ESTUDANTES PAGAM MUITO POR QUARTOS
Consultámos portais na Internet, perguntámos em cafés e pedimos ajuda a porteiras. Concluída a terceira fase de colocação no ensino superior, a SÁBADO tentou arrendar quarto em Lisboa. Encontrámos o melhor e o pior.
Os preços ultrapassam os 400 euros, há casos em que têm de levar os tachos e alguns até dividem beliches
s expectativas eram baixas. O anúncio, publicaAdo
num dos sites de arrendamento de quartos BQuarto, descrevia o quarto como “excelente”, “mobilado de novo” e com “muito bom ambiente”, mas não revelava qualquer imagem da divisão. “Um mau sinal”, pensei. Ainda assim o preço era elevado: 400 euros por 15 m2, com despesas incluídas, junto à estação de metro dos Olivais. Concluída a terceira fase de candidatura ao ensino superior, ainda há quartos disponíveis para quem, entre os mais de 27 mil estudantes que vivem fora de Lisboa e querem estudar na capital, não têm onde viver. A escolha, no entanto, resume-se ao muito bom e caro e ao péssimo.
O problema reside na falta de oferta e no aumento da procura. Portugal tem recebido cada vez mais estudantes estrangeiros. Em 2016, o número atingiu os 42.500, segundo dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, mais 48% do que em 2011, segundo a consultora imobiliária Savills. “As nossas faculdades são cada vez mais conceituadas lá fora e o País é procurado pelo custo de vida ainda acessível e pelo clima. A procura é cada vez maior, mas não há oferta. As residências universitárias públicas e privadas existentes no País cobrem só 2% das necessidades”, explica à SÁBADO Paula Sequeira, directora de Investimento da Savills Aguirre Newman Portugal.
Canos entupidos
Sem residências universitárias, os estudantes ficam limitados aos quartos alugados por particulares. Alguns com condições muito fracas – como descobrimos nos Olivais. O preço baixou consideravelmente após os primeiros minutos de conversa ao telefone. “Fazemos um ajuste ao preço. Peço 400 euros para afastar pessoas sem educação. São 330 euros com tudo incluído. Para quem é?”, pergunta a proprietária. “É para a minha irmã, ela vive na Sertã e vem estudar para Lisboa”, explico, uma história criada para perceber afinal como é que os estudantes universitários conseguem encontrar quartos na capital. O apartamento, com dois quartos e situado no topo de uma torre de apartamentos com vista para o Parque das Nações, está ocupado há dois meses por uma assistente de bordo, de 25 anos. Estava no quarto agora vago, mas aproveitou a saída da antiga inquilina para se mudar para a divisão maior e ainda tem os sacos e as malas em cima do roupeiro. O quarto parece mais pequeno do que o anunciado e a mobília está longe de ser nova. Há uma secretária e uma cadeira junto à porta e a janela, estreita, revela o único ponto positivo da divisão: vista para o Tejo. O apartamento é antigo: a cozinha ainda tem lava-loiça em pedra e há problemas na canalização. “Houve um entupimento, por isso é que estão trapos aí no chão.” Os utensílios de cozinha são escassos. “A sua irmã vai ter de comprar panelas, porque há poucas. Eu vou comprar para mim”, explica a assistente de bordo, enquanto abre e fecha os armários. A senhoria não passa recibo. “Não faço contratos. Tem de pagar o primeiro mês e o último mês de permanência e pode ficar o tempo que quiser.”
Beliches por 250 euros
O BQuarto é, como o EasyQuarto e o Uniplaces, um dos sites onde se podem encontrar quartos para estudantes. Só no primeiro estão registados 3.132 anúncios de quartos para arrendar no distrito de Lisboa. Mas também se encontram quartos em sites de classificados, como o OLX e o CustoJusto, em imobiliárias como a Idealista e em grupos no Facebook. E há de tudo: de beliches por 250 euros em quartos para quatro pessoas, até divisões em apartamentos com terraço no centro de Lisboa, com casa de banho privativa por 800 euros. “Desde 2014 que os preços têm subido. Os senhorios modificaram os espaços para receber os turistas e abandonaram os estudantes”, diz António Costa, criador e gestor da BQuarto. “No Porto, há menos senhorios e só se sentiu a subida de preços o ano passado. Em Coimbra não se nota tanta especulação porque é uma cidade muito orientada para os estudantes.” Algumas remodelações pecam pelo minimalismo: nos Olivais, oferece-se um quarto de 10 m2
por 380 euros, mas a cama é feita de paletes. Também há anúncios que levantam suspeitas. No EasyQuarto oferece-se um quarto por apenas 100 euros na Mouraria. A divisão está mobilada com móveis velhos e parece ser mais uma arrecadação. Mas é o pedido feito pelo proprietário na descrição que arrepia: “Colega de quarto ideal: feminino, de 33 a 39 anos.”
A caminhar pelas ruas da cidade é ainda mais difícil encontrar quarto. Comecei por perguntar nos cafés da Ameixoeira, quase na periferia. “Aqui, perto do metro, não há nada. Quando aparece algum quarto, desaparece em poucas horas”, garante-me o empregado do Café Ameixa. No Campo Grande, sugerem-me que pergunte às porteiras.
Acordar às 5h15
“Aqui já houve quem arrendasse, mas não há nada agora”, diz-me uma delas. Outra porteira, vestida de bata a conversar com uma vizinha na rua, prepara-me para a dificuldade que vou encontrar. “Já é muito tarde para estar à procura de quarto. Está tudo ocupado por aqui.” O tema interessa à vizinha, uma reformada que aproveita para criticar o Governo. “Eu vi ontem no jornal, é uma vergonha, os quartos estão tão caros.” E aponta uma solução. “O Governo devia era fazer uma espécie de ATL para os estudantes. Pagavam todos o mesmo, uns 200 euros, e ainda ganhava com isso.”
Joana Vieira, de 17 anos, veio do Porto para estudar Artes e Humanidades, na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, e ainda não encontrou quarto. “Estou em casa de uns familiares de amigos, em Setúbal, até encontrar algo”, conta. Teve vaga numa residência de estudantes, onde iria pagar 73 euros. “Mas é na Cruz Quebrada [em Oeiras], tenho de apanhar dois autocarros e demoro mais de uma hora e meia até à faculdade. Desisti.”
Os quartos que tem visitado são demasiado caros – mais de 300 euros – para o que pode pagar e está a pensar noutra solução. “Juntei-me a mais quatro raparigas e estamos a tentar encontrar um apartamento.” Até lá, acorda às 5h15 da manhã para chegar às aulas que começam às 8h. Alguns estudantes mudam de planos na segunda fase de colocação. Filipa, de 18 anos, vive no Entroncamento e procurou quarto em Lisboa depois de ter sido colocada na Faculdade de Letras. “Visitei dois quartos, perto do Saldanha, pediam 350 euros e eram minúsculos”, conta. Na segunda fase, inscreveu-se em enferma-
gem e entrou em Portalegre. “Fui lá e encontrei um quarto grande por 140 euros.”
Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa há poucos alunos a percorrerem os corredores. Nos painéis informativos, onde antes se afixavam dezenas de anúncios de quarto, encontro apenas dois. Um deles, riscado e com erros, oferece um quarto “amplo mobilado” perto do Lumiar que ainda está vago. “Está ocupado por uma senhora, psicóloga, mas ela vai-se embora no fim do mês. Apanhei-a a estender roupa molhada dentro do quarto e não pode ser”, diz-me ao telefone a senhoria, que divide o apartamento com mais um estudante. “A casa é muito grande. Peço 300 euros com todas as despesas incluídas. E olhe que os preços subiram, mas eu não aumentei porque os pais dos alunos têm muitas dificuldades para pagar”, explica. “Já tive o quarto no OLX [portal de anúncios classificados] e tive muitos pretendentes, mas a senhora não abre a porta para as visitas. Quando ela sair vou colocá-lo outra vez na Internet.”
Quarto vago em Loures
O outro anúncio oferece dois quartos, numa vivenda geminada com logradouro e churrasco, em Benfica, junto à estação de comboios. “No primeiro andar, quatro quartos espaçosos (entre 10 e 14 m2) com camas de casal. Tem ainda um quarto espaçoso no 2º andar (25 m2).” O primeiro custa 330 euros, o segundo 380 euros. Mas já estão ocupados.
Na Faculdade de Direito, encontrámos três anúncios afixados junto à Associação Académica. Apenas um, escrito à mão, oferece um quarto em Lisboa de 12 m2 por 400
euros. “Já foi alugado há algumas semanas. Ainda não tive tempo de ir à faculdade tirar o papel”, desculpa-se uma rapariga ao telefone. Os outros dois anúncios oferecem preços mais acessíveis. Em Odivelas, a cinco minutos do metro, há uma casa com três quartos a partir dos 180 euros. Não temos sorte. “Estão todos ocupados.” A outra possibilidade fica ainda mais longe, a cerca de 15 km do Campo Grande, no Infantado, Loures. Talvez por essa razão, ainda está vago. “São 300 euros mais despesas, que até agora têm sido mais ou menos 50 euros”, explica a moradora, estudante de Direito e filha dos proprietários do apartamento. O único transporte é o autocarro que pára na rua e demora 15 minutos até ao Campo Grande. “Passa recibo?”, perguntamos. “Não estou a pensar nisso.”
Passo ainda pelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, em Chelas, onde está decorrer a recepção ao caloiro. Ali, há apenas um anúncio: “Aluga-se quarto a estudante (metro: Chelas), 350 € despesas incluídas + Net + Limpeza.” Ocupado.
Nas Olaias, o desespero pela procura de quarto passa mesmo por afixar anúncios no café. “Procuro quarto na zona. Com urgência! Pago bem!” Mas não há oferta. “Aqui está tudo saturado”, garante-nos a senhora atrás do balcão da pastelaria Princesinha de Olaias. Mais adiante, na Ala-
meda, a resposta não difere. “Isto está mal. Já passaram tantas pessoas a perguntar o mesmo”, dizem-me na Padaria Sabrosa. Nos Anjos, apontam o dedo ao turismo. “Por aqui, está tudo alugado aos turistas: os quartos, as residenciais, os hostels. Não há nada para os estudantes”, garantem-me na Confeitaria Delta.
Quarto com serviço de hotel
De volta à Internet. Os anúncios que coloquei no BQuarto e na EasyQuarto dão resultado: recebo 18 mensagens de senhorios a oferecerem quartos. Todos acima dos 400 euros. Um deles foi enviado pelo concierge de uma residência de estudantes de luxo, si- tuado no centro de Lisboa. Na Collegiate Marquês de Pombal o alojamento mais barato custa 728 euros por mês e é para uma suíte num apartamento de dois quartos, com kitchenette.
Mas há mais caro. Nas Laranjeiras há um quarto com 17 m2 por 790 euros por mês. “Só alugo por semestres porque as raparigas não se dão bem. Cria-se um mau ambiente impossível. E assim eu tenho mais controlo sobre a casa”, diz a senhoria. O preço é justificado pela limpeza semanal dos quartos e áreas comuns, bem como a mudança da roupa da cama e das toalhas da casa de banho. “Eu não levo barato, mas ofereço outras condições.”
O quarto tem uma decoração moderna – a cabeceira da cama está decorada com um peixe colorido – e um roupeiro, uma secretária, uma sapateira, uma estante alta e uma televisão. A cozinha está remodelada, tem espaço para uma mesa de madeira e cadeiras, e está equipada com máquina de lavar loiça e roupa. Tanto na cozinha como na casa de banho estão afixados cartazes a enumerar as regras de cada divisão, como retirar os cabelos do ralo da banheira com um papel depois do duche. “É preciso escrever isto porque as miúdas não sabem.” O apartamento está ocupado por duas estudantes de Erasmus que partilham o quarto mais caro, 890 euros. “São amigas e vieram de uma das repúblicas da exUnião Soviética. O pai de uma delas veio cá trazê-las.” A empregada vai todas as semanas e faz um relatório. “É a casa onde nasci, quero-a bem cuidada – tive cá uma miúda que lavava a cabeça no lava-loiça e entupiu os canos.” Defende que o preço é adequado. “Os preços estão caros porque é a lei do mercado: há muita procura e pouca oferta. O Estado culpa os privados, mas quanto património têm a Câmara de Lisboa e o Estado fechado? Se quisesse ganhar dinheiro colocava dois beliches na sala e cobrava 300 euros por cada um.”
Paredes com humidade
O passeio por Lisboa também dá frutos. “Conheço um rapaz que costumava ter quartos aqui, no prédio em cima. Não sei se ainda tem”, diz-me a empregada de um dos cafés do Spacio Shopping, nos Olivais, enquanto escreve um contacto num guardanapo. Leonardo, brasileiro, tem dois quartos para arrendar, um com 10
m2 por 330 euros e outro, maior, com 12 m2, com cama de casal, por 400 euros. “O meu trabalho é alugar quartos e não tenho muito tempo. Vamos despachar isto, me chama no WhatsApp que eu lhe envio as fotos dos quartos.” As imagens que chegam são do quarto mais pequeno, onde o roupeiro tapa metade da janela, as paredes parecem manchadas de humidade e não há espaço para uma secretária. Tentamos marcar uma visita ao apartamento, um T5 habitado por um casal português, dois amigos brasileiros, um belga e um angolano. Mas, depois de vários telefonemas e com visita marcada, perdemos o quarto. “Tenho uma pessoa interessada. Ele até quer transferir-me já os primeiros dois meses. Se quiser tem de vir agora”, diz Leonardo. Não podemos largar tudo e ir a correr para os Olivais. Resultado? “Então a visita fica sem efeito. Vou arrendar o quarto.”