A guerra contra Joana Marques Vidal
Aforma como o primeiro-ministro António Costa falou de Joana Marques Vidal, na entrevista que deu ao Expresso antes de ir de férias, é definitiva sobre aquilo que o Governo pensa da procuradora-geral da República. Costa não quer Joana como procuradora e não gosta do seu legado à frente do Ministério Público (MP). Pela primeira vez, o primeiro-ministro levantou o véu sobre as suas ideias em termos muito claros e muito relevantes para esta equação, cujo desfecho está aprazado para os próximos dois meses. É como se dissesse que prefere uma pessoa com outro perfil, coisa que indiscutivelmente os nomes apontados como mais próximos daquilo que o Governo quer, Orlando Romano e João Silva Miguel, têm. Romano esteve, por junto, 20 anos em comissões de serviço nas polícias (PJ e PSP) e João Silva Miguel também está há muitos anos em comissões de serviço de nomeação governamental. São pessoas competentes mas com trajectórias que os afastam das condições necessárias para o exercício de um cargo com a importância do de PGR. Se Costa não tem melhor trunfo para jogar é melhor apostar na recondução de Joana Marques Vidal, como muito provavelmente defenderá o Presidente da República. Mais se diga: também não há-de ser com uma “personalidade de reconhecido mérito” que venha de uma faculdade de Direito mais reputada que a questão se resolve. A boa reputação não chega para o que está em causa. No momento que vivemos, é preciso experiência, independência, alguém que já conheça os cantos à casa.
Como há muito se sabe, não existe qualquer obstáculo jurídico em torno da recondução. Também não há dúvidas sobre a isenção, imparcialidade e coragem que caracterizaram o mandato. Sabemos hoje que, ao contrário do sucedido no mandato anterior, o lugar não é ocupado por alguém que orienta o Ministério Público numa perspectiva de facção. Pelo contrário, a função é exercida por alguém que luta por um cumprimento integral da lei, pela sua aplicação igual a qualquer português e que orienta o MP por critérios de escrupulosa legalidade. Pode até ser salpicada por um despacho de arquivamento violento no caso das adopções da IURD, relativas ao tempo em que era coordenadora no Tribunal de Família e Menores, mas isso nunca prejudicará a sua imagem de magistrada séria e competente. Se há coisas que Joana Marques Vidal fez na vida profissional foi lutar pela transformação positiva da justiça de família e menores, remando contra todos os condicionalismos da época em matéria de funcionamento dos tribunais.
Uma coisa é certa: quem não quer a sua recondução no cargo é porque tem uma agenda diferente para o Ministério Público. Ou porque está a vingar-se. Resta saber se essa agenda não passa por destruir todo o caminho de reforço da autonomia e independência feito até aqui. Se não passa por dinamitar todos os casos em que o MP incomodou o poder político e construir uma magistratura dócil, sem músculo e, pior do que isso, sem vontade sequer. Num País em que aplicar uma pena de prisão efectiva demora quatro ou cinco anos e é atrasada por recursos que só os ricos podem pagar, construir um Ministério Público controlado politicamente é um crime de lesa-pátria.