SÁBADO

A VIDA QUANDO NOS MANDA PARAR

- ÂNGELA MARQUES

Asaladeesp­eraparecia-me uma enorme teia de aranha – cada presa no seu quadrado e uma máquina de cuspir senhas a um canto, a desprezar-nos e a desejar-nos ao mesmo tempo (não sei como a viam os outros mas eu, que tenho um sistema nervoso zoófilo, via-a como uma tarântula a salivar). Era cedo, demasiado cedo para eu ter coragem, mas aquelas 130 pessoas não iam desaparece­r comovidas pelas minhas lágrimas metafórica­s ou quase literal incapacida­de para manter os olhos abertos, por isso, enchi-me de forças e sentei-me para esperar sentada. Lembrei-me de uma amiga que um dia, enquanto esperávamo­s pelo elevador (ela como se olhasse a maré a encher a partir do seu bungalow ,eu como se esperasse o fim da digestão para mergulhar a partir da minha ansiedade), me tentou oferecer uma lição para a vida: esperar é bom, esperar é preciso, a espera é um presente, vamos abraçar a espera. Tudo certo, pensei eu – mas se a espera fosse divertida ninguém desesperav­a. Naquela sala de espera, eu estava a desesperar (penso que já terá ficado claro). Era o sono, era eu a sentir-me a envelhecer a cada número que mudava nos ecrãs (C 103, D 024, P 520…), eram as caras dos outros, também à espera, desesperan­çados. Até que o ouvi. Ele

ELA TENTOU OFERECER-ME UMA LIÇÃO: ESPERAR É BOM, ESPERAR É PRECISO, A ESPERA É UM PRESENTE, VAMOS ABRAÇAR A ESPERA

tinha estado sempre ali mas eu, displicent­e e/ou dormente, não o tinha ouvido ainda. Ouvia-o agora e percebia: aquele homem não estava a viver aquela espera como eu, com aquele enfado que parece fermento para o tédio; aquele homem sabia temperar a vida. Ao telemóvel, com a energia de quem estava de pé desde o início dos tempos e o bigode e a barriga de quem sabe que a vida é boa a que horas for, ele lapidou: “Já só tenho 21 pessoas à minha frente.” Convicto, ainda repetiu: “É, isto vai ser rápido, são só 21 pessoas.” Precisei de um tempo para me reequilibr­ar. Encostei-me na cadeira. Percebi que ele tinha a coragem que eu não tenho. Ele não via na espera um tempo morto. E se calhar, Ana, ele já sabe o que tu me tentaste ensinar: “A espera é só a vida a mandar-nos parar.”

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