Comer e calar
A UM ANO DE ELEIÇÕES, Portugal está em saldos. Falo de 50% de desconto no IRS que António Costa quer oferecer a todos os refugiados de guerra que, durante os anos da troika, fugiram ou foram expulsos daqui (os historiadores ainda não chegaram a um consenso). Infelizmente, os representantes das comunidades de emigrantes não se impressionaram com o convite. Para começar, entendem que ele discrimina emigrantes, ignorando todos os portugueses que partiram antes (ou depois) de 2011-2015. E, por outro lado, será que o Governo conhece bem a situação favorável em que muitos se encontram?
Eu conheço. Amigos médicos deixaram o País em 2013. Não por falta de trabalho, entenda-se. Mas porque, com a crise e os cortes, era possível ter um salário decente aqui ao lado, em Inglaterra.
A experiência correu bem e, uma vez por mês, os fins-de-semana são passados em Portugal. Regressar? Para quê? Para ganhar pouco, trabalhar muito, conviver com um sistema nacional de saúde a cair aos pedaços – e, descontando a rábula dos 50% no IRS, continuar a pagar impostos (directos e indirectos) que são uma forma de roubo institucional?
Em rigor, a proposta de Costa não é para os portugueses que partiram. É apenas para os que ficaram, sobretudo se ainda acreditam que o PS virou “a página da austeridade”. Naturalmente que muitos destes podem não gostar de ser tratados como contribuintes a 100%. Mas são uma minoria, e o PS não está para minorias.
SEMPRE FUI UM BOM GARFO. Mas estarei preparado para ter no prato o tipo de insectos que tenho o hábito de matar? Em caso afirmativo, confesso que a ideia de me tornar caçador tem o seu encanto cinéfilo: de madrugada, quando a casa ainda dorme, já eu ando pelas paredes a caçar moscas para o almoço – e centopeias para o jantar. Pena que a realidade seja menos romântica e, pensando melhor, mais repulsiva. Especialistas ouvidos pelo Público garantem que o futuro passa por aqui: baratas, grilos, gafanhotos, larvas, formigas. O valor nutricional e as preocupações ecológicas a isso obrigam. Mas os mesmos especialistas compreendem a relutância dos consumidores e agem em conformidade: por enquanto, a bicharada só terá clientela se aparecer em bolachas, barras energéticas, pães ou batidos. E também em hambúrgueres, embora isso já não seja novidade. A prazo, será possível passar para as bases das pizzas (como dizia o outro, o segredo está na massa) e um dia, quem sabe, para a cobertura das mesmas. Uma capricciosa não é menos capricciosa só porque as azeitonas têm pernas (como na piada). Apesar de tudo, resisto. E resisto ainda mais quando leio no Diário de Notícias que um hotel na Madeira tem chefs com estrelas Michelin a preparar menus de degustação para cães. Há por lá salmão, bife tártaro, frango e fígado de vitela. Mas não há, que eu tivesse lido, os petiscos que se escondem debaixo do frigorífico quando eu ligo a luz da cozinha. Não estaremos na presença de uma intolerável inversão de papéis e de prioridades? Enquanto os metafísicos se ocupam da resposta, eu prefiro não arriscar. E, pelo sim, pelo não, vou comprar um bilhete para a Madeira, não vá o stockesgotar.
É UM FACTO: as companhias low-cost permitem viagens a custos baixos. De outra forma, não seria possível dar férias a quem tem pouco pataco. Mas é importante que os passageiros não se habituem a uma vida de luxo – um imperativo que a Ryanair tem sempre presente nas suas decisões. Agora, parece que acabaram as borlas para levar uma bagagem de cabine de porte médio. Ou os passageiros pagam para isso (entre 6 a 10 euros), ou estão condenados a levar um pequena trouxa debaixo do banco do passageiro da frente. Isto, claro, partindo do pressuposto de que o viajante em causa tenciona mudar de roupa durante as férias. Ou, no mínimo, de roupa interior.
É uma medida sensata. Que, aliás, só peca por modesta. Por que motivo a Ryanair não começa a pesar os seus clientes, cobrando taxas adicionais consoante os quilos em excesso? Sem falar do oxigénio, que a plebe dá sempre por adquirido quando compra o bilhete. Não seria possível converter cada milha de distância em mililitros desse precioso gás?
Isto permitiria ao turista comprar o oxigénio consoante o seu ritmo de respiração. Os mais temerários, no momento da aterragem, podiam poupar uns cobres e fazê-la em apneia.