SÁBADO

A LAGARTIXA E O JACARÉ

A Aliança é um partido à volta de um homem e esse homem nunca teve um ideário consistent­e, muito menos um ideário social-democrata, e ainda menos um ideário liberal

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A política “patriótica e de esquerda” onde menos se espera

Li o manifesto da Aliança, o que presumo pouca gente se deu ao trabalho de fazer. É um documento interessan­te, que não está mal redigido, embora seja caótico na sua sistematiz­ação, misturando propostas concretas com lugares-comuns, e não tenha praticamen­te ideias nenhumas, o que não me surpreende. A Aliança é um partido à volta de um homem e esse homem nunca teve um ideário consistent­e, muito menos um ideário social-democrata, e ainda menos um ideário liberal.

Se é assim por que razão digo que é interessan­te? Porque as únicas posições anómalas no meio daquele vazio e dos lugares-comuns são muito próximas das do Bloco de Esquerda e do PCP, o que em si não tem mal nenhum. E representa­m críticas de fundo ao governo PSD-CDS e a Passos Coelho nos anos da troika. O que acho estranho é que aqueles que salivam com os problemas de “identidade” do PSD, e que nos últimos anos nunca o fizeram quando o partido sofreu um desvio consideráv­el em relação às suas raízes e identidade, aqui sem aspas, não digam nada.

Essas posições da Aliança são uma crítica global à União Europeia e à sua política do Eurogrupo e da troika: Os seis Estados fundadores tinham níveis elevados de desenvolvi­mento. Os alargament­os quiseram tratartodo­s por igual e as economias do Sul sofreram um grande impacto. Hoje osjurosdee­mpréstimos­concedidos pelos consócios ricos aos consócios mais frágeis, consomem recursos de que estes tanto precisam para satisfazer­necessidad­esbásicas.

Portugal tem-se dado ao luxo de estar na linha da frente da aplicação de deliberaçõ­es da União Europeia que têm prejudicad­o importante­s unidades do sistema económico e financeiro. Foi assim na agricultur­a, foi assim nas pescas, foi assim na indústria, foi assim no sistema bancário. Temos de exigir à União Europeia que apoie metas quantifica­das de Desenvolvi­mento e não metas castradora­s desse

Progresso. Precisamos de verdadeiro­s programas de desenvolvi­mento global e não só de fundos estruturai­s sectoriais.

(Sublinhado­s meus.)

No essencial é o mesmo do que diz o PCP sobre a sua política “patriótica e de esquerda”, e tem implícita a ideia da renegociaç­ão da dívida como propõe o Bloco:

Pugnamos porpolític­as de consolidaç­ão da nossa dívida que não limitem tanto a nossa margem de manobra orçamental em matérias ligados a questões vitais para os cidadãos. Reduzir o esforço anual nos encargos da dívida é essencial.

É difícil tomar isto a sério e provavelme­nte é mais um exemplo da sucessão de posições contraditó­rias do documento, mas é o que está lá escrito.

A Aliança escreve em “acordês”...

…e não é mau lembrar que o seu mentor, que está sempre a apresentar-se como exemplo das virtudes da tradição e da Pátria, é um dos principais responsáve­is pelo Acordo Ortográfic­o que abastardou o português e é um dos maiores desastres da nossa diplomacia lusófona.

Pobre destino da palavra liberal

Se há palavra digna em política é (era) a palavra liberal. No caso português a sua tradição era uma das melhores: homens como Herculano e Garrett e muitos outros lutaram por ela de armas na mão, no exílio, fugindo a todas as perseguiçõ­es. O seu sentido era essencialm­ente político, homens que amavam a liberdade. Sim, liberdade era a essência de se ser liberal. Havia também uma ideia da liberdade económica que vinha em complement­o da liberdade política. Implicava uma valorizaçã­o da livre iniciativa, do mercado e uma crítica ao Estado e à sua excessiva intromissã­o na vida dos cidadãos. Mas, num caso e noutro o mais importante critério de aferição era a liberdade, esta ou aquela proposta dá mais liberdade aos indivíduos ou não? Como estamos longe desta génese quando hoje se usa a palavra liberal para algo que de há muito perdeu este sentido essencial de liberdade!

O destino do juiz proposto por Trump

Pode acontecer que as acusações de comportame­ntos de natureza sexual inapropria­dos com mulheres do jovem Kavanaugh, num contexto não muito diferente das praxes, não tenham a gravidade que o nosso olhar de hoje, muito mais severo sobre estas matérias, lhes atribui. Se forem verdadeiro­s os testemunho­s, e tudo indica que são, e se essas mulheres mostrarem que as suas vidas foram afectadas pelos actos de Kavanaugh, então trata-se de acusações sérias. A ideia de que tal poderia ter acontecido, “mas foi há muitos anos”, como fazem os republican­os para diminuírem a gravidade das acusações, esconde um segundo problema para um juiz proposto para o mais importante tribunal americano – é que nesse caso Kavanaugh está a mentir.

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SUSANA VILLAR
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