Um manguito nas remessas dos emigrantes
UM QUARTO DA POPULAÇÃO da minha aldeia emigrou durante os anos 60. Alguns deles, nunca mais os vi – vivem na Alemanha, em França, na Suíça ou na América, e creio que de vez em quando um descendente sentimental vem visitar ou o lugar onde já não vive ninguém, ou uma casa construída com as primeiras economias da família. Não sabiam nenhuma língua que os pudesse ajudar e partiam às escondidas sem saberem onde, como e quando chegariam. Esse tem sido o nosso destino há cinco séculos – para estabelecer uma fronteira.
A esses emigrantes de antanho, pobres, muitos deles analfabetos, solitários ou acompanhados de uma família em perigo, a pátria acha que deve chamar-lhes “pirosos”. Não poucas vezes vi autoridades públicas, chamadas a assinalar o 10 de Junho ou o 25 de Abril com “as nossas comunidades”, ficarem horrorizadas com os beberetes nos jardins das embaixadas”: vinham aí os portugueses.
Esses portugueses, que tinham emigrado para o Brasil ou para França, para Moçambique ou para os EUA, arrastam consigo, há muito, o ferrete de estarem lá a “representar-nos mal”. Como um dia me disse um governante, à entrada do avião – em Caracas –, “esta gente nunca deixou de dançar o vira, ainda cheiram à terrinha”. Este esgar pateta repete-se sempre que as “nossas elites” enfrentam o pânico de visitar as “nossas comunidades”. Geralmente não querem saber delas e ignoram tudo o que seja o mapa por onde se estabeleceram, do delta do Orinoco às cidades da Austrália. Um dia assisti (e, comigo, uma centena de portugueses perplexos, todos bilingues) ao discurso de um cavalheiro que, algures, em pleno 10 de Junho, falou interminavelmente à “nossa comunidade” sobre as vantagens do novo cartão de cidadão.
Visitei muitas dessas comunidades. Conheci emigrantes com vidas extraordinárias. Quero escrever um livro sobre a sua vasta ausência no nosso planisfério – e sobre a sua honra nunca perdida. E acho que o país – que beneficiou largamente das “remessas” desses emigrantes que detesta – devia homenageá-los com decência, em vez de enviar-lhes representantes que olham com repulsa aquela gente que tem saudades da terra. Contradizendo o folclore apatetado das televisões durante os anos da troika, que iam ao aeroporto chorar cada português que partia com a possibilidade de um emprego bem pago, a verdade é que – por termos maus governos na pátria, porque esta se torna frequentemente pobre e irrespirável – sempre fizemos isso ao longo da nossa história: partir, aprender, melhorar, misturar-nos, às vezes voltar. É uma constante portuguesa, não uma circunstância.
Desde 2008, quando os números dispararam (também consequência da abertura dos mercados de trabalho europeus, da globalização da economia e da liberdade de movimentos), que houve várias iniciativas “patrióticas” e folclóricas para trazer de volta pessoas que estão noutros países, com e sem Erasmus no currículo, a ganhar o dobro ou o triplo do salário, a viver a sua vida. O primeiro-ministro aposta em trazê-los de volta (há já um programa anterior, de 2015), prometendo 50% de redução do IRS durante certo tempo – mas apenas para os que saíram entre 2010 e 2015, o que é estranho, uma vez que a emigração também aumentou em 2016 e 2017 (mais 4,6%, veio nos jornais), apesar de agora não ter dado pelo choro das televisões nos aeroportos, a cantar versos de Rosalía de Castro, “este parte, aquele parte, etc., etc.”. Se isto não é uma piada, espero que os emigrantes façam o respectivo manguito.
HÁ QUALQUER COISA de fascinante em Asia Argento tanto quanto há de ignóbil em Donald Trump – mas não são faces da mesma moeda. O combate entre Eros e Civilização analisado por Freud (e a ideia de que a civilização floresce quando os políticos sublimam os seus instintos em função de “valores mais elevados”) chegou a um meio-termo: os americanos, historicamente puritanos e convulsivamente obscenos, descobriram-se como seres essencialmente sexuais. E trocam nudes em público. É isto.