Vem devagar emigrante
NA FALTA DE UM PAR DE BOAS MEDIDAS PARA RESOLVER PROBLEMAS CONCRETOS DOS CIDADÃOS,
António Costa apresentou esta semana a sua versão do cartão Continente para emigrantes. A tal medida que vai dar aquele impulso que faltava ao País: um desconto de 50% no IRS para os que regressarem ao “querido País”. Costa, como político inteligente que é, só pode ter sido levado a acreditar nisto por um qualquer boy socialista, porque a medida tem tudo para dividir os cidadãos.
O que está aqui em causa tem tudo para perpetuar o estigma que ainda existe sobre a emigração, transformando cidadãos portugueses que legitimamente foram à procura de um futuro melhor numa espécie de privilegiados fiscais. Se António Costa saísse mais à rua, iria, com toda a certeza, ouvir uma pergunta repetida à exaustão: “E os que ficaram cá?” Sim, estes que suportaram o “enorme” aumento de impostos decretado pela dupla Passos Coelho-Vítor Gas- par, que esmifrou os rendimentos do trabalho e vendeu mais de metade do País aos tais “investidores estrangeiros” – que tantas críticas mereceu do próprio Partido Socialista. É certo que a decisão de sair de um País à procura de um futuro melhor é dramática, envolve sacrifícios, perda de ligações. Mas isto é assim há décadas. Por isto, ao colocar a preferência no regresso dos emigrantes qualificados, o governo está, objectivamente, a discriminar milhares de portugueses que, apesar da pouca qualificação académica, deram o melhor de si, “com a camisa desbotada”, saindo de casa todas as madrugadas para trabalhar, como descreveu Dino Meira, outro emigrante que fez sucesso na diáspora. Todos são emigrantes, mas o primeiro-ministro apenas prefere os que têm estudos. Ao contrário do que o Governo, presume-se, pensa, não é com descontos no IRS que se atraem os emigrantes. É com um País onde o emprego é bem remunerado, onde os serviços públicos têm qualidade – hospitais, escolas, tribunais –, onde as pessoas sejam capazes de sonhar com um futuro e perseguir esse sonho, em vez de andarem, apenas e só, numa gestão do quotidiano, à espera da hora da morte. Por muito que António Costa nos queira convencer do contrário, Portugal, hoje, é apenas um País “para inglês ver”, alavancado nas receitas do turismo e das grandes feiras internacionais, como a Web Summit, e nada mais do que isto. Aliás, conselho grátis para um autarca: em vez de estar constantemente a reclamar pelas obras prometidas no hospital local, arranje para a sua cidade um qualquer encontro internacional, que elas, num ápice, fazem-se e, claro está, são devidamente inauguradas ao som da banda de música local.
Só a censura do politicamente correcto tem impedido uma discussão mais aprofundada sobre o desconto de 50% no IRS e o efeito que a medida pode provocar na sociedade portuguesa, cavando um fosso ainda maior entre os que saíram e os que ficaram cá. Só o PCP e o CDS é que alertaram para a desigualdade que uma medida dessas poderá criar. O formalmente maior partido da oposição, PSD, encerrou para férias, prometendo reabrir os serviços algures em Setembro. Por sua vez, o Presidente da República diz que as propostas são “bem-vindas”, preferindo dar mais uns mergulhos numa ribeira qualquer a avisar os partidos para a divisão que uma medida dessas pode criar na sociedade portuguesa. Sejamos claros, a medida é desadequada nos fins que pretende alcançar e injusta socialmente. Quiçá inconstitucional, violadora do princípio da igualdade. Aquela esquerda do costume, ávida a invocar princípios constitucionais para tudo e mais alguma coisa, no fundo, é a primeira a fomentar a desigualdade entre os cidadãos.