leis para combater a corrupção alegando que tudo não passava de “uma asneira”, que não quis ver a manigância da renegociação das parcerias público-privadas rodoviárias, que mergulhou na subserviência cega em relação a um líder que quase liquidava o partido. Em matéria de ética política estamos conversados: nada de relevante vai acontecer. A própria comissão parlamentar eventual para a transparência, liderada pelo socialista Pedro Delgado Alves, tem propostas absolutamente essenciais que são olhadas de lado na direcção de Costa. Se querem mudar alguma coisa poderiam começar por aqui e valorizar o trabalho que pode ser feito numa sede apropriada como é o Parlamento.
3. No discurso político até às eleições ficou uma certeza. Daqui para a frente o PS vai carregar na reivindicação absoluta da obra feita no governo para que não fiquem dúvidas no eleitorado que possam prejudicar a conquista de uma maioria absoluta. Os bons resultados da geringonça são de António Costa e do PS, não do BE ou do PCP. Uns e outros vão viver em clima de marcação anda mais cerrada daqui para a frente, para obter o melhor quinhão eleitoral que for possível. Foi, aliás, muito significativo que Costa tenha ignorado totalmente os parceiros de aliança no discurso final do congresso, deixando no ar uma ideia de pragmatismo levado à obsessão. É como se dissesse que, para servir Portugal e os portugueses, vale tudo: navegar à vista e governar com a esquerda ou com a direita. E, aí, não tenhamos dúvidas: a sombra de uma aliança com Rui Rio, apesar de toda a coreografia de esquerda que o congresso exibiu na música, na evocação histórica e no debate ideológico, sobrevoa cada vez mais o PS. Costa não quer descartar nenhuma possibilidade. Dançará o tango com quem se apresentar.
4.Este foi também o congresso do início da sucessão de António Costa. Pedro Nuno Santos emergiu como o mais preparado e com mais vontade. Apresenta-se como o líder de uma renovação geracional à esquerda, lutando por um espaço outrora ocupado por sampaístas e ferristas, base de construção inicial do costismo. Tem muitas hipóteses. Ana Catarina Mendes e Fernando Medina já começaram a fazer marcação à zona, como se diz no futebol, mas todos eles são uma boa notícia para o PS em matéria de renovação geracional das lideranças.