PRETO E BRANCO
SE ESTA RUA FALASSE
Vá-se lá saber porquê, o americano James Baldwin (1924-1987) só agora teve uma obra sua traduzida em Portugal. Não estou a contar com o ensaio sobre a revolta dos negros americanos inserido em volume colectivo. Romancista, dramaturgo, poeta e ensaísta, Baldwin foi também um empenhado activista dos direitos civis, dentro e fora dos Estados Unidos (viveu 10 anos em Paris e, a partir de 1970, em Saint-Paul-de-Vence). Negro e homossexual pobre do Harlem, tudo o afastava do meio literário. Contudo, o carácter autobiográfico do primeiro romance, Go Tell It on the Mountain (1953), colocou-o no radar da crítica americana, inglesa e francesa.
Se Esta Rua Falasse, publicado em 1974, chegou agora pela mão de José Mário Silva. “Alonzo, vamos ter um bebé.” Feita por auscultador, a revelação dá o tiro de partida à primeira parte do romance. Clementine e Alonzo, 19 e 22 anos respectivamente, o par de namorados da rua Beale, estão separados por um vidro como de regra nos palratórios das prisões. Alonzo está preso por um estupro que não cometeu. O facto de ser um adolescente com excesso de hormonas não fazia dele o violador de Victoria Rogers, a porto-riquenha que o apontou na line-up da esquadra depois de haver sido “forçada a praticar as mais inimagináveis perversões sexuais”. Alonzo teve o azar de ficar na mira de um polícia racista. Narrada por Clementine, a história segue passo a passo a saga de duas famílias sem recursos, apostadas em provar a inocência de Alonzo.
Em síntese, pode-se dizer que Baldwin faz o retrato da comunidade negra na América dos seventies, os anos do racismo puro e duro. Por fim, Alonzo sai em liberdade sob fiança (no dia em que o pai comete suicídio) e a criança nasce. A origem do dinheiro é obscura. O julgamento não cabe no plot.
O título é uma parábola da desigualdade social: Se a rua Beale pudesse falar… É isso que Baldwin (antigo membro dos Panteras Negras) quis vincar. Os avanços e recuos cronológicos ajudam a contextualizar o ar do tempo.