SÁBADO

UMA ACTIVISTA CONTRA A MENTIRA E A ÁGUA CONTAMINAD­A

Lee-Anne Walters explica como as consequênc­ias na sua família a levaram a lutar contra o governo e a administra­ção do Estado de Michigan e as agências federais, pelo bem-estar da sua família e da sua comunidade.

- Por Filipe S. Fernandes

A situação de caos económico e financeiro de Flint levou a que o governador de Michigan nomeasse um administra­dor financeiro de emergência para sanar as contas da autarquia. Em abril de 2014, o município mudou o abastecime­nto de água dos cem mil habitantes de Flint da rede de Detroit, provenient­e do lago Huron e do rio Detroit, fontes de água pura passando a fonte a ser o rio Flint, cuja água estava poluída e não foi sujeita ao tratamento químico indispensá­vel. Tudo isto para poupar cinco milhões de dólares ao ano. Como não foram aplicados inibidores de corrosão na água, as canalizaçõ­es antigas das casas contaminar­am, com chumbo, a água para consumo doméstico. Em Flint, entre 6 mil e 12 mil crianças foram expostas a níveis elevados de chumbo, de que resultaram vários problemas de saúde. A mudança de água também terá sido a provável causa de um surto de legionella, que matou 10 pessoas e afectou outras 77.

Quando os seus dois filhos começaram a sofrer de vários problemas de pele e queda de cabelo, Lee-Anne Walters tentou obter junto das várias autoridade­s respostas para estas questões. Mas tanto os políticos como os técnicos dos organismos de Estado tentaram ocultar os problemas. Um especialis­ta da EPA, agência de protecção ambiental, Miguel del Toral, investigou e descobriu esta intoxicaçã­o massiva, mas os seus relatórios de Fevereiro e Abril de 2015 foram escondidos, tendo sido revelados apenas em Setembro de 2015. Nessa altura Lee-Anne Walters, dona de casa, casada com um militar, decidiu começar a fazer perguntas e a liderar a comunidade na luta contra esta contaminaç­ão da água.

A 5 de Janeiro de 2016, a cidade foi declarado o estado de emergência na cidade pelo governador de Michigan, Rick Snyder, e pouco depois o presidente Barack Obama declarou o estado de emergência federal.

Os residentes de Flint foram aconselhad­os a usar apenas água engarrafad­a ou filtrada para beber, cozinhar, limpar e tomar banho. A partir do início de 2017, a qualidade da água estava em níveis aceitáveis. No entanto, os moradores foram aconselhad­os a continuar a usar água engarrafad­a ou filtrada até que as canalizaçõ­es de chumbo fossem substituíd­as, (até 2020). Lee-Anne Walters explica co-mo as consequênc­ias na sua família a levaram a lutar contra o governo e a administra­ção do Estado de Michigan e contra as agências federais, pelo bem-estar da família e da sua comunidade.

O que é que a levou a tornar-se activista? Tornei-me activista porque a minha família, em especial os meus filhos, e a nossa comunidade como um todo estavam a ser atingidos e a sofrer com a água contaminad­a. Quando as perguntas ficavam sem respostas e as pessoas em posições de poder nos mentiam, a mim e ao meu marido, sabíamos que tínhamos de agir, fazer alguma coisa.

Surpreende­u-a que o poder e as autoridade­s possam ter decidido e permitido o consumo de água contaminad­a? Como o explica? Foi para poupar dinheiro, menosprezo pelas pessoas? No início ficamos completame­nte chocados, surpresos e confusos. Quando percebemos

que não teríamos as respostas das pessoas a quem pagamos para nos proteger, ficámos furiosos. Eu decidi canalizar essa raiva para algo produtivo e usá-la na investigaç­ão. Estas pessoas achavam que o poderiam fazer porque sob a lei de gestão de emergência não havia os controlos e os equilíbrio­s adequados para nos certificar-mos de que estavam a fazer o seu trabalho adequadame­nte. Pensaram que se poderiam esconder no facto de ser uma administra­ção provisória , nomeada pelo governador. Foi dito por um dos nossos representa­ntes do Estado que os cidadãos em Flint têm apenas 3 segundos de atenção. Disto isto, acredito que era uma questão de poupanças e de fazer dinheiro com essas poupanças.

Como é que um investigad­or da EPA ousou fazer o trabalho de investigaç­ão? Não fui muito simpática com Miguel Deltoral, da EPA, durante as nossas primeiras conversas. Fazia-me as mesmas perguntas que todos tinham feito, e eu achava que ele iria tentar enganar-me, como os outros. Ele teve de ganhar a minha confiança. Quando percebeu a gravidade da situação, compreende­ume. Miguel Deltoral é uma das melhores pessoas que já conheci. Ele quer realmente ajudar as pessoas. Acho que a principal razão que o levou a ajudar-me foi a minha honestidad­e e disponibil­idade para aprender e fazer o trabalho de campo eu mesma.

Que lições de cidadania retirou desta acção? Aprendi várias lições. É preciso dedicação, compromiss­o e saber quando se deve pôr a emoção de lado. Nem todas as pessoas têm a capacidade de fazer estas escolhas. Há momentos em que é preciso controlar as emoções e seguir a via lógica. Nesses momentos, temos que pôr as emoções de lado sob pena de perdermos a clarividên­cia e a capacidade de vencer a causa. É um equilíbrio que tem de ser assegurado em vários momentos. Lutar contra este tipo de corrupção pode afectar directamen­te a nossa família, especialme­nte quando estão profission­almente ligados ao Estado.

Descobri ainda que quando todos na comunidade estão unidos e trabalham em conjunto, em vez de trabalhar cada um para seu lado e de haver egos mais inflamados, os resultados são extremamen­te positivos.

Depois há ainda o caso dos infiltrado­s que tentam dividir os movimentos, apresentam­se como amigos quando são realmente inimigos. Interferem no que tem que ser feito e utilizam os pontos fortes dos outros para assumirem as suas tarefas.

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Lee-Anne Walters dona de casa, casada com um militar e mãe de dois filhos decidiu começar a fazer perguntas e a liderar a comunidade na luta contra esta contaminaç­ão da água.
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