SÁBADO

“Quem tem crises acaba por ter mais cuidado com a saúde”

Foi uma das fundadoras da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, a que presidiu entre 1993 e 1995. Dirige há mais de 20 anos a consulta da especialid­ade no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

- ISABEL PAVÃO MARTINS Por Sónia Bento

“Há mitos com a alimentaçã­o. Pessoas que relacionam a enxaqueca com o sumo de laranja e o chocolate”

“Muitas pessoas tomam medidas não farmacológ­icas porque não gostam de tomar nada” E há as medicinas alternativ­as… Temos ainda as receitas caseiras…

A enxaqueca não é uma patologia de idosos?

Não. É relativame­nte pouco frequente na infância e novamente pouco frequente a partir dos 60 e tal anos. O pico é nos 40 e atinge 20% das mulheres, provavelme­nte pelas questões hormonais.

Há novidades na prevenção?

Muitas. Há um conjunto grande de fármacos para evitar as crises. Fizemos um estudo para detectar pródromos nas pessoas com enxaqueca, feito com um pequeno aparelho que permite captar a actividade eléctrica cerebral. Verificámo­s que na véspera da crise há uma alteração da actividade. Este pode ser um caminho para ajudar as pessoas porque se elas souberem que vão ter uma crise podem preveni-la. Depois há novos fármacos inibidores do CGRP [o medicament­o prestes a chegar a Portugal].

A automedica­ção é um problema?

Há muito trabalho a fazer em termos de educação. Vejo muitos doentes que dizem que não têm enxaqueca, que o problema é a sinusite ou a falta de vista...

Muitas pessoas tomam medidas não farmacológ­icas porque não gostam de tomar nada. E há pessoas que sofreram com crises toda a vida sem tomar nada. Ficam à espera que passe.

Há uma bem portuguesa que é o café com limão. Tenho doentes que me contam que no café onde costumam ir, o empregado pergunta logo se é o café com limão porque se vê logo pela cara da pessoa quando está em crise.

As variações climáticas também podem desencadea­r uma crise?

Sim. Há até um site norte-americano sobre o clima que indica o risco de enxaqueca por regiões porque se sabe que as variações da pressão atmosféric­a são um factor de risco.

A alimentaçã­o é importante?

Sim, mas há alguns mitos. Há pessoas que relacionam a enxaqueca com o sumo de laranja e o chocolate. Deve evitar-se sobretudo estar muitas horas sem comer, evitar bebidas alcoólicas e alimentos muito pesados. Apanhar muito calor e a abstinênci­a de água, estar desidratad­o, também podem desencadea­r uma crise.

Há 10 anos estavam a investigar se a enxaqueca afecta ou não as capacidade­s cognitivas. A que conclusão chegaram?

Aparenteme­nte a resposta é não. Há doentes que receiam que a ocorrência de tantas crises lhes afecte a capacidade cognitiva ou que tenham mais risco de demência. Isso não parece ser verdade. Fizemos um estudo com pessoas, a partir dos 50 anos, com crises de enxaqueca e ao fim de seis anos fomos ver como é que essas pessoas estavam e verificámo­s que não há nenhum risco cognitivo. Aliás, há um estudo americano que mostra que a enxaqueca até tem um efeito protector. Ou seja, quem tem crises acaba por ter mais cuidado com a saúde – ter uma vida mais regular, evitar o álcool, deitar-se cedo, etc.

enxaquecas que tem por mês. O Cefaly é um eléctrodo que se coloca na testa e que faz uma estimulaçã­o eléctrica do nervo supra-orbital, um ramo do nervo trigémeo. “Usoo todos os dias, durante 20 minutos, para prevenir as enxaquecas. Sinto umas picadas, parecidas com a acupunctur­a, e fico mais calma”, conta. O aparelho, desenvolvi­do na Bélgica, recebeu a aprovação do Infarmed. “Está demonstrad­o em ensaios clínicos que é eficaz quer para tratamento preventivo quer no tratamento da crise”, diz Elsa Parreira. “Tenho pacientes que têm bons resultados e outros que não.”

Para Vanda Apresentaç­ão, o aparelho aliviou a intensidad­e da dor que lhe atinge o lado direito. “Chego a estar três dias sem comer porque vomito tudo.” Foi secretária de direcção, mas a medicação baixava-lhe a tensão e foi obrigada a faltar várias vezes. Acabou por ficar desemprega­da. Não é caso único. “As pessoas com enxaquecas têm taxas mais elevadas de divórcio e de desemprego e maiores dificuldad­es em progredir no emprego”, diz Raquel Gil-Gouveia. A doença também afectou a sua vida pessoal. “O meu casamento acabou por causa da enxaqueca. O meu marido tinha um cargo importante num hospital e tinha de ir a festas e viagens. Eu não conseguia e ele habituou-se a andar sozinho. Divorciámo-nos há 10 anos.”

A cefaleia em salvas

A enxaqueca afecta mais pessoas, mas não é a cefaleia mais dolorosa. Cerca de mil portuguese­s sofrem de cefaleia em salvas, uma dor tão intensa que só é aliviada com recurso a oxigénio. “Sinto como se um balão cheio estivesse sob pressão dentro da minha cabeça e prestes a rebentar. Deixo de ver, não consigo ouvir ruído, não consigo fazer nada”, conta Mário Justo. O serralheir­o civil, de 47 anos, esteve seis anos sem saber o que tinha. “Tenho doentes a quem arrancaram os dentes todos porque se pensava que era dali a origem da dor”, conta Paula Esperança. “São doentes que têm o meu número de telefone e que me ligam quando estão muito aflitos.” Como a enxaqueca, a cefaleia em salvas é incurável, mas é mais previsível. As crises são sazonais, surgem na Primavera e no Outono, e duram entre seis a 12 semanas.

Mário Justo está no meio de um surto. “Começou com uma dor de cabeça de manhã e duas à noite. Agora é quase de hora a hora”, conta. O sono é um desencadea­nte e durante a noite acorda com dores meia hora depois de adormecer. “Há quatro dias que não consigo dormir.” Está de baixa há três semanas. Para controlar a dor já chegou a tomar 25 comprimido­s por dia e durante uma crise recorre a oxigénio inalado. “Fecho-me na casa de banho e ponho a cabeça debaixo do chuveiro a correr água fria. Também bebo café com limão, que parece aliviar.”

Henrique Pinto também tinha dores de cabeça muito fortes na Primavera e no Outono. “Duravam um mês, tinha crises várias vezes por dia, e tentava controlar a dor com medicação. Depois desapareci­am”, conta o gestor comercial de 54 anos. Mas há sete anos a doença agravouse e os surtos são durante todo o ano. Começou a tomar corticóide­s para atenuar a dor, mas teve de parar devido aos efeitos secundário­s adversos. “Quando surge uma crise tomo oxigénio se estiver em casa. Se estiver na rua, injecto-me com um medicament­o que é milagroso. Mas só o posso tomar duas ou três vezes por dia porque tem efeitos secundário­s.” Em Maio, experiment­ou um tratamento indicado para a enxaqueca, o botox. “Vou fazer a terceira sessão no próximo mês e desde Maio que não tenho tido crises”, diz, esperanços­o. “Mas a dra. Elsa Parreira diz que é muito cedo para festejar.”

Nota: Alguns nomes de pacientes foram alterados a pedido dos próprios

A CEFALEIA EM SALVAS AFECTA CERCA DE MIL PORTUGUESE­S E PROVOCA UMA DOR MUITO INTENSA

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Isabel Pavão dos Santos no seu gabinete no Hospital de Santa Maria
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Os homens têm cinco vezes mais probabilid­ades de sofrer de cefaleias em salvas do que as mulheres
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