A VIDA QUANDO NOS MANDA PARAR
Asaladeesperaparecia-me uma enorme teia de aranha – cada presa no seu quadrado e uma máquina de cuspir senhas a um canto, a desprezar-nos e a desejar-nos ao mesmo tempo (não sei como a viam os outros mas eu, que tenho um sistema nervoso zoófilo, via-a como uma tarântula a salivar). Era cedo, demasiado cedo para eu ter coragem, mas aquelas 130 pessoas não iam desaparecer comovidas pelas minhas lágrimas metafóricas ou quase literal incapacidade para manter os olhos abertos, por isso, enchi-me de forças e sentei-me para esperar sentada. Lembrei-me de uma amiga que um dia, enquanto esperávamos pelo elevador (ela como se olhasse a maré a encher a partir do seu bungalow ,eu como se esperasse o fim da digestão para mergulhar a partir da minha ansiedade), me tentou oferecer uma lição para a vida: esperar é bom, esperar é preciso, a espera é um presente, vamos abraçar a espera. Tudo certo, pensei eu – mas se a espera fosse divertida ninguém desesperava. Naquela sala de espera, eu estava a desesperar (penso que já terá ficado claro). Era o sono, era eu a sentir-me a envelhecer a cada número que mudava nos ecrãs (C 103, D 024, P 520…), eram as caras dos outros, também à espera, desesperançados. Até que o ouvi. Ele
ELA TENTOU OFERECER-ME UMA LIÇÃO: ESPERAR É BOM, ESPERAR É PRECISO, A ESPERA É UM PRESENTE, VAMOS ABRAÇAR A ESPERA
tinha estado sempre ali mas eu, displicente e/ou dormente, não o tinha ouvido ainda. Ouvia-o agora e percebia: aquele homem não estava a viver aquela espera como eu, com aquele enfado que parece fermento para o tédio; aquele homem sabia temperar a vida. Ao telemóvel, com a energia de quem estava de pé desde o início dos tempos e o bigode e a barriga de quem sabe que a vida é boa a que horas for, ele lapidou: “Já só tenho 21 pessoas à minha frente.” Convicto, ainda repetiu: “É, isto vai ser rápido, são só 21 pessoas.” Precisei de um tempo para me reequilibrar. Encostei-me na cadeira. Percebi que ele tinha a coragem que eu não tenho. Ele não via na espera um tempo morto. E se calhar, Ana, ele já sabe o que tu me tentaste ensinar: “A espera é só a vida a mandar-nos parar.”