SÁBADO

LASCIVAMEN­TE VULNERÁVEL

- FILIPE LAMELAS

Hámuitoque, em Portugal, a música brasileira se resume ao dogma da adoração – ou até bajulação – dos “Velosos”, “Buarques”, “Montes” e afins. Às tantas, a verdade é que nos habituámos a ser pouco exigentes com os vultos do passado e a ignorar os novos talentos: seja Almério, O Terno, Rubel ou Lau e Eu, há vida – e que boa vida – para lá das vacas sagradas. Os Carne Doce fazem parte dessa fornada da nova vaga da música brasileira, que surgiu na segunda década do século XXI, sem complexos de tropicalis­mo ou bossa nova, dedicada a praticar sonoridade­s modernas e com vontade de o fazer em português com sotaque do Brasil. Ao terceiro disco, a banda goiana, no que à sonoridade diz respeito, põe muitos dos nomes consagrado­s da cena indie a um canto: sem medo de incursões pelo funk, post rock, rock progressiv­o, psicadélic­o e a pop etérea, Tônus é filho de uma fusão que, podendo à partida parecer confusa, resulta de forma sublime. As temáticas mais recorrente­s do álbum são a sensualida­de, a vulnerabil­idade e a ausência; de forma mais abrangente, as relações amorosas. A partir daí, é só apreciar a interpreta­ção da vocalista Salma Jô.

E se a sonoridade é boa e a temática promete, as letras são uma lufada de ar fresco num certo bafio lírico da música brasileira mais “clássica”. Em Comida Amarga ,o lamento é assumido como “Eu sou a sobra/ Junto com as sobras/ Eu não sou mais”; Em Amor Distrai (Durin) ,a provocação é vertida em versos como “Hoje eu só quero dar/ E não fazer amor/ Amor distrai/ De descobrir toda possibilid­ade que me satisfaz”; já o envelhecer e a noção de finitude surgem em Tônus, da seguinte forma: “Um corpo jovem/ Aquele tônus/ Aquele brilho/ Um corpo pronto pro Verão/ É ofensivo ao coração; Uma menina/Naquele short/ Que mostra a bunda/ Tal criatura inunda minha solidão.”

Tônus é um disco lascivo, sem medo de mostrar ao mundo as vulnerabil­idades e os arrebatame­ntos que mapeiam as relações. A grande diferença relativame­nte a outros álbuns que se dedicam a temáticas contíguas é que os Carne Doce sabem fazê-lo de forma original, em português do Brasil, de uma forma provocante (também provocador­a) e irresistiv­elmente desavergon­hada.

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Carne Doce éum quinteto natural de Goiânia e Tônus o seu terceiro álbum de originais
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TTTTw CARNE DOCE Indie Rock• Ed. Natura Musical Streaming gratuito

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