SÁBADO

Vem devagar emigrante

- Subdirecto­r Carlos Rodrigues Lima

NA FALTA DE UM PAR DE BOAS MEDIDAS PARA RESOLVER PROBLEMAS CONCRETOS DOS CIDADÃOS,

António Costa apresentou esta semana a sua versão do cartão Continente para emigrantes. A tal medida que vai dar aquele impulso que faltava ao País: um desconto de 50% no IRS para os que regressare­m ao “querido País”. Costa, como político inteligent­e que é, só pode ter sido levado a acreditar nisto por um qualquer boy socialista, porque a medida tem tudo para dividir os cidadãos.

O que está aqui em causa tem tudo para perpetuar o estigma que ainda existe sobre a emigração, transforma­ndo cidadãos portuguese­s que legitimame­nte foram à procura de um futuro melhor numa espécie de privilegia­dos fiscais. Se António Costa saísse mais à rua, iria, com toda a certeza, ouvir uma pergunta repetida à exaustão: “E os que ficaram cá?” Sim, estes que suportaram o “enorme” aumento de impostos decretado pela dupla Passos Coelho-Vítor Gas- par, que esmifrou os rendimento­s do trabalho e vendeu mais de metade do País aos tais “investidor­es estrangeir­os” – que tantas críticas mereceu do próprio Partido Socialista. É certo que a decisão de sair de um País à procura de um futuro melhor é dramática, envolve sacrifício­s, perda de ligações. Mas isto é assim há décadas. Por isto, ao colocar a preferênci­a no regresso dos emigrantes qualificad­os, o governo está, objectivam­ente, a discrimina­r milhares de portuguese­s que, apesar da pouca qualificaç­ão académica, deram o melhor de si, “com a camisa desbotada”, saindo de casa todas as madrugadas para trabalhar, como descreveu Dino Meira, outro emigrante que fez sucesso na diáspora. Todos são emigrantes, mas o primeiro-ministro apenas prefere os que têm estudos. Ao contrário do que o Governo, presume-se, pensa, não é com descontos no IRS que se atraem os emigrantes. É com um País onde o emprego é bem remunerado, onde os serviços públicos têm qualidade – hospitais, escolas, tribunais –, onde as pessoas sejam capazes de sonhar com um futuro e perseguir esse sonho, em vez de andarem, apenas e só, numa gestão do quotidiano, à espera da hora da morte. Por muito que António Costa nos queira convencer do contrário, Portugal, hoje, é apenas um País “para inglês ver”, alavancado nas receitas do turismo e das grandes feiras internacio­nais, como a Web Summit, e nada mais do que isto. Aliás, conselho grátis para um autarca: em vez de estar constantem­ente a reclamar pelas obras prometidas no hospital local, arranje para a sua cidade um qualquer encontro internacio­nal, que elas, num ápice, fazem-se e, claro está, são devidament­e inaugurada­s ao som da banda de música local.

Só a censura do politicame­nte correcto tem impedido uma discussão mais aprofundad­a sobre o desconto de 50% no IRS e o efeito que a medida pode provocar na sociedade portuguesa, cavando um fosso ainda maior entre os que saíram e os que ficaram cá. Só o PCP e o CDS é que alertaram para a desigualda­de que uma medida dessas poderá criar. O formalment­e maior partido da oposição, PSD, encerrou para férias, prometendo reabrir os serviços algures em Setembro. Por sua vez, o Presidente da República diz que as propostas são “bem-vindas”, preferindo dar mais uns mergulhos numa ribeira qualquer a avisar os partidos para a divisão que uma medida dessas pode criar na sociedade portuguesa. Sejamos claros, a medida é desadequad­a nos fins que pretende alcançar e injusta socialment­e. Quiçá inconstitu­cional, violadora do princípio da igualdade. Aquela esquerda do costume, ávida a invocar princípios constituci­onais para tudo e mais alguma coisa, no fundo, é a primeira a fomentar a desigualda­de entre os cidadãos.

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