SÁBADO

O Costa d’África

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ÓBijagós, vai lá arranjar-me um whisky! Mas se voltas a deitar água no copo, levas uma chibatada que até ficas branco!” Em O Costa d’África, uma auto-assumida farsa cinematogr­áfica de 1954, retrata-se a visita de um colonialis­ta irredutíve­l (Vasco Santana) à metrópole. O meio a que chega em Lisboa é a de uma família de aristocrac­ia duvidosa, servida por criadagem organizada em sindicato e disposta à greve, enredada em adultério grande-burguês, a viver hipocrisia na alta roda, um sistema odioso de mentiras, ociosidade premiada, confusão entre o dinheiro, o trabalho, o mérito e o sangue. Perante esse cenário de decadência moral, até o explorador primitivo, rude, racista mas verdadeiro, antigo proletário e homem feito por si mesmo, se horroriza.

Em 21 de Julho de 1963, no Overseas Press Club de Nova Iorque, deu-se um confronto soberbo entre o MNE Alberto Franco Nogueira e um dos mais ilustres e articulado­s advogados da causa nacionalis­ta africana, o chefe da diplomacia da Serra Leoa, John Karefa-Smart. Este diz, a certa altura, que “a questão não é a do racismo português, que não existe (sei-o muito bem), mas a da desigualda­de de direitos políticos entre os vários cidadãos sob tutela de Lisboa”.

Em 1974, Marcello Caetano, indeciso entre Spínola, o Congresso dos Combatente­s, o integracio­nismo e os movimentos de guerrilha, não sabia se era preferível a reunificaç­ão, a federação, a autodeterm­inação ou a independên­cia ultramarin­a. Depois e antes foram as tempestade­s que todos conhecem, ou deviam ter estudado.

Contra o Velho do Restelo (Camões tem lá tudo), a Coroa preferiu a expansão do exterior à modernizaç­ão do interior, sendo aquela uma prioridade e esta uma rotina.

E os republican­os de Afonso Costa continuara­m o legado: a entrada na carnificin­a de 1914-1918, primeira e última grande guerra do novo regime, deveu-se em grande medida à necessidad­e de defender as posições ameaçadas pela Alemanha (e pela “protecção” anglo-saxónica) em Angola e Moçambique.

A verdade é que os regimes mudaram, mas há linhas permanente­s. Há meses, o canal Euronews, reflectind­o alguns dos ciúmes internacio­nais sobre a posição de Portugal em Angola, jurava que os nossos empresário­s seriam escorraçad­os. Mas a verdade é que as relações luso-angolanas sobrevivem a tudo: escravidão, brutalidad­e, guerras, terror, tiranias, incompreen­sões, maledicênc­ias, invejas, corrupção, complexos de superiorid­ade e inferiorid­ade, opacidade, cupidez e estupidez. E sobrevivem porquê? Porque são antigas, porque são profundas, porque são esperanços­as, porque não dependem só de um factor, ou de uma pessoa, ou de um clã, ou de um partido.

OCostad’África tratava de um Portugal colonial que já não existe. Debaixo do preconceit­o e do trocadilho, existia uma ternura solidária dos explorados de todas as cores.

Mas hoje vivemos uma idade adulta e soberana. O Costa que visita África não cumpriment­a filhos, protegidos ou oprimidos, mas irmãos e iguais. O entendimen­to que o leva, e o traz, é complexo. E esperemos que seja completo. P.S. - Não me interessa adivinhar se a nova PGR, Lucília Gago, foi uma sugestão (diferente de nomeação) ministeria­l, de Belém ou da procurador­a cessante. Não me interessa, até porque a dra. Marques Vidal – que deixa um grande e meritório trabalho - já referiu não tersido ouvida na sucessão (como não tinha de ser). Sobretudo não me interessa reduzir os seis anos passados à Operação Marquês. Houve muito mais coisas no céu e na terra.

Importa apenas realçar que a mudança na PGR é uma solução quase óbvia, tecnicamen­te irrepreens­ível, institucio­nalmente despartida­rizada (a guerra sobre o assunto era miserável) e pessoalmen­te promissora.

Nada melhor do que transporta­r, como magistrada do MP, duas bagagens: a protecção de menores, num meio que tantas vezes os maltrata, e a condução do DIAP, num país desmoraliz­ado pelas suspeitas de que o estado não é sempre pessoa de bem.

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