LASCIVAMENTE VULNERÁVEL
Hámuitoque, em Portugal, a música brasileira se resume ao dogma da adoração – ou até bajulação – dos “Velosos”, “Buarques”, “Montes” e afins. Às tantas, a verdade é que nos habituámos a ser pouco exigentes com os vultos do passado e a ignorar os novos talentos: seja Almério, O Terno, Rubel ou Lau e Eu, há vida – e que boa vida – para lá das vacas sagradas. Os Carne Doce fazem parte dessa fornada da nova vaga da música brasileira, que surgiu na segunda década do século XXI, sem complexos de tropicalismo ou bossa nova, dedicada a praticar sonoridades modernas e com vontade de o fazer em português com sotaque do Brasil. Ao terceiro disco, a banda goiana, no que à sonoridade diz respeito, põe muitos dos nomes consagrados da cena indie a um canto: sem medo de incursões pelo funk, post rock, rock progressivo, psicadélico e a pop etérea, Tônus é filho de uma fusão que, podendo à partida parecer confusa, resulta de forma sublime. As temáticas mais recorrentes do álbum são a sensualidade, a vulnerabilidade e a ausência; de forma mais abrangente, as relações amorosas. A partir daí, é só apreciar a interpretação da vocalista Salma Jô.
E se a sonoridade é boa e a temática promete, as letras são uma lufada de ar fresco num certo bafio lírico da música brasileira mais “clássica”. Em Comida Amarga ,o lamento é assumido como “Eu sou a sobra/ Junto com as sobras/ Eu não sou mais”; Em Amor Distrai (Durin) ,a provocação é vertida em versos como “Hoje eu só quero dar/ E não fazer amor/ Amor distrai/ De descobrir toda possibilidade que me satisfaz”; já o envelhecer e a noção de finitude surgem em Tônus, da seguinte forma: “Um corpo jovem/ Aquele tônus/ Aquele brilho/ Um corpo pronto pro Verão/ É ofensivo ao coração; Uma menina/Naquele short/ Que mostra a bunda/ Tal criatura inunda minha solidão.”
Tônus é um disco lascivo, sem medo de mostrar ao mundo as vulnerabilidades e os arrebatamentos que mapeiam as relações. A grande diferença relativamente a outros álbuns que se dedicam a temáticas contíguas é que os Carne Doce sabem fazê-lo de forma original, em português do Brasil, de uma forma provocante (também provocadora) e irresistivelmente desavergonhada.