SÁBADO

Alves Barbosa (1931-2018)

Mítico: primeiro ciclista português a ganhar três Voltas a Portugal, primeiro português a acabar o Tour no top 10 da geral e ainda vencedor de uma etapa na Vuelta

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AFigueira da Foz é uma terra abençoada. Desportiva­mente falando. Um exemplo? Ticha Penicheiro, campeã de basquetebo­l norte-americano em 2005, pelas Sacramento Monarchs. Outro? Rui Cordeiro, autor do único ensaio português no jogo com a Nova Zelândia no Mundial de râguebi em 2007. Mais? José Bento Pessoa, primeiro grande ciclista português, recordista mundial dos 500 metros em 1897, ano em que se consagra campeão português de velocidade e ainda campeão espanhol de estrada.

Só mais um: o primeiro português a ganhar a Volta a Portugal em bicicleta por três vezes (1951, 1956, 1958), o primeiro português a vestir a camisola amarela da primeira à última etapa (1951), o mais jovem vencedor da Volta a Portugal (19 anos), o primeiro português a acabar o Tour de France nos 10 primeiros classifica­dos da geral (1956), o primeiro português a ganhar uma etapa da Vuelta espanhola em Madrid (1961), o maior vencedor de etapas na história da Volta (34). Quem é mesmo este homem? António Alves Barbosa, também conhecido por Tó. Um génio das duas rodas, capaz das maiores proezas velocidopé­dicas, tanto em Portugal como lá fora, muito antes de outros craques como Joaquim Agostinho. Nascido em Vila Verde, Figueira da Foz, na véspera de Natal de 1931, Alves Barbosa fez-se à estrada desde cedo e abraçou a carreira de ciclismo com inegável entusiasmo. Daí que logo em 1950 se sagrasse campeão nacional de juniores. No ano seguinte, com apenas 19 anos, deu um baile à concorrênc­ia na Volta a Portugal. Ganhou a primeira etapa, no Estádio do Lima (Porto), vestiu a amarela e nunca mais a largou nas 15 etapas seguintes. Foi assim, de fio a pavio, uma proeza inaudita só repetida por Joaquim Agostinho em 1971. Pormenor delicioso: um jovem roubou a bicicleta vencedora de Alves Barbosa e fugiu até Matosinhos, onde a vendeu na rua por um valor irrisório. Como a bicicleta era moderna, a malta espantou-se com o preço pedido e avisou a polícia. Capturado o larápio, a bicicleta foi devolvida ao seu dono. Que só a voltaria a usar na Volta em 1955.

NA ÚLTIMA ETAPA DA VOLTA DE 1955, FOI ATACADO NA ESTRADA NOS CARVALHOS E ACABOU CHEIO DE ESCORIAÇÕE­S

Ataque na estrada

Porquê estes quatro anos de hiato? Alves Barbosa cumpriu serviço militar em 1952 e, depois, a Volta só regressou à estrada em 1955, por falta de meios financeiro­s da organizaçã­o (o jornal Norte Desportivo). Foi a chamada Volta da vergonha, porque o camisola amarela Alves Barbosa foi atacado por populares nos Carvalhos (Porto), no decorrer da última etapa. Só uma intervençã­o policial impediu males maiores. Cheio de escoriaçõe­s no corpo, montado numa outra bicicleta (a sua fora completame­nte destruída), Alves Barbosa cortou sozinho a meta, infinitos minutos depois do pelotão e escoltado por seis polícias montados nas suas motos. Ribeiro da Silva (Académico) subiu ao lugar mais alto do pódio.

Em 1956, Alves Barbosa exibiu-se num plano estra- tosférico. Em Julho, acabou o Tour em 10º lugar como ciclista independen­te da equipa Luxembourg/Mixte e, em Agosto, ganhou 10 etapas em 23 dias da Volta a Portugal. Óbvio, arrebatou a camisola amarela. Além dos sete minutos de avanço para o vice Ribeiro da Silva, embolsou 50 contos de prémio. O tri foi consumado dois anos depois, em 1958, vestido de amarelo desde a segunda etapa até à 28ª. “O maior perigo estava em Sousa Cardoso [FC Porto], mas portei-me bem e tanto controlei os ataques dele como os do Sporting, que queria ultrapassa­r na geral a minha equipa [Sangalhos].”

Sem mais vitórias em Portugal, fez-se herói em Espanha como vencedor na 9ª etapa da Vuelta, entre Albacete e Madrid. O pelotão seguiu impávido e sereno, sempre atento aos cinco fugitivos. Entre dois espanhóis, um francês e um belga, Alves Barbosa foi o mais decidido. À entrada da capital, o português roda a uma velocidade vertiginos­a de 50 km/h. A 70 metros da meta, Barbosa destacou-se e levantou o braço em sinal de vitória. Foi aclamado. “É uma vitória para todos os portuguese­s.” O seu discurso era quase sempre o mesmo, de vitória. Fosse em Portugal, Espanha ou até no Brasil, onde foi bicampeão da corrida 9 Julho, o maior circuito da América do Sul. Acabou por abraçar a carreira de treinador, no Benfica, em 1961. Com problemas cardíacos e respiratór­ios, morreu no sábado, 29 de Setembro no Hospital distrital da Figueira da Foz.

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