Portugal O estilo de Marcelo: os truques e as manias do Presidente
Faz de analista da bola, mas há temas que nunca comentou. Sorri, mas só diz o que quer. As aparências iludem.
Fala de bola e da temperatura da água e até parece que fala de tudo, mas é engano. O Presidente da República tem truques e manhas de que usa e abusa em qualquer situação.
Marcelo empata como ninguém:éumaarte
h “Eu percebo, eu percebo...”; “ah, isso está bem, ah ah...”; “já está no terreno?”, coça o queixo e olha para o lado. “Mas deixe cá ver, mas deixe cá ver...”; “eu percebo, eu percebo...”; “ouça, mas vamos lá ver...”; “ouça, mas deixe... deixe... deixe...”: o popular fortemente indignado de Monchique que, em Agosto, confrontou o Presidente da República após o in- cêndio não o conseguiu fazer dizer nada, concordar ou discordar, ou sequer mudar de expressão. Marcelo Rebelo de Sousa sabe o que fazer nessas ocasiões: ouve atentamente ou apenas aparenta ouvir atentamente, que para os devidos efeitos tanto faz, pontua com perguntas de circunstância ou introduz uma ou outra interjeição retórica. Não há embaraço que atrapalhe esta técnica. Qualquer potencial investida passa a exibição virtuosa sem que ninguém note a mudança.
Caso prático (mais um): os professores fazem-lhe uma espera em Celorico, em protesto. Marcelo vai ouvir, aceita a folha que lhe dão e passa ao nível seguinte: até completa as frases que lhe vão dizendo (“... tem cálculos diferentes...”). Faz perguntas: “E nunca foram ao provedor de Justiça?”; “posso ficar com isso? [o papel que os professor têm na não]”; “sim, sim”, pega no papel, praticamente tira-o das mãos de um professor, “o provedor...”; “dêem-me isto para ver se eu falo com a senhora provedora”. Os professores ficam encantados. Quem não?
Marcelo só responde ao que quer: “Aindanãoli...”
É sabido que Marcelo lê tudo, antes e de toda a gente. Quem com ele trabalha sabe que não vale a pena tentar dar-lhe novidades ou apresentar-lhe algo novo: ele está sempre à frente. Excepto quando não dá jeito. Naturalmente, pode por vezes ocorrer não ter lido. Mas é impossível saber. Por exemplo, em Março, Marcelo fez uma comparação entre os dois relatórios sobre os fogos – o de Pedrógão (297 páginas) e o dos fogos de Outubro (276 páginas). Tinha
RELATÓRIO DE TANCOS? NÃO COMENTOU. EUTANÁSIA? NADA. SÓCRATES? LULA? IDEM
lido os dois. Na mesma altura, recusou comentar o relatório sobre Tancos (cerca de 100 páginas), que não dizia “quem, quando e como”. “Não vou pronunciar-me sobre aquilo que não li.”
Marcelonãocomenta.Asério?
A sério. É estranho num ex-comentador que continua por vezes a parecer sê-lo, mas acontece e nunca é por acaso. Na Primavera, discutiu-se a eutanásia. A 30 de Maio, Marcelo esclareceu, não o que pensava, mas o que não ia dizer: “Como não me chegou nada para me pronunciar, não me vou pronunciar.” Dias antes, já tinha avisado: “Vou esperar o que a Assembleia votar e, se eventualmente vier às minhas mãos um diploma, pronunciar-me-ei.” Omisso, mas coerente. E assim ficou. De resto, é mais comum Marcelo manter esta reserva do que possa parecer. Lula da Silva é detido? Marcelo não comenta. “Tal como eu não comento o que se passa em casa dos meus irmãos e não gosto que eles comentem o que se passa em minha casa, também não comento o que se passa em casa de um país irmão.” Sócrates desfilia-se do PS? Marcelo não comenta, porque é um caso individual, que está a cargo da Justiça e que envolve a vida interna de um partido. “Portanto, a três títulos, eu não posso comentar esta matéria.” Feliciano Barreiras Duarte tem no currículo que foi visiting scholar em Berkeley sem o ter sido? O Presidente não comenta. E é pena.
Reacções a quente também não aprecia. Marcelo, o que diz, diz quando quer. Depois das agressões a jogadores do Sporting em Alcochete, questionado sobre se iria assistir ao final da taça, no Jamor, com o Sporting, respondeu: “Para já não quero dizer mais nada.” E não disse. Mas foi.
Marcelo comenta com gosto: o tempo, a bola, a saúde, avidinha
A 25 de Junho, com a selecção no Mundial, foi comentador de futebol: “Falei, não há muito, com o presidente da federação, falei com o treinador... mandei uma mensagem. Estou realisticamente optimista, mas não com presunção. Sabemos que chega o empate, mas se jogarmos para a vitória é mais seguro. A partir do momento em que não saiu o pénalti, penso que isso retraiu um pouco a equipa, deu um fôlego adicional ao Irão e houve muitos casos e cada caso fez a diferença. O problema de Ronaldo e o cartão amarelo, tudo isso introduziu ruído no jogo.” Não há tema tão simples e que não permita análise profunda. Na volta pelas praias fluviais, naturalmente, comenta... a água: “A primeira praia com temperatura muito razoável, 18/19 graus. A segunda menos quente, um bocadinho mais fria, 17/17,5 graus, mas razoáveis, muito boas.” Dá conselhos de saúde. Com a SIC no carro, chama à atenção a um grupo que o cumprimenta: “Aqui estas meninas, cuidado com o sol!” Vai de boné mesmo dentro do carro e não liga o ar condicionado apesar da canícula, “por razões de saúde, porque depois é o choque térmico e é fatal”. Também já comentou as tendências da Moda Lisboa. No âmbito da conversa de circunstância, e seja qual for a circunstância, o Presidente é fortíssimo.
Marcelo mexe o corpo: mas só atécertoponto
É verdade que dançou em Moçambique. Também é verdade que bateu palmas e cantou (não dançou tanto como a mulher de António Costa, Fernanda Tadeu) A mi-
nha alegre casinha no Rock in Rio ao lado dos Xutos e Pontapés, “um momento inesquecível”. E entoou “não sou o único a olhar o céu”. Agora, Marcelo sabe os limites e fica sempre um passinho aquém do ridículo potencial. A 31 de Julho, recebe a selecção portuguesa de sub-19, a quem atribui a Ordem de Mérito pelo título de campeões da Europa. Cumprimenta toda a gente com um abraço. Um jogador faz dab. Sim, senhor, o Presidente acompanha e também faz dab .O treinador, Hélio Sousa, dança enquanto os jogadores entoam um cântico. O entusiasmo cresce. Nos vetustos salões de Belém, vários jogadores dançam efusivamente, troncos dobrados, pés no ar, à vez, à frente do Presidente, que mantém um sorriso no rosto e ancas e pés... quietinhos. Sai discretamente ainda a meio da dança, antes que a cena descambe em rave. Não descamba, mas ele já foi.
Marcelo e o toque pessoal
Abraça, dá calduços e tira selfies – toda a gente sabe –, mas a proximidade não vem só daí. É uma marca: a vida pessoal, a biografia, a família, o dia-a-dia, entram a toda a hora pela agenda e pelo discurso do Presidente. Um dos jogos de Portugal “ia assistir em minha casa, mas provavelmente assisto aqui [em Belém] porque o trânsito está terrível e corro o risco de não chegar a casa a tempo. Com grande pena para os meus netos, que estavam à espera desse momento de encontro familiar”. Em Celorico de Basto, sente-se em casa, “é onde estão as minhas raízes”, a avó Joaquina era dali, senta-se na carteira, na aula de História, e diz “Ó Sôtora”, aluno como toda a gente já foi. Em Agosto, numa visita a um acampamento de escuteiros: “O meu pai foi escuteiro, e eu fartei-me de ir a acampamentos de escuteiros.” Netos, avó, pai, como todos nós. Esse é que é o toque pessoal, mesmo em funções. Beijinhos qualquer um dá em campanha.
DÁ DICAS DE SAÚDE: NÃO USA O AR CONDICIONADO PORQUE O “CHOQUE TÉRMICO É FATAL”