Manuel Lisboa vai estudar a região do País com mais violência doméstica
O Observatório Nacional de Violência e Género faz 10 anos e vai analisar a região do País com mais violência doméstica: os Açores. O sociólogo que fez o primeiro Inquérito Nacional da Violência Contra a Mulher será o coordenador.
Bater à porta da casa das pessoas para perceber se são vítimas de violência, se o marido lhes grita ou bate, numa altura em que isso pouco aparecia nos jornais, era um desafio. Em 1995, os coordenadores do primeiro Inquérito Nacional sobre a Violência Contra as Mulheres acreditavam que teriam de bater a muitas mais portas para conseguir que falassem. Enganaram-se. As mulheres queriam falar e não tinham vergonha de contar tudo a desconhecidos. Percebeu-se então a dimensão da violência doméstica em Portugal. Manuel Lisboa era um dos coordenadores do trabalho, pedido pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (hoje CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), e desde essa época que estuda esta área. Acredita que hoje as vítimas denunciam mais, têm mais apoio, mas este problema demora muito a resolver. Motivo? Assenta numa relidade lação de poder e de desigualdade. Enquanto as mulheres não forem mesmo tratadas como iguais, não acabará. O professor universitário e director do Observatório Nacional de Violência e Género, do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, que já fez mais de 25 projectos de investigação nas áreas da violência contra as mulheres (doméstica e de género), afirma que tem de se apostar na prevenção.
Nos Açores existem mais casos de violência doméstica do que no resto do País. O isolamento pode ser um dos motivos?
Diria que esta cultura dominante é transversal. Enquanto houver desigualdades de género estes comportamentos persistem – depois existem contextos que são mais marcantes, as questões de isolamento podem ter alguma dimensão. Esse isolamento vai reforçar a vulnerabi- destas mulheres, que têm medo de morrer, têm medo que o agressor faça mal aos filhos, têm medo de não ser aceites pela sociedade. Há uma pressão social que dificulta a reacção. Mas quando fizemos o Inquérito Municipal de Lisboa, em 2017, percebemos que a maioria das mulheres ainda silencia estes casos.
Regressam aos Açores 10 anos depois. O que esperam encontrar?
Os resultados do inquérito de 2008 revelaram que a dimensão do fenómeno nos Açores era mais expressiva do que no continente. Isso foi importante para que o Governo Regional fizesse planos de intervenção. Voltarmos a fazer outro inquérito é o que deve ser feito. Repare que os dados das polícias ou das ONGs são os casos que chegam lá e são a minoria. A melhor imagem para explicar esta noção é a de uma pirâmide. Os casos que chegam à polícia são o cimo da pirâmide, um
“Rapidamente uma inquiridora se torna uma vendedora de enciclopédias, quando percebe que a vítima não está sozinha”