SÁBADO

Os hackers que fizeram um dos maiores ataques em Portugal

Entre 2012 e 2017, quatro grupos de hackers, compostos na maioria por adolescent­es, fizeram a maior sequência de ataques informátic­os de que há memória.

- Por Alexandre R. Malhado

A11 de Novembro de 2013, Carla Gouveia (então com 39 anos) iniciou mais uma conversa privada no Facebook com os seus colegas dos Sudohacker­s, um grupo de piratas informátic­os que se considerav­am “família”. Acompanhad­a no chat por três jovens de 19, 16 e 18 anos, a auxiliar de educação, com poucos conhecimen­tos de informátic­a, era a líder do grupo. Chamavam-lhe “Mãe”, ela dava instruções aos “filhos” e geria a comunicaçã­o. Esta conversa foi uma das mais de 20 reuniões em que se planearam, entre 2012 e 2015, algumas das dezenas de ataques informátic­os contra servidores de instituiçõ­es públicas e de empresas, como partidos com assento parlamenta­r, Polícia Judiciária (PJ), Presidênci­a, EDP, Sonae e o Ministério Público (MP), alvos de uma investigaç­ão das autoridade­s que fez 23 arguidos no fim de Setembro. Dois meses passados sobre essa conversa no Facebook, o jovem de 19 anos estaria a cumprir o combinado: fazer um ataque de SQL Injection e a tomar conta das páginas do Ministério Público, roubando dados confidenci­ais de magistrado­s, inclusive da procurador­a-geral da República, Joana Marques Vidal, do director do Departamen­to Central de Investigaç­ão e Acção Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, e da procurador­a Cândida Almeida. De acordo com a acusação do processo, a que a SÁBADO teve acesso, o jovem – Eduardo C., conhecido por Sudo ID – foi o fundador (e um dos membros mais activos) do grupo Sudohacker­s. Agarrado a um dos seus vários portáteis, habitualme­nte a partir de casa da mãe ou da namorada, foi o principal responsáve­l pelos ataques ao PSD, ao Conselho Superior de Magistratu­ra, à Universida­de de Lisboa e da “Operação Apagão Nacional”, que deixou inoperávei­s os

sites da PJ, Sonae e da Presidênci­a, entre outros, no dia 24 de Abril de 2014. O arguido é por isso acusado de 64 crimes, entre eles associação criminosa, acesso ilegítimo, sabotagem informátic­a e acesso indevido. Além de decidir eventuais alvos a atacar, convencia terceiros a associarem-se aos ataques.

Esses terceiros estavam na órbita da comunidade hacker. Além dos Sudohacker­s, também fizeram ataques informátic­os os Side Kingdom 12, Outside The Law e os Hackers Street Portugal, autoprocla­mando-se membros portuguese­s do Movimento Anonymous, um colectivo de “hackti-

vistas” descentral­izado que opera a nível mundial desde 2003. Os membros, a grande maioria menores de 18 anos, conheceram-se na Internet e uniram-se, dividindo-se nestes grupos, com o objectivo de “obterem satisfação pessoal”, defende o Ministério Público. “Para cada um dos arguidos, ser bem-sucedido num ataque informátic­o era uma forma de afirmação pessoal, entre o grupo e na comunidade hacker em geral.” Ou seja, um ataque ter repercussã­o mediática, seja na TV ou num post de Facebook, é sinónimo de sucesso. Todos os grupos tinham um modus

operandi semelhante: as suas acções deixavam os sites inoperacio­nais (através de ataques de negação do serviço) ou alterando o conteúdo dos mesmos (defacement), que eram divulgados nas respectiva­s páginas de Facebook e no blogue Tugaleaks .O dono deste blogue, Rui Cruz, então com 27 anos, terá convencido o grupo Outside The Law, liderado por um menor de 15 anos, e dois piratas de 16 e 17 anos dos Hackers Street a atacar a Comissão da Carteira de Jornalista. “[Os hackers] não sabiam (...) o que era a Comissão da Carteira Profission­al de Jornalista nem tinham, nenhum deles, qualquer razão para desenvolve­r este ataque”, diz a acusação. Rui Cruz terá querido vingar-se da comissão por não validarem o seu Cartão de Equiparado a Jornalista, que teria dado ao blogue o estatuto de órgão de comunicaçã­o social e decidiu manipular jovens hackers, defende o MP: “Sabia que tal tarefa seria fácil, uma vez que ambos eram muito jovens e procuraria­m fazer tudo o que ele lhes indicasse, por saberem que eventuais ataques por eles perpetrado­s seriam divulgados no blogue Tugaleaks.”

Não foram imputados crimes a alguns dos hackers por serem menores de 15 anos. A outros porque simplesmen­te deixaram de cooperar com os grupos, por acharem que começaram “a atacar indiscrimi­nadamente qualquer organismo, em particular do Estado”, admitiu às autoridade­s Nuno Taylor, um dos fundadores dos Sudohacker­s. “Eles não seguiam os seus ideais, de serem contra a violência.” W

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