Os Low falam sobre o seu novo álbum e a digressão que passa por Lisboa
A cada álbum, os Low renovam-se, mas sem alinhar em modas. Double Negative – que mostram a 29 de Setembro, iniciando uma digressão europeia, no Lisboa Ao Vivo – prova-o de novo. Pretexto de conversa.
SÃO 25 ANOS de carreira espalhados por quase duas dezenas de álbuns originais, compilações que reúnem trabalhos menos conhecidos e até discos temáticos. Os Low passaram por editoras como a Vernon Yard, Kranky e assentaram na Sub Pop há uma década e picos. Não ficaram mais acessíveis ou comerciais, mas sim disponíveis. São mais experimentais agora do que alguma vez foram, mas essa experimentação criou ferramentas que tornam as suas músicas mais arejadas – como se a porta de entrada e as janelas fossem maiores. As suas valsas lentas, por vezes solitárias (uma das canções-chave dos Low chama-se precisamente Do You Know
How To Waltz?), libertaram-se da tensão, dando lugar a canções mais expostas, menos vulneráveis. De caminho a banda quebrou com o slowcore, género lento, minimal, muito popular no meio alternativo no rock dos anos 90, e experimentou vários produtores – que ficaram, invariavelmente, ligados ao som dos Low. Uma coisa, porém, manteve-se: o formato trio, três, como o número de letras que se conta em Low. Formados em 1993 pelo casal Alan Sparhawk e Mimi Parker, foram aceitando um +1 na relação – o baixista, variável ao longo do tempo: actualmente é Steve Garrington. Apesar disso, são um exemplo de estabilidade. Em conversa ao telefone, a propósito de Double Negative, álbum lançado há duas semanas, e do concerto no Lisboa Ao Vivo, este sábado, 29 de Setembro, é inevitável perguntar a Alan Sparhawk se imaginou que a banda cumprisse 25 anos. “É uma surpresa continuar a tocar. Contávamos lançar um álbum ou dois, criar algo importante para nós, mas não esperávamos chegar onde chegámos. Ainda hoje, quando fazemos um novo álbum, é algo estranho para mim pensar que a banda é conhecida no meio indie-rock e continua a crescer”, responde. Alan mede o que diz. Não o faz para se proteger, tem a voz de alguém que pensa muito no que vive e já viveu, ao jeito de obsessão. Além disso, é preciso no que diz: as palavras são medidas, mas saem a bom ritmo, parece tudo calculado, no sítio certo, tal e qual como as letras que escreve para os Low. Esse é o lado mais minimal dos Low e que se manteve ao longo destes 25 anos: frases curtas, pensamentos que parecem desconectados mas que na voz de Alan e Mimi chegam aos ouvidos com um sentido demolidor. Alan é uma pessoa com transparência de raciocínio, e a sua escrita não é críptica ou densa, mas eficaz. Fala naturalmente sobre isso, sem desconforto, apesar do desconforto que lhe causa escrever, quando se menciona as evoluções
“Estousempre àprocurado quetenhopara dizerede comooescrever.Éumprocessomorosoe nosprimeiros anosfoidifícil lidarcomisso”, revelaAlan Sparhawk
ligeiras na sua escrita desde I
Could Live In Hope até hoje: “Quando me sento a escrever ainda sou a mesma pessoa, sempre sem assunto, ou com uma dificuldade em expressar mais do que digo. Sei que o escrevo é muito minimal e críptico, mas é assim que o meu cérebro pensa sobre as coisas. Estou sempre à procura do que tenho para dizer e de como o escrever. É um processo moroso e nos primeiros anos foi difícil lidar com isso. Ainda hoje demora muito tempo, escrever é um processo que me destrói emocionalmente. Bato sempre no fundo quando passo muito tempo a escrever.”
Double Negative – o novo álbum, pretexto desta da conversa e mote do regresso dos Low a Portugal – foi impulsionado pela eleição de Donald Trump, confessa Sparhawk: “Quando aconteceu, senti que tinha de dizer alguma coisa, quanto mais não fosse para tentar perceber o que se estava a passar e como eu poderia lidar com isso. O que é que vai mudar, quais são as motivações para continuar, qual é o significado da música no meio disto tudo? A ideia é perceber como é que podes criar algo que pode mudar o que se está a passar, ao nível social e político… e é algo que, para mim, é difícil de engolir e pronto. Não me quero resignar, a viver apenas mais um dia.” Este é também o segundo álbum com a mão de B. J. Burton (que já trabalhou com Bon Iver, Megafaun ou The Tallest Man On Earth, entre outros), um produtor que causou uma revolução no seu som. Em Ones And Sixes (2015) o som dos Low tornou-se mais espaçoso, menos condicionado pela guitarra, baixo e bateria. Outros sons invadiram as suas canções – e toda a história nasceu da vontade do próprio produtor: “Ele contactounos, disse que queria trabalhar connosco, e nós estávamos numa fase em que queríamos experimentar com novos sons. Aliás, foi sempre assim quando decidimos mudar de produtores. Foram eles que nos contactaram, o Steve Albini, o Dave Fridmann… e é óptimo, porque queremos sempre trabalhar com novos produtores, experimentar coisas novas.” É normal que os produtores tenham vontade de trabalhar com os Low: é música com bom esqueleto, que se adapta a visões diferentes mantendo a identidade. Kramer, o lendário produtor dos Galaxie 500, percebeu isso de imediato, trazendo o seu som e métodos para os primeiros álbuns dos Low (I
Could Live In Hope é um dos mais bem conseguidos em que trabalhou). “O Kramer ajudou-nos no início a tornar o nosso som mais ecléctico. Acabávamos de gravar uma canção e ele queria logo passar para a seguinte. Isso deu-nos muita confiança para acreditarmos no que estávamos a fazer”, lembra. Assim começaram as primeiras valsas. Agora, 25 anos depois, ainda tocam valsas únicas, “à Low”, mas para salas cada vez maiores. Este sábado, podemos ouvi-los à beira-Tejo, no Lisboa Ao Vivo.