JOÃO PEDRO GEORGE
Percebe-se que o açúcar tenha estado na origem de revoluções demográficas, económicas e sociais. O açúcar foi um dos grandes responsáveis pelo surgimento do capitalismo e do colonialismo económico
Açúcar
Sou viciado em açúcar. Assumo-o. Sou daquele tipo de pessoas que não conseguem viver sem consumir alimentos com C12H22O11. Pois há uma semana tomei a decisão, tão lúcida como utópica, de passar um dia inteiro sem ingerir nada que contivesse açúcar refinado. A experiência foi, é o menos que posso dizer, penosa: a ansiedade disparou, achei-me deprimido, agitado, desmotivado, sem energia própria e sem vontade de trabalhar, a fadiga apoderou-se das minhas pernas, apercebi-me de ligeiros tremores nas mãos e até os dentes rangeram um pouco, facilmente me irritava; para compensar a privação de açúcar, desatei a comer pão de fermentação lenta (o paraíso é um lugar onde se come pão de fermentação lenta acabado de fazer). De madrugada, entrei em guerra comigo próprio, transpirei, dei voltas na cama sem conseguir dormir, fui invadido por pensamentos sombrios e pessimistas quanto ao mundo em geral e quanto à minha atitude pessoal perante a existência. Vi com clareza o fracasso da minha vida. “Desisto. Eu desisto!”, gritei. Fui aos tropeções até à cozinha e, ó alma perdida, engoli tudo o que tivesse carboidratos solúveis, incluindo um comprimido efervescente de vitamina C (que, como sabem, costuma levar sacarose) dissolvido em água. Os opiáceos naturais do meu cérebro, produzidos pelo açúcar, foram mais fortes que o meu desejo de purificação. Regressado ao quarto, tentei dormir, mas o sono não veio: a obscena nudez do meu corpo irradiava energia suficiente para manter um país inteiro acordado.
Depois disto, convenci-me inteiramente de que o açúcar pode viciar tanto como a nicotina, a heroína ou a morfina. À semelhança destas drogas, o açúcar estimula a produção de dopamina, o neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer e de bem-estar. Quando o seu consumo se torna regular e continuado, a progressiva inibição da proteína que bombeia a dopamina leva à necessidade de cada vez maiores quantidades de açúcar para sentir os mesmos níveis de satisfação, motivação e recompensa cerebrais. O mesmo que sentem os viciados em cocaína, ópio, etc. Percebe-se assim, em grande parte, que o açúcar tenha estado na origem de revoluções demográficas, económicas e sociais. Para ser mais preciso, o açúcar foi um dos grandes responsáveis pelo surgimento do capitalismo e do colonialismo económico, e em geral da vida moderna.
Para quem o não sabe, uma das primeiras regiões onde se começou a cultivar cana-de-açúcar explicitamente para ser refinada e vendida em grande escala foi a ilha da Madeira, no século XV (antes disso, o açúcar era um produto raro e caro). Chegados ao Brasil, os portugueses dificilmente poderiam ter imaginado uma terra e um clima mais propícios para aquele tipo de plantação. Como a economia do açúcar exigia muita mão-de-obra, o comércio transa-