SÁBADO

O MISTÉRIO DA MORTE DO TRIATLETA SEM INIMIGOS

Os amigos não encontram motivo para o homicídio de Luís Miguel Grilo, mas a polícia acredita que pode ter sido alvo de uma vingança.

- Por Margarida Davim

No dia em que desaparece­u, Luís Miguel Grilo não tinha previsto treinar fora de casa. “Não era normal ter treino de bicicleta na rua durante a semana”, garante o amigo e companheir­o de treinos Pedro Pisco, que diz que o triatleta só se decidiu a sair de casa depois de ter percebido que a bicicleta estática estava com um problema. A fuga à rotina fez com que as buscas se revelassem mais difíceis. “Temos apps em que partilhamo­s os treinos que fazemos e ficamos a conhecer os percursos. Mas, durante a semana, na rua ele só fazia os treinos de corrida”, diz à SÁBADO Pedro Pisco, que se revela sem respostas para a pergunta que desde sexta-feira atormenta todos os amigos do atleta e engenheiro informátic­o de 50 anos: como é que ele apareceu morto a 134 quilómetro­s de casa, despido e com um saco preto na cabeça?

As marcas de violência e o facto de o corpo ter sido deixado de braços abertos e barriga para cima, perto de uns arbustos, numa estrada de terra batida a cerca de 17 quilómetro­s da casa dos sogros adensam o mistério. Nem amigos nem família parecem encontrar razões para o cadáver de Luís Miguel Grilo ter sido deixado no caminho municipal 1070, em Alcórrego, uma freguesia de Avis no distrito de Portalegre, não muito longe de Benavila, a terra de Rosa, a mulher com quem era casado há 20 anos. Mas a polícia está a tentar perceber que ligações poderia ter a vítima com pessoas da zona, porque a violência usada no crime parece apontar para um crime de ódio. A SÁBADO sabe que todas as hipóteses de investigaç­ão estão ainda em aberto, mas neste momento a Polícia Judiciária analisa a possibilid­ade de a morte ter resultado de um ajuste de contas ou de um crime passional.

Qualquer das hipóteses implica uma vida mantida em segredo, com uma relação extraconju­gal ou dívidas ocultas, e isso parece impossível de equacionar para quem conheceu Luís Grilo de perto. “Acho muito difícil que tivesse uma vida paralela”, afirma à SÁBADO o sobrinho Sérgio Castelo, lembrando que o tio trabalhava com a mulher na pequena empresa de consultori­a informátic­a que detinham em conjunto, ia com ela às provas de triatlo e partilhava com ela o mesmo grupo de amigos.

Pisco, um dos amigos de Luís e Rosa, também não imagina que o colega da equipa de triatlo Wikaboo pudesse ter uma vida dupla. “Era uma pessoa de família. Dava-se bem com a mulher”, assegura, lembrando as muitas vezes que as famílias de ambos se reuniram na sua casa de Porto Covo. “Era só ligar-lhe e ele e a Rosa vinham de Vila Franca de Xira. Fa- zíamos surf, desporto, jantávamos, bebíamos uns copos e eu mandava-lhe uma mensagem depois a saber se tinham chegado bem.”

O telemóvel estava intacto

No dia 16 de Julho, Pedro fazia anos e tinha estado a trocar mensagens com Luís num chat de grupo para marcar um jantar nessa semana. Eram 15h30 quando falaram pela úlPedro tima vez. Cerca de uma hora depois, Luís Grilo disse à mulher que tinha decidido fazer o treino de bicicleta na rua. Era suposto voltar no máximo dentro de duas horas para levar o filho Renato, de 12 anos, à natação. Com o tempo a passar sem Luís aparecer, Rosa começou a ficar preocupada. Depois de ligar várias vezes para o marido, decidiu falar com o amigo Vítor Cunha. Este avisou o amigo Pedro e os três acabaram por ir juntos à GNR de Castanheir­a do Ribatejo participar o desapareci­mento.

Nesse mesmo dia, a polícia começou a tentar localizar Grilo – como era conhecido entre os amigos – através do sinal de telemóvel. “Fizeram um mapa com a triangulaç­ão do sinal e andámos a bater essa zona”, recorda o sobrinho Sérgio Castelo. “O telemóvel deu indicação de sinal perto do Carregado. No dia seguinte, andavam vários amigos à procura do Grilo numa berma. Não se encontrou nada”, confirma Pedro Pisco. O telefone acabaria por ser localizado no dia 18 de Julho na berma de uma estrada a cerca de seis quilómetro­s da casa do atleta, que morava na freguesia de Cachoeiras, Vila Franca de Xira. “Foi um tractorist­a que estava a sulfatar umas vinhas que o encontrou”, diz Sérgio Castelo, que nota que o aparelho apareceu “fora do sítio que a polícia tinha indicado com base no sinal”. O telefone estava intacto, embora sem bateria. E na capa rígida do telemóvel estavam ainda uma nota de 20 euros e uma cópia dos documentos que o acompanhav­a sempre que ia treinar. Não havia era rasto da bolsa de plástico que Luís costumava usar para proteger o apare-

O TELEFONE DEU SINAL ATÉ AO FIM DA MANHÃ DO DIA A SEGUIR AO DESAPARECI­MENTO. FOI ENCONTRADO POR UM AGRICULTOR NUMA BERMA

Q lho do suor durante os treinos. A última vez que o telemóvel tinha dado sinal de chamada foi no dia 17 ao fim da manhã. “Às 10h eu liguei e ainda chamava”, assegura o sobrinho. Por volta das 12h, depois de um amigo ter posto uma mensagem no Facebook a relatar o desapareci­mento, as chamadas foram tantas que o aparelho ficou rapidament­e sem bateria.

Desapareci­do 39 dias

Durante 39 dias, os amigos foram mantendo a esperança de encontrar Luís Miguel Grilo com vida. “Onde estejas, aguenta. Não vamos desistir e vamos encontrart­e”, lia-se nos cartazes que Vítor Cunha foi espalhando por Alverca, Arruda dos Vinhos e Castanheir­a do Ribatejo. “Cheguei a pôr três

outdoors”, conta à SÁBADO o amigo que há oito anos começou a treinar com Luís Grilo.

Na altura, o engenheiro informátic­o pesava à volta de 100 quilos e levava uma vida sedentária. Mas decidiu mudar de vida com a mesma determinaç­ão com que anos antes tinha conseguido terminar a licenciatu­ra em Engenharia Informátic­a à noite no ISCTE, numa altura em que trabalhava por turnos na Covina, a companhia vidreira nacional onde o pai também tinha trabalhado. “Lutava, treinava e conseguia”, diz Pedro Pisco. Luís começou por correr, a seguir fez uma meia maratona e duas maratonas, depois achou que precisava de outro objectivo. “Era muito competitiv­o”, diz Sérgio Castelo. A resposta para a sede de desafios estava no triatlo. Quando começou, mal sabia nadar, mas 15 dias antes de desaparece­r tinha conseguido concluir em 11 horas uma prova que inclui 3,8 quilómetro­s de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida.

Filho mais novo de uma família pobre com quatro filhos, Luís Miguel era descrito como “um self-made man”, que conseguiu a pulso construir uma vida confortáve­l depois de se estabelece­r por conta própria criando a empresa Gsystem. Num crime com as caracterís­ticas Luís Martins é sócio de uma associação de caçadores em Alcórrego (Avis) e tem o hábito de andar pela zona a vigiar os terrenos. Foi isso que o fez passar perto do km 4 do caminho municipal 1070 no dia 24 de Agosto, pouco depois das 8h30 da manhã, e encontrar o corpo de Luís Grilo. Sem saída, é uma estrada com pouco movimento e há muito tempo que não passava por lá. Quando viu o cadáver, chamou as autoridade­s, sem imaginar que seria o triatleta desapareci­do. que parecem ter rodeado o seu homicídio, surge sempre a hipótese de um problema de dívidas por saldar, mas familiares e amigos garantem que levava uma vida sem sobressalt­os financeiro­s. “Se eu comprava uma bicicleta de 10 mil, ele comprava uma de 500 euros. Nós íamos para um hotel, ele ia para uma pensão. Era uma pessoa muito sóbria”, declara Vítor Cunha.

O vício do triatlo não é barato, mas os amigos nunca o viram com problemas para pagar as inscrições nas provas e as deslocaçõe­s, apesar de todos garantirem que procurava não gastar demasiado. “Há um mês fomos a Frankfurt. Só a inscrição nessa prova são 700 euros e ainda há as viagens, mas não teve problemas em ir”, afiança Pedro Pisco.

De resto, não se lhe conhecem inimigos, muito menos em Benavila, a terra onde apareceu o seu corpo, onde passava férias e até onde já tinha ido a pedalar, com a mulher a segui-lo de carro para lhe dar apoio. “Para o tio Américo, o pai da Rosa, o meu tio Luís era o filho que nunca tinha tido”, nota o sobrinho Sérgio. “O meu tio é um bom homem e sempre será uma referência de vida para mim”, comenta Ricardo Grilo, outro dos sobrinhos do atleta, que o descreve como alguém muito ligado à família e sempre pronto a ajudar. “Para mim, estava no sítio errado à hora errada”, atira o amigo Pedro Pisco, que não encontra outro motivo para que alguém pudesse matar com violência o colega de treinos. “Faz-nos muita confusão. Era boa pessoa. Estava sempre disposto a ajudar o próximo. Era o tipo de pessoa que encontrava um cão ou um gato na rua e lá levava o cão ou o gato para casa”, comenta.

“Não percebo. Ninguém percebe o que pode ter acontecido”, diz Vítor

A POLÍCIA NÃO DESCARTA AS HIPÓTESES DE CRIME PASSIONAL OU AJUSTE DE CONTAS

Cunha, que ao longo dos dias em que o amigo esteve desapareci­do foi recebendo várias pistas que se revelaram sempre inconclusi­vas. “Só tivemos pistas falsas. Até de videntes. E de uma senhora que dizia que o viu, mas depois já não sabia se era ele nem como ele estava vestido ou em que dia foi.”

Só percebeu que tinham mesmo descoberto o amigo quando a polícia lhe ligou na sexta-feira para saber de uma tatuagem que Grilo tinha na coxa direita. Era uma imagem alusiva à sua primeira prova de triatlo Iberman e foi essa a marca que ajudou a reconhecer o corpo, que já se encontrava em avançado estado de decomposiç­ão.

À hora de fecho desta edição, a polícia estava ainda à espera do resultado de perícias para perceber mais pormenores sobre a causa da morte do atleta, que pode ter sido asfixiado com o saco que tinha na cabeça ou morrido de uma das agressões que sofreu.

A vaga de assaltos em Benavila

O local onde foi encontrado, uma estrada de terra batida sem saída e pouco movimentad­a, foi uma das zonas onde o termómetro passou dos 45 graus em Agosto, pelo que as altas temperatur­as podem ter acelerado o processo de decomposiç­ão. Ainda está por perceber que papel teve no crime o tapete preto que estava encostado aos arbustos junto dos quais o cadáver foi encontrado, mas é possível que tenha sido usado para arrastar o corpo, que era visível da estrada. Quem o deixou lá, não se preocupou muito em ocultá-lo.

O que ainda está por encontrar é a bicicleta vermelha e preta, de marca Cannondale, o capacete preto e a roupa que usava. Benavila, a terra dos sogros que fica perto do local onde deixaram Luís, tem sido descrita como uma terra pacata, mas em Abril foi notícia por causa de uma vaga de assaltos (sem violência) que varreu casas e estabeleci­mentos e fez a população encher as casas de grades e alarmes. Agora, está a braços com um crime que parece um mistério difícil de resolver.

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Luís Grilo, 50 anos, engenheiro informátic­o, casado e com um filho, foi encontrado morto em Avis, no distrito de Portalegre
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Os amigos garantem que Luís tinha uma boa relação com Rosa, com quem estava casado há 20 anos
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Os amigos espalharam cartazes por Alverca e Arruda dos Vinhos

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