ONDA DE LIXO ENTRA NO MAAT
Para celebrar o segundo aniversário, o museu à beira do Tejo abre as portas gratuitamente no fim-de-semana em que estreia três novas exposições.
NÃO FOI PRECISO ir longe para arrecadar o lixo oceânico necessário para cobrir a galeria oval do MAAT. O artista japonês Tadashi Kawamata esteve em contacto com os voluntários da Brigada do Mar, que recolhem lixo no mar em praias da costa portuguesa, e em pouco tempo tinha o suficiente para a sua peça, pensada especificamente para o Museu de Arte Arquitectura e Tecnologia (MAAT). Esta obra imersiva, uma exposição de André Príncipe e outra do Artists’ Film Festival são inauguradas esta quinta-feira, 4, ao fim da tarde, abrindo os festejos do segundo aniversário do museu. A programação do aniversário – assinalado a 5 de Outubro – inclui entrada gratuita nas exposições, entre sexta-feira e domingo, e visitas guiadas pelos curadores e pelo próprio director do museu, Pedro Gadanho, que abandonará o cargo em Junho. Na galeria oval, uma onda feita de redes de pesca está ao nível dos pés do visitante assim que entra na sala. Ao fundo, vê-se a popa de uma traineira que parece afundar-se neste véu cheio de curvas e coberto de garrafas de plástico, caixas de esferovite, bidões, sapatos. “O museu está tão perto do rio que pensei como seria se uma onda entrasse por aqui dentro e enchesse esta sala até ao nível da água [do mar]”, explica à SÁBADO Tadashi Kamawata, enquanto se fazem os últimos testes de luz. Depois de descer as escadas para entrar em OverFlow, esta enchente de lixo, fica-se por baixo da superfície pensada pelo japonês: no chão há um pequeno barco afundado, vê-se a proa da tal traineira, de que só se via a popa, e uma data de sombras provocada pelo lixo dá uma dimensão quase fantasmagórica àquele fundo do mar encenado. Tadashi usa frequentemente lixo nas suas obras – em 2016, no Centre Pompidou de Metz, criou uma outra onda, dessa vez
com mobílias usadas, para lembrar o tsunâmi de 2011 no Japão. Agora, em Lisboa, quer falar da poluição dos mares: “Aqui, tão perto da costa, isto tudo ganha um novo significado. Isto tudo chegou pelo vosso mar à vossa costa. Seria muito chocante, mas [se fizesse isto] na costa mediterrânea o mar não traz só lixo, mas também corpos de pessoas que querem chegar à Europa.” No edifício ao lado, na Central Tejo, são inauguradas duas outras exposições: no primeiro piso, o fotógrafo André Príncipe apresenta Elefante, a sua primeira individual em Lisboa, a partir de fotos do seu arquivo. “Quando vim primeiro a esta sala pensei que estes trabalhos eram o elefante na sala – queria uma exposição sobre algo que não queria nomear, que compete ao espectador ver.” Ao todo são 11 fotografias, algumas montadas em painéis, como numa colagem, aliadas à projecção de um vídeo com 86 retratos dos últimos 20 anos, feitos por todo o mundo. Aqui fica claro “o lado transgeográfico do seu trabalho”, nota Ana Anacleto, curadora de Elefante juntamente com João Pinharanda. Na sala das máquinas, no piso superior, está pela terceira vez a mostra do Artists’ Film Festival, desta vez com a curadoria de Maria do Mar Fazenda e com o tema Verdade. Instituições de todo o mundo colaboram com a Whitechapel Gallery para criar esta espécie de exposição itinerante, que em cada cidade se recria, através da perspectiva de cada curador. Maria do Mar Fazenda quis explorar “a pluralidade da verdade” e para isso escolheu o vídeo Mestres da Velocidade, dos portugueses Musa Paradisíaca (Eduardo Guerra e Miguel Ferrão), e somou-lhe um filme do argentino Juan Sorrentino em que um homem apanha sombras de árvores com uma tela em branco, e outro de John Skoog que combina imagens da era de ouro de Hollywood onde só se vêem monumentais paisagens norte-americanas. Fora desta programação, o MAAT receberá ainda a exposição A Língua Portuguesa em
Nós, do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, cujo edifício ardeu em 2015. A inauguração está marcada para sábado, 6, e a mostra exibe, na Central Tejo, algum do acervo do único museu do mundo dedicado a um idioma.
“Aqui, tão perto da costa, isto tudo ganha um novo significado. Isto tudo chegou pelo vosso mar, à vossa costa”, refere o japonês Tadashi Kawamata sobre OverFlow