João Pereira Coutinho antecipa como vão ser as eleições
Q lução. Não sei porque é que ele foi para o Carmo, ninguém sabe.
AMC: Sem saída. Eu acho que, desculpe a ideia, mas foi a PIDE.
MC: Há uma grande confusão, do Spínola com o Costa Gomes. Mas o facto é que estava ali fechado, chegou o Salgueiro Maia com os carros e não tinha saída. Aquilo que aconteceu toda a gente sabe: houve uns tiros e tal. Ele disse que não se rendia sem entregar o poder a alguém que considerasse e julgava que o general Spínola era o chefe do movimento, que não era. E depois sai num carro. O que fez a PIDE, afinal? MC: O que se pensa é que [entre] a PIDE e os militares havia uma certa relação. Principalmente em África. Sabe-se, por exemplo, que um inspector superior estava convencido de que o Spínola iria manter a PIDE por causa da guerra. Podemos pôr várias hipóteses: eles pensaram que aquilo também seria o Spínola e o Costa Gomes e que haveria um acordo? Provavelmente. Mas nada disso foi provado. A saída para a Madeira e do País foi muito triste para o vosso pai? MC: Foi horrível. A noção da derrota de uma vida. A vida frustrada.
AMC: É a sensação de que não tinha trabalhado como deve de ser. Ele foi primeiro para a Madeira. AMC: Um mês, mais ou menos. Decide partir ou decidem por ele?
MC: É decidido cá. Fundamentalmente por Spínola e Costa Gomes.
AMC: Primeiro, que ele podia ficar na Madeira. Fui lá visitá-lo uma semana. Estive na prisão que era o palácio do governador. Onde estavam bem tratados. Estava lá o Thomaz. MC: A família do Thomaz.
AMC: O Moreira Baptista e o Silva Cunha. E eu fui procurar uma casa, ainda. Depois, disseram que ele não podia ficar. E entre Espanha e Brasil, ele escolheu o Brasil. E parte sozinho? AMC: Sim. Ele tinha dois secretários. Daqui foi o Correia de Campos com ele. Porque o Carvalho Neto já vivia no Brasil. Chegou e entregou a pasta ao Carvalho Neto, que estava lá à espera dele. Foi muito bonito.
MC: Quando chegou a São Paulo, o meu pai não levava nada. As pessoas
não tinham dinheiro no estrangeiro. E foi um emigrante, uma pessoa com prestígio, que o recebeu.
AMC: Tinha sido aluno dele, de Direito Internacional.
MC: Pagou-lhe o hotel nas primeiras noites.
AMC: E levou-o para casa. Ele depois fez questão de lhe pagar. Arranjou lugar na universidade.
AMC: De São Paulo sai para o Rio. Vive no Convento – mas pouco tempo, 15 dias, qualquer coisa – de São Bento, o que é engraçado: saiu de São Bento aqui e vai para São Bento lá. E depois arranja casa.
MC: O meu pai tinha uma relação universitária com o Brasil, tinha ido lá muitas vezes e tinha grandes amigos. Não fazia sentido irem com ele? AMC: Ele perguntou-me se eu queria lá ficar, mas eu tinha a minha vida toda cá. Eu lembro-me de o Pedro Calmon [seu amigo, professor e reitor universitário] dizer: “A filhinha está com vontade de ir viver a democracia.” [risos] Por acaso tinha muita curiosidade.
Mais de 40 anos depois, como avaliam a democracia?
MC: Para lhe responder a isso preciso de uns 10 minutos. A Ana Maria quer responder primeiro?
AMC: Sonhava com uma democracia que não é a que temos. São invenções minhas: o meu pai e o meu avô para mim eram um parlamento. O meu avô na esquerda.
MC: Sabe quem era o nosso avô? O republicano João de Barros. MC: Ministro da Primeira República, tinha uma relação extraordinária connosco e com o meu pai. Os dois debatiam às quartas. AMC: E eu achava que podia ser uma democracia em que uns pensavam de uma maneira e os outros de outra. E dos dois pensamentos surgia o pensamento final.
MC: Mas não debatiam política, propriamente, debatiam cultura. E essa ideia falhou?
AMC: Acho que não é nada disso. MC: Eu envolvi-me fortemente no pós-25 de Abril, pensando que é preciso encontrar uma solução para o
“No Brasil, jogava ao Lobo Mau eao Capuchinho Vermelho com a neta”
“Morreu magoado. É um exílio doloroso, embora como professor estivesse realizado”
País. A descolonização, isso fugia-nos completamente da mão. Mas depois todos os problemas foram surgindo, incluindo aqueles a que chamamos os retornados. E isso, no grupo em que eu andava [SEDES], eram problemas que tinham de ter solução. A minha especialidade era o planeamento regional. E na câmara municipal convidaram-me para fazer parte de um gabinete de planeamento. Não serviu para nada. Depois, apareceu o problema das nacionalizações. O ano de 1975 foi uma perturbação muito grande, nacionalizou-se tudo a eito. E a comissão instaladora da Rodoviária veio buscar-me para ajudar. E por aí fora. O Salgado Zenha convida-me para o ajudar no instituto de estudos sobre o desenvolvimento e começámos a trabalhar uma série de coisas dentro da área socialista. E chegamos à segunda eleição do Eanes, fiz parte do grupo que dirigiu a campanha. Estive envolvido na política em todo esse período e sempre pensando que íamos ter uma democracia menos virada para a discussão pelo poder do que aquela que eu vim a encontrar e fui-me afastando. Como viu o vosso pai aqueles primeiros anos de democracia? MC: Viu muito mal, como é natural. Estava magoado. Muita gente que ele achava que não iria participar, porque tinha estado com ele, aparecia. Ele morreu magoado?
MC: Morreu. E havia muita gente que lhe escrevia: “Sabe, encontrei fulano, aquele que andava sempre a tirar-lhe o chapéu e agora diz de si isto e aquilo.” E ele respondia em cartas muito desagradadas e houve imensa gente que ficou magoada. Para mim não me escrevia assim. É um exílio doloroso, embora como professor estivesse realizado, porque fez uma obra. Foi convidado para as academias, para ir falando pelo Brasil. O meu pai defendia para a resolução do problema colonial, a prazo, a existência de novos brasis. AMC: Era como a Commonwealth. MC: É a coisa mais curiosa ele ser convidado para ir explicar o que é que pensava da descolonização, tendo acontecido o que aconteceu, numa antiga colónia portuguesa.