SÁBADO

EUSÉBIO EM TRÁS-OS-MONTES

Ficou três dias na cidade e defrontou o Sp. Braga, durante a Festa dos Santos, a 1 de Novembro de 1977. Queriam contratá-lo, mas o dinheiro era pouco.

- Por CarlosTorr­es

Há 41 anos, o Pantera Negra fez um jogo pelo Chaves. Falou-se em ficar no clube, mas não havia dinheiro

OEusébio precisava de dinheiro. Estava na fase final da carreira e tinha de aproveitar todas as oportunida­des. Ele participav­a em jogos-espectácul­o, em digressões… Um director do Chaves, que o conhecia e tinha boas ligações ao Benfica, trouxe-o cá.” É assim que Malaias começa a contar a história quase desconheci­da do dia em que Eusébio jogou no Desportivo de Chaves. A partida amigável, frente ao Sp. Braga, realizou-se no feriado do 1 de Novembro de 1977 (terça-feira), por ocasião da Feira dos Santos – e aproveitan­do a paragem dos campeonato­s por causa da selecção, que a 29 de Outubro empatou na Polónia. “Foi uma grande festa na cidade, veio gente de todas as aldeias em redor”, recorda Malaias, hoje com 64 anos. “O estádio estava cheio, não cabia nem mais uma agulha. Uma enchente dessas só voltaria a acontecer quando o Benfica veio cá jogar da primeira vez que o Chaves subiu à I Divisão, em 1985”, lembra. “Contra o Sp. Braga, eu era o capitão de equipa. E joguei, como de costume, a médio-defensivo. O Eusébio jogou atrás do ponta-de-lança, não me lembro se foi o Marconi, um brasileiro, ou o Mundinho. Com 35 anos, ele já não tinha muita velocidade, mas ainda fez umas arrancadas e uns remates de fora da área”, continua Malaias, cujo nome verdadeiro é João Magalhães. A alcunha surgiu quando tinha 2 anos e pedia bolachas num café em Montalegre, onde nasceu. “Em vez de dizer bolachas Maria, dizia Malaias. E assim ficou.” José Albano, de 66 anos, também era jogador do Chaves em 1977, mas nessa partida estava lesionado e ficou na bancada. O antigo médio lembra-se da multidão em delírio sempre que Eusébio pegava na bola. “Ele não fez o jogo todo, por causa do joelho, mas continuava a ter muita classe. Ainda fez um daqueles remates de fora da área, uma bomba que passou perto da barra, só que os jogadores do Braga nunca lhe deram muito espaço.” O seu pai, Albano Lopes, hoje com 88 anos, e que jogou no meio-campo do Chaves entre 1954 e 1962, era naquela altura o massagista da equipa. “O Eusébio pediu-me para lhe aquecer bem o joelho direito. Era impression­ante porque já não tinha rótula, tinha lá um buraco”, lembra.

O joelho do “aleijadinh­o”

Albano Lopes acabou por estabelece­r uma “boa relação” com Eusébio, pois era massagista nas selecções jovens do distrito de Vila Real e encontrou-o diversas vezes nos torneios Lopes da Silva, no Estádio Nacional. “Nos anos 80 e 90, sempre que o Benfica vinha jogar a Chaves, ele vinha-me cumpriment­ar”, recorda. Malaias também ficou impression­ado com o joelho de Eusébio. “Não dobrava bem, dava a impressão de coxear, como um aleijadinh­o, mas depois fartou-se de correr.” O jogo “foi bastante equilibrad­o”, continua, apesar da vitória (2-0) do Sp. Braga, que estava na I Divisão e era treinado por Hilário, antigo craque do Sporting.

“NÃO FEZ O JOGO TODO, POR CAUSA DO JOELHO, MAS TINHA MUITA CLASSE. E ATIROU UMA BOMBA PERTO DA BARRA”

“O Chaves tinha grande equipa, nessa época estivemos perto de subir à I Divisão, ficámos em 3º, quem subiu foi o Famalicão. Mas este foi um jogo de festa. Não houve entradas duras, ninguém se aleijou. E foi uma alegria jogar com o Eusébio. Já o tínhamos visto na TV, mas ao vivo era outra coisa”, nota.

A ida de Eusébio a Chaves ficou a dever-se a José Areias, na altura director para o futebol dos transmonta­nos. O empresário, que conhecia o Pantera Negra, tinha negócios em Angola e boas relações com pessoas ligadas ao Benfica – foi o responsáve­l pela ida do médio angolano José Pedro para os encarnados, em 1973. Eusébio tinha deixado os americanos do Las Vegas Quicksilve­r e procurava um clube para jogar em Portugal. Não ficou em Chaves porque não houve acordo para satisfazer as suas exigências: 15 contos por jogo e deslocaçõe­s e estadias pagas. Acabou por continuar a carreira no U. Tomar, também da II Divisão. Mudou-se para lá em meados de Novembro, juntamente com António Simões, outra antiga glória do Benfica, recebendo 60 contos mensais. Malaias lembra: “Foi a primeira vez que o Eusébio veio a Chaves. Ficou cá três dias. No fim do jogo com o Sp. Braga fomos jantar ao restaurant­e Romana, que era do senhor Areias. Estava lá o presidente do clube, o capitão Carlos Duarte. Comemos um prato de peixe, outro de carne e bebemos um copo de vinho. Ele gostava de ficar, mas era impossível pagar a verba pedida. O Chaves queria ter uma equipa forte, para subir à I Divisão, e ter o Eusébio era importante. Mas não dava, vivíamos dos sócios e de algum dinheiro da Câmara. Havia poucos empresário­s, a cidade era pequena, só tinha meia dúzia de cafés.” José Albano, que esteve no Chaves de 1974 a 1982 (acabou a carreira aos 30 anos e tornou-se treinador em clubes da região, de Valpaços a Vidago, sendo hoje coordenado­r das camadas jovens no concelho de Boticas), lembra-se das dificuldad­es de competir com equipas do litoral, como Varzim, Rio Ave ou Leixões. “Nos anos 70, a aposta era na prata da casa. Tínhamos cinco ou seis jogadores de fora e o resto era da região. Só nos anos 80, quando os dirigentes obtiveram o apoio dos empresário­s transmonta­nos que estavam na América, é que o Chaves conseguiu subir. Na época 1984/85, ficou em 2º e ganhou a liguilha, contra U. Leiria, U. Madeira e Rio Ave. Depois, foram buscar espanhóis e até dois craques búlgaros, o Radi e o Slavkov.”

Jogar com “o melhor do mundo”

Malaias esteve 10 anos no Chaves (saiu em 1983), mas nunca foi jogador profission­al: a par do futebol, foi estudante e professor primário. “Na época 1980/81 estive colocado na Quinta do Anjo, em Palmela. Treinava durante a semana no Barreirens­e ou no Vitória de Setúbal e à sexta-feira regressava a Chaves, de carro, demorava umas 10 horas. Depois jogava ao domingo, pedia a um dirigente para me levar o carro quando íamos jogar fora, a Espinho, a Penafiel, ao Feirense, e no fim fazia a viagem para sul.” Fartou-se dessa vida itinerante em 1983, quando foi dar aulas para Vila Verde (Braga), mas acabou por jogar no Vianense, também da II Divisão. “Tive azar, sofri uma lesão grave. O Garcês, que tinha estado no Sporting, teve uma entrada dura e partiu-me a perna logo no primeiro jogo da época, contra o Paços de Ferreira.” Malaias só lamenta não ter participad­o na subida do Chaves à I Divisão, em 1985, mas guarda “excelentes recordaçõe­s” das épocas em que jogou nos transmonta­nos. A melhor? “O jogo contra o Eusébio, claro. Hoje posso dizer ao meu neto, que tem 13 anos e também está no Chaves, que joguei com o melhor do mundo. Como agora há o Ronaldo e o Messi, na altura havia o Eusébio e o Pelé.”

“JOGUEI COM O MELHOR DO MUNDO. COMO AGORA HÁ O MESSI E O RONALDO, ANTES ERA O EUSÉBIO E O PELÉ”

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