JOÃO PEDRO GEORGE
Grassa a controvérsia! A ciência, que não tem decerto tarefa mais urgente, diverge radicalmente quanto aos sinais, condições ou propriedades que explicam porque é que uma pessoa é mais inteligente que outra. Pelo que lemos nos jornais e nas revistas, pelo que vemos e ouvimos quando abrimos a televisão ou nos ligamos à Internet, aquilo que distingue os cérebros bem povoados de neurónios das cabeças compactas e estúpidas como calhaus, constitui um problema fascinante e uma parte substancial das preocupações do ser humano, a mais narcisista das espécies que habitam o planeta. Observe-se atentamente a sucessão de estudos realizados na última meia dúzia de anos: “pesquisa realizada no Reino Unido diz que as pessoas mais inteligentes vivem mais”; “investigação levada a cabo por uma equipa da Universidade de Edimburgo revela que pessoas que usam óculos são mais inteligentes”; “os ateus são mais inteligentes que os religiosos, defende a ciência”; “pessoas inteligentes são as que mais reforçam os estereótipos, afirma novo estudo publicado no Journal of Experimental Psychology General”; “estudo prova que ser ‘esquecido’ é, na verdade, um sinal de inteligência”; investigação conduzida por cientistas das Universidades da Costa do Golfo da Flórida e do estado dos Apalaches “revela que pessoas que praticam menos desporto são mais inteligentes”; “um estudo sobre personalidades e diferenças individuais afirma que pessoas que acordam tarde são mais inteligentes”; “estudos feitos na Universidade de New South Wales confirmam que pessoas mal-humoradas, que dizem palavrões e proferem insultos são mais inteligentes”; “investigadores verificaram que pessoas ansiosas são mais inteligentes”; “um estudo realizado por académicos da Universidade Brock, em Ontário, no Canadá, afirma que pessoas com opiniões políticas de esquerda tendem a ser mais inteligentes do que aquelas com visões do mundo de direita”; “pessoas com menos ami- gos ou que precisam de menos de amigos são mais inteligentes, sugere um estudo publicado no British Journal of Psychology”; “estudo confirma que o irmão mais velho é o mais inteligente”; “crianças que mentem são mais inteligentes, diz estudo do professor e psicólogo do desenvolvimento Michael Lewis”; “crianças nascidas em Setembro são mais inteligentes, adiante estudo”; “pessoas mais inteligentes são mais susceptíveis à depressão”; “segundo um estudo realizado pela Ohio State University nos EUA, as louras naturais têm um QI ligeiramente mais alto que de mulheres com cabelo castanho, preto ou ruivo”; “estudo indica que as pessoas fiéis são mais inteligentes”; “estudos mostram que músicos são as pessoas mais inteligentes”; “a ciência diz que os bateristas são os membros mais inteligentes das bandas”; “um crescente número de estudos prova que pessoas que viajam mais compõem uma grande parte das pessoas mais inteligentes do mundo” (aqui adensam-se as dúvidas, porque, de acordo com um estudo científico publicado no British Journal of Psychology, as “pessoas que preferem ficar em casa são mais inteligentes”). Além de demonstrarem uma coisa que já se sabia – a infinita variedade da imbecilidade humana –, estes estudos não são peculiaridades fortuitas. Pelo contrário, são um indicador seguro de
que a inteligência é uma obsessão de algumas sociedades, sobretudo anglosaxónicas (talvez por se tratar de países altamente competitivos ou que estimulam mais a concorrência que a cooperação), e de que este é um tema, a avaliar pela ampla e contínua difusão que os meios de comunicação (incluindo os portugueses) dão às conclusões destes estudos, que vende tanto como os chocolates, os refrigerantes ou os detergentes. Não é preciso ter nascido em Setembro, acordar tarde e usar óculos para encontrar uma explicação que talvez não explique nada: a maioria das pessoas considera que ser inteligente é um dos atributos mais importantes para a vida, a felicidade e o êxito. Isto apesar de não haver provas científicas de que a inteligência e a felicidade, ou a inteligência e os rendimentos (uma conta bancária, digamos assim, choruda), estão correlacionados. Sabe-se apenas que há quem tenha encontrado correlações positivas, que outros descobriram correlações negativas, e que outros ainda se decidiram por uma ausência de correlações. Para os primeiros, a inteligência é uma vantagem competitiva num mundo inundado de informação e de formalismos profissionais, daí o estar positivamente correlacionada com uma maior probabilidade de se auferir um bom salário, de se desenvolver maiores capacidades e se adquirir os diplomas exigidos nas profissões mais bem pagas (Medicina, Direito, Engenharia, etc.). Os segundos dirão que existe uma quantidade indecente de pessoas extremamente bem-sucedidas que devem pouco à inteligência, e que o capital social (rede de relações de contactos e de sociabilidades) adquirido no ambiente familiar, no bairro em que se cresceu e na escola que se frequentou, constitui uma garantia sólida, mais do que a inteligência e os conhecimentos técnicos, de uma situação profissional e económica invejáveis, e explica melhor porque é que uns assobiam e cantam de felicidade e outros não. Por outro lado, a inteligência pode inibir factores como a motivação, a persistência e a diligência, tão ou mais importantes quando se pretende vencer na vida (mas será que trabalhar arduamente compensará mesmo a escassez de inteligência?), e não nos fornece necessariamente mecanismos para lidarmos com a ansiedade, o stress ou a adversidade.
Os terceiros, enfim, explicarão que a inteligência, o rendimento e a felicidade estão distribuídos de forma aleatória na população e que só por uma espantosa casualidade é que os encontraremos reunidos na mesma pessoa. E o que dizer de vantagens sociais como a beleza, a altura ou o peso, todos eles mais relacionados com a capacidade de adaptação social do que com a inteligência? Alguns estudos constataram que os homens baixos têm profissões piores e que ser pequenino é um obstáculo ao namoro (esses indivíduos são mais discriminados nas entrevistas de trabalho e têm mais dificuldade em desenvolver relações amorosas), ao passo que os homens altos apresentam mais probabilidades de casar e têm carreiras melhores e de maior responsabilidade, porque, dizem, a altura atrai mais as atenções e facilita a vida de quem quer ser ouvido. Outros estudos apuraram, de igual modo, que as mulheres gordas e/ou feias ganham menos que as mulheres magras e/ou bonitas (e ainda, pois é, que os filhos gostam mais dos pais bonitos), o que ajudará a explicar o seguinte dado: a população dos EUA gasta mais em cosméticos e na aparência do que em educação. É bem-sabido que o género humano declarou guerra à fealdade, muito mais do que à desigualdade social ou à discriminação racial e de género, e que os maiores beneficiários disso têm sido a indústria da maquilhagem, dos anti-rugas, dos hidratantes, das cirurgias plásticas e dos adelgaçantes.
No fim de tudo, alguém sabe para que serve toda esta informação? Ou o que fazer com ela? Não sei, talvez ninguém saiba. Uma lição, porém, deveríamos tirar de todo este conhecimento: quanto mais a academia e a polícia científica se vergarem às exigências do mercado, dos rankings científicos e das bibliometrias, mais difícil será evitar o surgimento daquilo que abunda, cada vez mais, nas universidades europeias e norte-americanas: a uniformização e formatação da criatividade e da linguagem.