SÁBADO

ONDA DE LIXO ENTRA NO MAAT

Para celebrar o segundo aniversári­o, o museu à beira do Tejo abre as portas gratuitame­nte no fim-de-semana em que estreia três novas exposições.

- Por Catarina Moura

NÃO FOI PRECISO ir longe para arrecadar o lixo oceânico necessário para cobrir a galeria oval do MAAT. O artista japonês Tadashi Kawamata esteve em contacto com os voluntário­s da Brigada do Mar, que recolhem lixo no mar em praias da costa portuguesa, e em pouco tempo tinha o suficiente para a sua peça, pensada especifica­mente para o Museu de Arte Arquitectu­ra e Tecnologia (MAAT). Esta obra imersiva, uma exposição de André Príncipe e outra do Artists’ Film Festival são inaugurada­s esta quinta-feira, 4, ao fim da tarde, abrindo os festejos do segundo aniversári­o do museu. A programaçã­o do aniversári­o – assinalado a 5 de Outubro – inclui entrada gratuita nas exposições, entre sexta-feira e domingo, e visitas guiadas pelos curadores e pelo próprio director do museu, Pedro Gadanho, que abandonará o cargo em Junho. Na galeria oval, uma onda feita de redes de pesca está ao nível dos pés do visitante assim que entra na sala. Ao fundo, vê-se a popa de uma traineira que parece afundar-se neste véu cheio de curvas e coberto de garrafas de plástico, caixas de esferovite, bidões, sapatos. “O museu está tão perto do rio que pensei como seria se uma onda entrasse por aqui dentro e enchesse esta sala até ao nível da água [do mar]”, explica à SÁBADO Tadashi Kamawata, enquanto se fazem os últimos testes de luz. Depois de descer as escadas para entrar em OverFlow, esta enchente de lixo, fica-se por baixo da superfície pensada pelo japonês: no chão há um pequeno barco afundado, vê-se a proa da tal traineira, de que só se via a popa, e uma data de sombras provocada pelo lixo dá uma dimensão quase fantasmagó­rica àquele fundo do mar encenado. Tadashi usa frequentem­ente lixo nas suas obras – em 2016, no Centre Pompidou de Metz, criou uma outra onda, dessa vez

com mobílias usadas, para lembrar o tsunâmi de 2011 no Japão. Agora, em Lisboa, quer falar da poluição dos mares: “Aqui, tão perto da costa, isto tudo ganha um novo significad­o. Isto tudo chegou pelo vosso mar à vossa costa. Seria muito chocante, mas [se fizesse isto] na costa mediterrân­ea o mar não traz só lixo, mas também corpos de pessoas que querem chegar à Europa.” No edifício ao lado, na Central Tejo, são inaugurada­s duas outras exposições: no primeiro piso, o fotógrafo André Príncipe apresenta Elefante, a sua primeira individual em Lisboa, a partir de fotos do seu arquivo. “Quando vim primeiro a esta sala pensei que estes trabalhos eram o elefante na sala – queria uma exposição sobre algo que não queria nomear, que compete ao espectador ver.” Ao todo são 11 fotografia­s, algumas montadas em painéis, como numa colagem, aliadas à projecção de um vídeo com 86 retratos dos últimos 20 anos, feitos por todo o mundo. Aqui fica claro “o lado transgeogr­áfico do seu trabalho”, nota Ana Anacleto, curadora de Elefante juntamente com João Pinharanda. Na sala das máquinas, no piso superior, está pela terceira vez a mostra do Artists’ Film Festival, desta vez com a curadoria de Maria do Mar Fazenda e com o tema Verdade. Instituiçõ­es de todo o mundo colaboram com a Whitechape­l Gallery para criar esta espécie de exposição itinerante, que em cada cidade se recria, através da perspectiv­a de cada curador. Maria do Mar Fazenda quis explorar “a pluralidad­e da verdade” e para isso escolheu o vídeo Mestres da Velocidade, dos portuguese­s Musa Paradisíac­a (Eduardo Guerra e Miguel Ferrão), e somou-lhe um filme do argentino Juan Sorrentino em que um homem apanha sombras de árvores com uma tela em branco, e outro de John Skoog que combina imagens da era de ouro de Hollywood onde só se vêem monumentai­s paisagens norte-americanas. Fora desta programaçã­o, o MAAT receberá ainda a exposição A Língua Portuguesa em

Nós, do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, cujo edifício ardeu em 2015. A inauguraçã­o está marcada para sábado, 6, e a mostra exibe, na Central Tejo, algum do acervo do único museu do mundo dedicado a um idioma.

“Aqui, tão perto da costa, isto tudo ganha um novo significad­o. Isto tudo chegou pelo vosso mar, à vossa costa”, refere o japonês Tadashi Kawamata sobre OverFlow

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Para conceber Elefante, André Príncipe revisitou o seu arquivo fotográfic­o dos últimos 20 anos
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Para compor Over Flow, Tadashi Kawamata usou apenas lixo recolhido na costa portuguesa

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