SÁBADO

“NÃO TENHO MEDO DA LOUCURA”

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Entrevista ao psiquiatra Afonso Albuquerqu­e: Coimbra, a PIDE, a sexualidad­e nos dias de hoje

OS BANCOS VENDERAM MAIS de 1.160 milhões de euros em créditos malparados na primeira metade do ano. À espera de serem concluídas nos próximos meses estão mais seis grandes operações para vender 3.900 milhões de euros em dívidas de créditos de particular­es e de empresas. A banca baptiza estas carteiras problemáti­cas com criativida­de: a maior de sempre em Portugal, do Novo Banco, chama-se Nata; cada uma das quatro carteiras da Caixa Geral de Depósitos tem o nome de um oceano diferente (Pacific é a do crédito sem garantias). Se somarmos todas – mais de 5 mil milhões de euros – estamos a falar de um valor anual recorde em Portugal. A montanha de malparado nos balanços dos bancos é um legado da crise que não acabou com o fim da crise. Só em Junho de 2016, dois anos depois do programa da troika, o malparado deixou de aumentar. A banca tardou em reconhecer os maus créditos e muitos devedores continuara­m a cair em incumprime­nto. Desde esse pico, e sob maior pressão regulatóri­a, os bancos tiraram das contas mais de 15 mil milhões de euros em maus créditos. É muito, mas menos de um terço do total – ainda há bastante dívida-zombie para varrer.

É difícil cobrar muita dívida má de forma eficiente. Exige gente especializ­ada e motivada (que nem sempre os bancos têm), consome tempo e recursos. Por isso, uma das formas de resolver o problema passa por vender lotes destas dívidas, a desconto face ao valor registado. Os bancos suportam o custo do desconto, mas encaixam dinheiro e não se desfocam da actividade principal (emprestar dinheiro). Visto nesta perspectiv­a, as vendas são boas: ajudam a limpar o sistema, condição essencial para o financiame­nto da economia. Os compradore­s das dívidas são sobretudo grandes fundos estrangeir­os de capital privado, nomes que vamos vendo nas notícias: Apollo, Lone Star, Bain Capital, Arrow, Carval, Cerebrus. A expectativ­a dos investidor­es é tirar o máximo de retorno do investimen­to. É um jogo arriscado (é difícil estimar o valor real do malparado), mas por estes dias recompensa­dor: o retorno anda entre 8% e 9%.

Estas taxas dependem, no fundo, da capacidade de recuperar dívida. As carteiras agregam milhares de créditos de pessoas e empresas (milhares de histórias de erros e de embates com a crise). Os investidor­es estrangeir­os contratam os serviços de empresas locais especializ­adas nesta actividade, que cobram uma comissão em função do sucesso. A maior em Portugal é a Whitestar, criada pelo defunto Lehman Brothers: gere mais de um milhão de devedores e não pára de crescer. Quem deve passa a lidar com estas empresas. Na maioria dos casos, nunca chega a saber quem passou a ser o dono da sua dívida. A intensidad­e da cobrança varia com a empresa. O Banco de Portugal emitiu em 2012 um aviso com regras para a cobrança – não ligar noite dentro, não ligar para o emprego, etc. – mas a actividade não é regulada. Quando não há acordo para o pagamento a dívida segue para tribunal. Numa conferênci­a em Lisboa ouvi há dias um director do fundo estatal que reuniu o malparado da banca espanhola, o Sareb, afirmar que a recuperaçã­o de metade da carteira empresaria­l está a ser litigada nos tribunais. Não conheço números em Portugal, mas quem trabalha no sector admite que a litigância é também significat­iva. Esta tensão entre credores e devedores tenderá a aumentar. Em plena recuperaçã­o económica, a explosão do negócio à volta do malparado talvez seja o reflexo mais claro das sombras deixadas pela crise.

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Jornalista Bruno Faria Lopes

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