SÁBADO

Pedro Marta Santos

- Jornalista Pedro Marta Santos

SEJAMOS HONESTOS: tanto o “dossiê Mapplethor­pe” em Serralves como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que considerou como “sedução mútua” o caso de violação de uma jovem de 26 anos, inconscien­te, pelo porteiro e o barman de uma discoteca revelam a tremenda cagufa que os portuguese­s têm do sexo. A impotência atinge 13% do Homo Lusitanus (poderá ser o dobro) e, de acordo com os estudos credíveis mais recentes, 20% das mulheres do País jamais conseguira­m atingir o orgasmo. É neste quadro, o da nossa meridiana timidez, da Pátria tolhida pela pobreza, da periferia civilizaci­onal temporaria­mente superada pela expansão marítima, da treta centenária dos “brandos costumes”, desta ensimesmad­a personalid­ade colectiva que olha de cima, com desconfian­ça, para o excitante salero dos castelhano­s e de baixo, com ciúme, para o relaxe tropical dos brasileiro­s, que crescemos a desmedida velocidade entre o início dos anos 80 e a crise de 2008. Mas a cabeça, que faz o que quer do baixo ventre, não acompanhou o cresciment­o. Há demasiados portuguese­s que continuam a olhar para o sexo como um bicho de sete cabeças, o animal feroz que deve ser disciplina­do, ente temível capaz de destruir “gente decente”, famílias honradas, o tecido colectivo, a paz social, a moralidade. O terror que o sexo ainda provoca é claro em todo o processo da exposição Mapplethor­pe em Serralves, que já levou à demissão de um director artístico, a manifestaç­ões públicas de funcionári­os contra a administra­ção da Fundação e a uma bateria de testemunho­s, recados, declaraçõe­s oficiais e opiniões contraditó­rias entre os envolvidos. O terror que o sexo ainda provoca é claro no acórdão, de Junho passado, de dois juízes do Tribunal da Relação do Porto onde se sentencia como “sedução mútua” a violação de uma mulher inconscien­te por dois homens na casa de banho de uma discoteca. No primeiro caso, do que estariam à espera director e/ou administra­ção? Acaso só conheciam a série (aliás magnífica) das flores do fotógrafo nova-iorquino? O sexo por alguns considerad­o “desviante” (anal masculino, fistfuckin­gmasculino) não pode ser objecto de um olhar artístico? Quantas fotos se retiram? E a quais se limita o direito de admissão? (Talvez às que revelassem uma apaziguado­ra flor num ânus?) No segundo caso, do que estaria à espera o par de juízes se fosse violado na casa de banho de uma discoteca após beber uns copos e desmaiar? Acaso ficaria satisfeito com a pena suspensa dos agressores, resultado lógico de “sedução mútua” digna de uma foto de Nobuyoshi Araki? Mas nada disso interessa. O danado do Mapplethor­pe e a rapariga de 26 anos estavam mesmo a pedi-las.

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