Ninguém sabe nada
NO FIM DOS ANOS 80, para solene irritação doestablishment da Costa Oeste, o argumentista WilliamGoldman, vencedor de dois Óscares da especialidade pelos guiões de Dois Homens e Um Destino (1969) e Os Homens do Presidente (1976), escrevia no seu livro de memórias/manual de escrita, Adventures in the Screen Trade (Grand Central Publishing): em Hollywood, relativamente aos filmes que podem ou não tornar-se êxitos de bilheteira, “ninguém sabe nada”. Se o talento para Nostradamus dos executivos das majors era até então largamente sobrestimado, as túnicas de oráculos e adivinhos dos actuais magos dos media ou das telecom libertam hoje o mesmo aroma a visionária santidade, reunindo em seu redor hordas de editores, directores e administradores de comunicação em busca do Santo Graal da sobrevivência na economia digital. Ora, o problema é que, ontem como agora, ninguém sabe nada. Como tornar eficaz e rentável um modelo de negócio para um jornal, uma revista ou um canal de televisão num mundo de infinitos subgrupos de consumidores educados para a autoprogramação ou a microedição, que encaram o papel como uma tecnologia anacrónica e a TV de sinal aberto com grelha fixa como uma curiosidade arqueológica? O papel terá sempre algum valor intemporal (e com os conteúdos certos, mais-valia noticiosa e literária). Mas há uma verdade, no meio da ubíqua ignorância, que os patrões da Impresa e da Media Capital conhecem: a TV generalista de sinal aberto é um morto-vivo, e a telenovela em horário nobre nocturno o seu mais feroz coveiro. A interrogação que resta é saber quando o óbito se tornará definitivo. Neste contexto, a transferência de Cristina Ferreira da TVI para a SIC pare- ce uma vitória de Pirro. Mas Cristina, cujo aparelho fonético deveria ser desmontado para servir de base a um estudo científico sério sobre a estridência, superou a pobreza, a competição feroz e o preconceito marialva da “loira burra” – empresária sagaz, com uma licenciatura em História e um mestrado em Ciências da Comunicação, Cristina é tudo menos tonta – para se transformar na mais importante personalbrandaudiovisual portuguesa, incluindo uma revista lucrativa, um perfume que vendeu 8.000 unidades na primeira semana de lançamento e 750 mil seguidores no Instagram. O clã Balsemão pode não saber nada sobre o futuro da TV. Mas se ofereceu 1 milhão de euros por ano a Cristina, é porque a sua equipa comercial e de marketing lhe garantiu que ela valia todos os centavos. Porém, com as perdas inexoráveis de audiência global e o envelhecimento imparável do seu público-alvo, cheira, já não ao manto de sábios, mas ao fogo dos últimos cartuchos.