HÁ UM CADÁVER. E AGORA?
O caso da morte de Luís Miguel Grilo é um exemplo clássico de como a Polícia Judiciária parte do zero até chegar a um suspeito. Mas nem sempre se consegue.
Antes de se saber que o corpo encontrado no dia 23 de Agosto pertencia a Luís Miguel Grilo, era apenas um corpo que tinha sido encontrado. O primeiro passo das autoridades é procurar na base de dados de pessoas desaparecidas, especialmente da região em causa. Depois, o raio vai-se alargando.
No caso de Luís Miguel Grilo, o raio era de 134 quilómetros: vivia em Cachoeiras, Vila Franca de Xira, e foi encontrado morto na EM 1070, em Avis, Portalegre.
A identificação só foi confirmada alguns dias depois devido ao estado de decomposição de cadáver – Luís Miguel Grilo tinha desaparecido (e aparentemente sido morto) mais de um mês antes. Por vezes não se tem tanta sorte. “Há casos que nunca fo- ram identificados. Estou a lembrar-me de um corpo que apareceu enterrado nuns campos ao pé do IC19, nunca se descobriu quem era sequer”, recorda à SÁBADO o ex-inspector da PJ António Teixeira. O estado do corpo de Luís Miguel Grilo indiciava homicídio – não se tratava do caso típico do atleta de natureza que tem um acidente. Aliás, a PJ já desconfiava de crime depois do telemóvel de Grilo ter sido encontrado a poucos quilómetros de casa, desligado.
O que a polícia faz a seguir é um mapeamento de familiares e amigos próximos, bem como dos últimos movimentos bancários e telefonemas. Estes dois últimos neces-
sitam de uma autorização judicial, bem como qualquer busca domiciliária a suspeitos (a não ser que os próprios o autorizem expressamente por escrito).
“Depois, é procurar a quem poderia estar interessado naquela morte. Ninguém mata por razão nenhuma. Muitas vezes ouve-se dizer ‘ah ele não tinha inimigos…’ Isso é a aparência social. Outra coisa são os bastidores da vida da pessoa…”, diz António Teixeira.
O antigo agente diz que muitas vezes o que se faz a seguir é “deixa-se poisar...” É quase um jogo. Veja-se como neste caso o corpo foi encontrado com uma bala na cabeça e esse detalhe não foi divulgado pelas autoridades. O jornal Expresso escreveu a 29 de Setembro que a PJ pretendia com isto que o assassino não se desfizesse da arma, o que aparentemente foi conseguido.
Dormir com o inimigo
Nesta altura, a polícia já estaria de olho na viúva. Nestes casos, a prudência é fundamental. “Se há suspeita ao nível familiar, tem de se ter muito cuidado ao nível da audição, tem de se explorar melhor, tem de se ser mais cuidadoso nas perguntas.” Vestígios de sangue são também um problema. Imagine-se que era encontrado sangue da vítima no carro de um familiar: este pode sempre dizer algo como “aqui há uns tempos ele por acaso até se cortou”. Quanto ao facto de estar semidespido, era indício forte. “O corpo estava à vista, não estava escondido e estava nu. Era um facto incongruente. Uma coisa lhe garanto, se o indivíduo quando foi morto estava despido (por exemplo, a dormir) ninguém se vai dar ao trabalho de o vestir. A não ser em circunstâncias especiais”, conclui António Teixeira (ver caixa).
Antes da eventual recolha de indícios (sangue, sémen, cabelos, etc.) no local do crime, é importante recolhê-los no cadáver e na sua roupa. No caso de Luís Miguel Grilo havia também o saco de plástico preto que tinha enfiado na cabeça. Aparentemente, foram encontrados vestígios de ADN da viúva.