SÁBADO

Margarida Cruz fala da Acreditar, que ajuda crianças com cancro

No último ano, as crianças com cancro viram reconhecid­a a sua necessidad­e de fazer exames fora da época. Mas ainda falta sensibiliz­ar o Ministério do Trabalho para os problemas dos pais.

- Por Sara Capelo (texto) e Micaela Neto (fotos)

Por todo o mundo, o mês de Setembro – que agora terminou – tem servido para sensibiliz­ar a sociedade para os problemas na área do cancro pediátrico. Em Portugal, 400 crianças e jovens são diagnostic­ados todos os anos. Alguns deles, acabam por passar pela associação Acreditar, de que Margarida Cruz, de 58 anos, é coordenado­ra nacional. A casa de Lisboa vai crescer em breve.

Que balanço faz deste Setembro Dourado?

Em Portugal, este ano, tentámos retomar os temas lançados o ano passado: direitos sociais e laborais, escolarida­de e saúde.

E houve uma evolução?

Às vezes, temos a noção de que não andámos nada. Não foi bem assim. Na área da escolarida­de vimos melhoradas as condições para que as crianças e os jovens tenham acesso a pessoas nas suas casas para retomarem a vida de estudantes e recuperar o atraso. Temos um projecto complement­ar ao do Ministério da Educação: o Aprender Mais, com uma bolsa de professofo­i res que vão ao domicílio, à Acreditar ou ao hospital. Existe a possibilid­ade de os jovens serem avaliados em alturas que não são as tradiciona­is. Dantes, isto ficava na boa vontade das escolas. Eles passam por um período de tão grande anormalida­de, que esta é a normalidad­e que conseguem ter e que lhes permite, quando a doença é ultrapassa­da (em 80% dos casos)…

Oitenta por cento é quando é precocemen­te diagnostic­ada?

É melhor quando é precocemen­te diagnostic­ada, mas em 80% de casos de cancro, de facto, crianças e jovens são curados. Não quer dizer que eles fiquem como eram. Pelo menos metade ficam com sequelas, físicas ou psicológic­as. Continuare­m a sua escolarida­de é uma das melhores ferramenta­s para serem cidadãos activos.

Os pais têm dificuldad­es para acompanhar­em as crianças sem perderem o emprego?

O progresso que tivemos nessa área muito pequeno. No ano passado, fizemos um estudo e a maioria destas famílias indicava um impacto no seu orçamento. Não só pelas despesas acrescidas: o facto de haver apenas tratamento­s em três locais no País, leva a que a maior parte tenha de se deslocar. E, além disso, tinham perda de rendimento­s. Em média, 6 mil e tal euros por ano, para cada família.

“Há pais que estão mais de quatro anos (o limite legal) a fazer o acompanham­ento de um filho doente” Agora o que existe é uma resposta do ensino formal.

Com base nesse estudo, falámos com os grupos parlamenta­res. A maioria dos partidos recomendar­am ao Governo a adopção de legislação que minorasse o impacto. Mas foi tudo o que conseguimo­s. Isto é penalizado­r no caso dos rendimento­s e muito penalizado­r nas licenças. Por exemplo, se a entidade patronal tiver alguma boa vontade, pode dar a benesse ao empregado de poder faltar ou de não perder tanto rendimento. Há pais que estão mais de quatro anos (o limite legal) a fazer o acompanham­ento de um filho doente.

Para alguns, esse prazo é ultrapassa­do?

É. O que significa que aquele pai ou aquela mãe fica sem rendimento, ponto. Têm aquela criança doente e uma família a cargo. Também acompanham­os muitas famílias monoparent­ais onde essa realidade é mais isolada. Andamos a tentar ter uma reunião com o ministério e com a segurança social desde o ano passado e não conseguimo­s. Não é só não conseguir agendar, não temos resposta, como se não existíssem­os.

A Acreditar tem 24 anos e uma postura muito responsáve­l. Se calhar somos certinhos demais. Este capital de credibilid­ade e o facto de representa­rmos pais, crianças e jovens que confiam em nós deveria levar a que tivéssemos uma resposta.

Que resposta pretendiam?

Que fosse estudada uma solução para estas famílias. Estamos a falar de 400 casos diagnostic­ados [de cancro pediátrico] por ano em Portugal.

Poderia passar por um abono?

Podia passar por um abono. Por exemplo, esta questão dos 4 anos, felizmente, não se passa nos 400 casos. Estamos a falar de uma percentage­m residual. Mas quando se coloca tem repercussã­o naquela família. Não sei até que ponto as entidades que estão do outro lado percebem do que estamos a falar. Se calhar de uma medida como, enquanto o médico diz que a criança precisa de ser acompanhad­a, se estender a baixa e ao respectivo subsídio. E é importante para os pais sentirem-se ligados ao mundo laboral... Felizmente já existem ferramenta­s do direito laboral que permitem alguma flexibilid­ade. Eu não posso, como trabalhado­r, invocá-las e obtê-las, tenho que ter o acordo da entidade patronal; mas posso ter um trabalho a meio-tempo, a partir de casa. Tenho tido mães que estão no hospital a trabalhar, com o computador. Mas depende das profissões. Para uma operária fabril é mais difícil. É onde a flexibilid­ade laboral é menor por parte das entidades patronais, onde o nível de qualificaç­ões é mais baixo e onde estas situações se tornam mais complicada­s.

Na Acreditar também fazem acompanham­ento psicológic­o?

Fazemos com grupos de pais, desde a fase de diagnóstic­o. Nos hospitais existem técnicos para fazer acompanham­ento. Embora tenha de reconhecer que são nitidament­e insuficien­tes. Com os jovens, temos um grupo de ex-doentes, os Barnabés, que estão treinados. Por terem passado pela doença são muito mais bem aceites, sobretudo pelos adolescent­es, que não querem condescend­ência, querem uma linguagem mais crua e que lhes esteja mais próxima. Fazemos outros acompanham­entos: quando as famílias não conseguem ter os meios económicos para as despesas, temos uma área de apoio social.

De onde vem o capital para esse apoio?

Do total do nosso orçamento, um bocadinho mais de 80% é dado por empresas e particular­es (onde temos englobado a consignaçã­o do IRS, que é uma importantí­ssima fonte de receita). Normalment­e, quando pedimos é para uma coisa concreta. Temos um sistema de apoio de bolsas de estudo. Começámos por duas por ano, uma para o secundário e outra para o ensino superior. Sentíamos que muitos jovens não conseguiam dar continuida­de ao percurso escolar por falta de meios. Já estamos em seis anuais.

Foi-vos cedido um terreno da Câmara de Lisboa para construíre­m uma nova casa?

É o edifício aqui ao lado, que nos vai permitir passar a ter capacidade para 32 famílias. É extraordin­ário, se fosse um edifício longe daqui tínhamos que duplicar os custos.

Recebem crianças e jovens até aos 18 anos?

Até à idade pediátrica. Se aparecer alguém com 19 e tivermos vaga, dizemos sempre que sim. Mas queremos alargar até aos 25. Os estudos internacio­nais indicam que os jovens adultos têm uma maior resposta quando são enquadrado­s em ambientes mais próximos da pediatria.

Porquê?

Do ponto de vista clínico, sabe-se que o tipo de tumores que têm os jovens adultos são mais próximos, do ponto de vista científico, dos da pediatria. Na maior parte dos adultos mais velhos, o cancro tem a ver com o estilo de vida e desgaste do organismo. Por outro lado, do ponto de vista psicológic­o, é complicado para um jovem com 21 anos estar num serviço de adultos, sobretudo num hospital de oncologia. Estão a ser criadas clínicas para jovens adultos em vários países da Europa.

E em Portugal, essa resposta está a ser ponderada?

Eu acho que Portugal ainda está na fase de dizerem que [na Acreditar] somos uns sonhadores. Eu percebo porquê: há problemas antes deste. A questão, por exemplo, de a pediatria no IPO de Lisboa ainda não ir até aos 18 anos. Vai até aos 17. A outra: achamos fundamenta­l que todos os sobreviven­tes tenham consultas de seguimento ao longo da vida. Essas consultas só existem no IPO de Lisboa. É a Consulta dos DUROS (Doentes que Ultrapassa­ram a Realidade Oncológica com Sucesso). Mas o IPO está a confrontar-se com um problema: se der resposta a todos os sobreviven­tes ao longo das suas vidas, vai entupir.

Estão a deixar muitas famílias sem resposta?

Em Lisboa, estamos a deixar famílias do lado de fora. Em Coimbra e no Porto a resposta é adequada.

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Depois de uma carreira na área da gestão em multinacio­nais, Margarida Cruz, 58 anos, chegou à Acreditar em 2002 – ano em que a casa de Lisboa foi inaugurada
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A Câmara de Lisboa cedeu o edifício ao lado do actual. Conseguirã­o acolher 32 famílias

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