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No futuro de um universitário, a tecnologia está (ainda) mais presente, não há profissões para a vida, trabalha-se com as empresas e fazem-se duas licenciaturas em simultâneo.
Educação Saiba quais são os cursos e as pós-graduações mais procurados e inovadores
Emoedasspeculadores de
alternativas, terapeutas de desintoxicação digital, eticistas, engenheiros de circulação… A lista de novas profissões elaborada em 2014 por Thomas Frey tem mais de 160 entradas – e algumas talvez até já estejam desactualizadas. Há 15 anos imaginaria que blogger, instagramer ou youtuber seriam profissões rentáveis? Dificilmente. Então, não estranhará que estas profissões estejam no portefólio do futuro. Quando criou a lista, o futurista do DaVinci Institute assumia que cerca de 60% dos empregos da próxima década ainda não tinham sido inventados. Isso foi referido inúmeras vezes à SÁBADO por diversos especialistas. Assim como a certeza, aqui resumida pelo chanceler da Universidade Lusíada, de que hoje “ninguém se forma para ter a mesma profissão toda a vida”. Eis o que podem esperar os que se preparam para um novo ciclo de ensino:
SABER ADAPTAR-SE
Ainda há dias João Redondo ouvia um físico (um especialista, portanto) afirmar que “não temos de formar especialistas”. É que, diz o também presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, “o especialista esgota a sua competência na especialidade” e o
que as universidades têm que fazer é “preparar as pessoas para pensarem e para um futuro que é desconhecido”: “Atendendo à velocidade a que os saberes se tornam desactualizados, o quadro que tem de se desenvolver é ser capaz de se adaptar a novidades permanentemente.” Ele, por exemplo, quando tirou Direito há 35 anos teve que aprender todo o Código do Processo Civil, que entretanto já foi alterado. “Mas foi útil, porque prevalecem os princípios.” As bases são importantes, e essa é uma das razões por que as instituições de ensino superior têm optado por manter estável a oferta no primeiro ciclo (o das licenciaturas). Os alunos, resume Gustavo Martins, vice-reitor da Católica, são preparados para as mais diversas áreas “com ferramentas de pensamento crítico” e de aprendizagem. E, nota Amílcar Falcão, da Universidade de Coimbra, para se “adaptarem”. Pedro Geraldes Barba já tinha uma “ligação com o campo” quando, há quatro anos, entrou para o Instituto Superior de Agronomia (ISA). Natural de Aveiras de Baixo, com um pai professor de Fruticultura na Escola Agrária de Santarém, a família tinha plantado um pomar de 9 ha de pêra-rocha e maçã-gala. Por isso, os temas que se preparava para estudar em Engenharia Agronómica não lhe eram estranhos. Mas nos primeiros anos o curso foi sobretudo teórico: Química, Matemática, Fisiologia, Biologia. “Parece inútil, mas fui dando conta que essa base é muito forte e dá diferenciação”, diz o aluno de 23 anos. Foi útil, por exemplo, quando teve fazer cálculos de nutrição dos brócolos que plantara numa “horta em ponto pequeno” no ISA. Ou as estimativas de produtividade. Os responsáveis da instituição detiveram-se perante este “grande dilema” em 2006, quando foi necessário adequar os cursos superiores a Bolonha, explica a vice-presidente do conselho de gestão, Luísa Louro: “Houve um confronto explícito entre o ensino teórico, muito importante para a aquisição de conceitos de ciência básicos, e o ensino aplicado mas com base científica forte.” Acabaram por conseguir um equilíbrio, garante Pedro: “Uma pessoa com base teórica vai para o mercado de trabalho e é muito mais flexível.”
NOVOS CURSOS
h Ser polícia foi sempre um dos sonhos de Ana Margarida Moreira, 21 anos. Outro era frequentar a Universidade do Minho (UM). Numa acção de promoção, tirou um panfleto sobre o curso de Criminologia e Justiça Criminal. Em Setembro de 2016 entrou na Escola de Direito, em Braga, como um dos 20 primeiros alunos da última licenciatura criada pela UM (este ano lectivo são 25 alunos). Na turma tem dois trabalhadores-estudantes (um agente da Guarda Nacional Republicana e uma funcionária judicial) e futuros guardas prisionais ou trabalhadores em associações de apoio à vítima. “Eu estava só focada no crime e no criminoso. Também aprendemos sobre as vítimas, o Direito.” Agora, diz, “posso trabalhar na prisão [e] ao mesmo tempo no tribunal. Não vou ser nem polícia, nem advogada. Vou ser criminóloga”.
O curso tem essa “componente multidisciplinar”, explica Linda Veiga, pró-reitora para assuntos estudantis e inovação pedagógica: “Temos docentes de diferentes áreas científicas a leccionarem. Está sediado na escola de Direito, mas recorre também a docentes de Psicologia e Sociologia.”
Na UM é preciso recuar até ao ano lectivo de 2012/13 para encontrar outras duas novas licenciaturas, Teatro e Design de Produto (ambas leccionadas em Guimarães). “Já não é como antigamente, em que cada ano abria um novo curso. Tem de haver ajustamento de vagas” – isto é, as universidades têm que abdicar da entrada de
A AGÊNCIA DE ACREDITAÇÃO APROVOU 101 NOVOS CURSOS (64 EM UNIVERSIDADES E 37 EM POLITÉCNICOS)
alunos noutros cursos – “e tem a ver com a empregabilidade”, continua Linda Veiga. Em Design de Produto (que funciona na Escola de Arquitectura, apesar de incluir cadeiras de Engenharia ou Gestão), os alunos colaboram com as empresas. Há, por exemplo, “ligações ao projecto Bosch”, a multinacional alemã de engenharia e electrónica.
Impossível escapar à tecnologia
Em 2017, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) avaliou 188 pedidos de novos cursos de todos os ciclos. Desses, 101 receberam parecer favorável (64 de universidades e 37 de politécnicos). A A3ES não intervém nas mudanças internas dos que já existem – e é sobretudo aí que as universidades têm feito ajustes, introduzindo novas cadeiras. João de Castro está desde Se- tembro na Nova School of Business and Economics, em Lisboa, a desenhar um currículo que introduzirá a tecnologia a alunos de Gestão ou Economia. “Queremos que não tenham medo, que tenham a possibilidade de saber como uma máquina funciona”, diz. Torná-los profissionais com competência em análise de dados, inteligência artificial, blockchain e que são apetecíveis para as empresas. “Não se consegue escapar: todas as disciplinas clássicas (Medicina, Direito) vão ter transformadas pela tecnologia”, diz. O Instituto Superior Técnico, em colaboração com a Faculdade de Direito e a Escola Naval, tem um mestrado em Direito e Segurança no Ciberespaço. E nos politécnicos, onde estão inscritos cerca de 110 mil alunos, têmse criado ofertas formativas em “Internet das coisas”, cibersegurança, jogos digitais, bioinformática, produção e design multimédia, descreve Pedro Dominguinhos, que preside ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
SABER LER OS DADOS
h Quando se licenciou em Matemática, há 18 anos, Sandra Catarino não previa o crescimento que as bases de dados teriam. Eram poucos os que seguiam estatística. Ela foi trabalhar para a banca e, aos 42 anos, faz gestão de carteiras. Está a terminar a pós-graduação em Business Intelligence da Nova IMS (o antigo Instituto Superior de Estatística). “Formamos a profissão mais sexy do século XXI, que são os data scientists. Alguém que consegue lidar com grandes volumes de informação e torná-la conhecimento. São os profissionais mais valorizados: sabem de tecnologia mas não são informáticos, de analytics mas não são matemáticos, de gestão mas não são gestores”, diz o professor Guilherme Victorino. Em cadeiras como Design Thinking (em que Sandra e os colegas prepararam um projecto para potenciar o desenvolvimento activo a pedido da Bayer) ou Business Intelligence (criaram um modelo de negócio para uma loja de produtos de desporto), a estudante tem aprendido novas fer-
ramentas. E como são as empresas a avaliar os projectos ficam conhecidos no mercado. Arlindo Oliveira, presidente do Instituto Superior Técnico, concorda: a análise de dados é uma das áreas que está “a criar uma grande pressão no mercado”. Por isso tem na A3ES um pedido de mestrado em Engenharia e Ciência de Dados.
TER UM CV VARIADO
A palavra-chave é “multidisciplinaridade”. “Alguns empregos vão tornar-se obsoletos, desaparecer. As pessoas têm de conseguir antecipar isso”, diz João de Castro. E têm de se preparar para trabalhar em áreas diferentes daquela em que se formaram. Catarina Lisboa, 38 anos, tirou Design Gráfico no IADE, foi professora. Agora, está na Nova SBE num departamento que ajuda empresas tão diversas como a Nestlé ou o Santander a inovarem. Diz que já está no futuro do mercado de trabalho: é “ir-me adaptando, hoje estou num projecto, amanhã noutro.” João Valente Cordeiro, 39 anos, é um exemplo ainda mais extremo. Formou-se em Bioquímica e Biologia Molecular. Durante 12 anos fez investigação em Portugal e no estrangeiro, mas “sentia que o que fazia não tinha impacto fora das paredes do laboratório”, porque amigos e família não o compreendiam. Virou-se para Direito e dá aulas de Ética e Direito na Escola Nacional de Saúde Pública a juristas e administradores hospitalares. É por isso que aconselha “um jovem que esteja a iniciar um percurso académico a ter horizontes abertos para estudar mais do que uma disciplina”. Há várias formas de o fazer: a introdução de Bolonha há quase 15 anos trouxe a possibilidade de os alunos complementarem o tronco comum de uma licenciatura com cadeiras de outras. “Essa customização parece-me bastante importante” porque permite “tentar antecipar se me identifico com aquela profissão e escolher algo que permita versatilidade nos caminhos profissionais”, explica Guilherme Victorino. A Universidade de Lisboa tem desde 2011 a licenciatura inédita em Estudos Gerais, em que o aluno pode escolher cadeiras de oito instituições (faculdades de Belas-Artes, Ciências, Letras, Direito, Motricidade Humana, Psicologia e dos institutos superiores de Economia e Gestão e Ciências Sociais e Políticas).
Fazer dois cursos num
Algumas universidades oferecem dupla circulação. Na Lusíada é possível combinar Relações Internacionais e Direito. Como existem cadeiras comuns (por ex. Direito, Ciência Política ou Direito Europeu) é possível terminar ambas talvez em cinco anos em vez dos sete necessários se se fizesse uma de cada vez. Mas é difícil, avisa o chanceler João Redondo: é para “estudantes com capacidade de trabalho acima da média”. Na Católica do Porto funciona uma licenciatura em Direito e Gestão. Por fim, são muitos os cursos livres, clubes ou workshops em temas transversais (Bioética, Estatística, Escrita de Artigos Científicos, Divulga-
O FUTURO DO MERCADO DE TRABALHO É A ADAPTAÇÃO: “HOJE ESTOU NUM PROJECTO, AMANHÃ NOUTRO”
ção de Ciência). São curtos e não conferem grau académico.
APRENDER A PENSAR COMO NAS EMPRESAS
Miguel Rego Borges, de 23 anos, está no 5º ano de Engenharia Electrotécnica e de Computadores. No início do ano mudou da cadeira de Empreendedorismo avaliada com um trabalho escrito, para outra em que a avaliação é prática. “Incentiva os alunos a saírem do edifício e a contactarem com pessoas reais”, diz Laura Silva, 22 anos e que está no 4º ano da mesma licenciatura no Instituto Superior Técnico. Ambos tiveram que desenvolver um serviço que respondesse a um problema. Todas as semanas, apresentavam na aula as ideias e as entrevistas (obrigatórias) que faziam. Os projectos iniciais não se assemelham em nada aos finais. Nem sequer são sobre o mesmo tema. “É suposto que as coisas corram mal, que se troque de ideia imensas vezes, desde que se chegue a uma ideia válida”, explica Laura. Ela e os colegas tinham pensado numa aplicação que de manhã mostrasse as informações (trânsito, meteorologia…) que cada um consulta antes de sair de casa. Nas entrevistas aperceberam-se que “as pessoas se desenrascam com o que já existe”. Nas conversas com vários profissionais, incluindo um personal trainer, disseram-lhes que muitas pessoas vão ao ginásio menos pela necessidade de emagrecer e mais para receberem dicas alimentares. Criaram uma plataforma de entrega de refeições saudáveis, supervisionadas por um nutricionista e em que é possível registar as calorias a ingerir. Miguel e a sua equipa queriam avançar com uma plataforma de
crowdfounding, mas perceberam “que não teria interesse para ninguém”. Acabaram a desenvolver um projecto de aluguer de em festivais. O falhanço da primeira ideia e todo o trabalho que tiveram foi, para o estudante, um “despertar” de humildade: “A perspectiva de um engenheiro é que sabe tudo à partida e o que o cliente precisa. E não é assim. As pessoas não estão interessadas num certo produto”, explica. Em Coimbra, não há uma cadeira mas um projecto, o Académica Start UC, que oferece aos estudantes competências de empreendedorismo. “Toda aquela gente vai criar empresas?”, pergunta Amílcar Falcão, vice-reitor para a investigação e inovação. “Não. Mas se demonstrar que tem iniciativa e que percebe a vantagem da inovação, presumivelmente será um activo mais importante para as empresas do que alguém desligado da área.”
EM EMPREENDEDORISMO HÁ UM CHOQUE COM O REAL: “É SUPOSTO QUE AS COISAS CORRAM MAL”