Na ressaca de uma viagem a Luanda
OGoverno optou por não reconduzir Joana Marques Vidal e o Presidente da República por não defender esse cenário, apesar de claramente ter sugerido que seria o que desejava. Lucília Gago é a nova procuradora-geral e daí não vem mal nenhum ao mundo. Pelo contrário, a nova procuradora-geral ficou amarrada a um fato – que não lhe é estranho e nem precisava que lho recomendassem – de combate ao crime económico e daquilo a que o Presidente da República chamou a linha de continuidade na “salvaguarda do Estado de direito democrático”. Nem a própria Joana Marques Vidal escreveria tal coisa a seu respeito se lhe desse para um exercício narcísico. Pela sua história no Ministério Público, de seriedade e convicção, Lucília Gago nunca desdenharia tal programa presidencial para o exercício do cargo, ainda que a iniciativa prime por um certo ineditismo. Não há memória de ver um Presidente da República a amarrar um procurador-geral ao seu programa, por óbvio que seja. As questões que sobram deste estranho processo não se prendem com a nomeação feita mas com os bizarros ziguezagues verificados. O Governo veio dizer, logo em Janeiro, que o mandato não era para renovar. Depois calou-se e a onda a favor da recondução foi crescendo. Marcelo percebeu isso e foi alimentando a ideia de que gostaria de ver o mandato renovado. As notícias que saíram no Expresso e no Observador não foram seguramente um lapso, um erro grosseiro, uma desatenção dos experientes e sérios jornalistas que as assinam. Se o Presidente acompanhava o Governo bastava ter lembrado mais cedo a sua posição sobre a rotação nos cargos públicos. Desde logo à própria Joana Marques Vidal que foi mantida em fogo lento enquanto crescia a tal onda na opinião pública, mas, sobretudo, no espectro da direita, o que acabou por ser um verdadeiro abraço de urso à procuradora-geral cessante. Enfim, todo o processo demonstrou que a opacidade da escolha não é uma coisa muito saudável. Como, de resto, já tinha acontecido com a nomeação de Pinto Monteiro. Num lugar que é hoje definidor da genética do regime – se é mais monopolizado pelos partidos ou, pelo contrário, domina uma vigorosa separação e interdependência de poderes –, seria desejável que tudo fosse mais transparente. E este processo não foi. Desde logo pela questão dos “irritantes” com Angola. Dá ideia que um foi afastado pela lógica natural do processo penal – o envio do caso de Manuel Vicente para Angola –, mas o outro, a própria Joana Marques Vidal, foi removido para a história com um laçarote e uma condecoração prometida, na ressaca de uma viagem governamental a Luanda.
A devassa e a democracia
A deputada socialista Isabel Moreira atirou-se à última capa da SÁBADO sobre os rendimentos dos políticos dizendo que se tratava de uma devassa. Esta deputada, para professora de Direito, tem uma estranha noção de democracia. O trabalho da SÁBADO foi feito com base na consulta das declarações de rendimentos obrigatoriamente depositadas no Tribunal Constitucional pelos políticos eleitos. Todos os cidadãos têm direito a consultá-las e elas são um instrumento básico de escrutínio da política, elemento estrutural de qualquer democracia que se preze. A deputada Isabel Moreira está no direito de não gostar desse escrutínio nem da actividade jornalística nesse sentido mas isso aproxima a sua noção de democracia mais de um país como a Coreia do Norte do que de um País com quase 45 anos de democracia.