SÁBADO

Editorial

Na questão de Tancos, se não fosse a Polícia Judiciária e o Ministério Público, o desastre institucio­nal tinha sido maior. O que se passou é uma vergonha para o Exército, para o Governo, para o PSD e chamuscou o Presidente da República

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Sejamos claros: o que se passou com as armas de Tancos é uma vergonha para o Exército, para o Governo, para o PSD, abre o caminho para rever de vez a justiça militar e chamuscou o Presidente da República. Apenas a Polícia Judiciária e o Ministério Público se salvam nesta miséria institucio­nal, mostrando uma eficácia, uma rapidez e uma segurança cada vez mais raras no Estado português. Aplicar uma espécie de razão de Estado a um caso destes, interpreta­da à boa maneira militar da ocultação da verdade, é um escândalo que não pode deixar ninguém impune, no plano judicial mas também no plano da responsabi­lidade política. Nem os militares acusados, nem os políticos que andaram a fazer politiquic­e com um assunto tão sério. Os militares envolvidos directamen­te no acordo com os bandidos, na encenação do “achamento” das armas e no bónus de não prender os autores do furto, devem, obviamente, responder pelos seus crimes em tribunal. Mas a hierarquia do exército, que os condecorou no remanso secreto de um gabinete para que não se soubesse e mandou publicar clandestin­amente em Diário da República, não pode passar pelos pingos da chuva. Que confiança podem os portuguese­s ter num Exército que é comandado na base da relativiza­ção do crime alegadamen­te em nome da Pátria!? E o senhor ministro da Defesa, que só disse idiotices em todo o processo!? O tal homem que, segundo o primeiro-ministro, não tem por obrigação estar à porta dos paióis a guardar as armas mas tem, certamente, a obrigação do bom senso, do apuramento da responsabi­lidade disciplina­r na PJM e, até agora, fez zero. Azeredo Lopes já não é realmente ministro. Depois de tanta paródia que chefe militar, que cidadão vai levar este homem a sério? O homem pressuroso a mudar chefias do Colégio Militar, a toques de insinuaçõe­s nunca confirmada­s, mas que pactuou com a palhaçada das “exoneraçõe­s temporária­s” do chefe do Estado-Maior do Exército. A posição do Governo, do PS e do Bloco de Esquerda sobre o apuramento de responsabi­lidades políticas nesta matéria é um verdadeiro manual sobre a opacidade, o amiguismo político e a arte de varrer o lixo para debaixo do tapete. Depois do memorável espectácul­o de implosão da coerência política no caso do Infarmed, Tancos mostra-nos todo o esplendor da arrogância do poder, seja na fórmula governamen­tal – o ministro não deve estar à porta do paiol – ou do BE, que vê em tudo isto apenas e só manigância­s da direita, esse espectro que não está no poder há quase quatro anos. De resto, em matéria de direita temos o PSD e o próprio Presidente da República, que deram a entender um conhecimen­to sobre o que se estava a passar incompatív­el com a ideia de separação de poderes. Se Marcelo fez bem em manter o assunto vivo e é o Chefe Supremo das Forças Armadas, o que justifica que seja informado, embora tenha falado demais na recta final, já Rui Rio exibiu um conhecimen­to do tema pouco compatível com a ideia de sentido de Estado mas, sobretudo, em aparente violação do segredo de justiça. Alguém que sabia lhe contou mais do que devia, o que o empurrou para uma forma quase ridícula de fazer política com o tema. De resto, abrindo a porta – “sei mais do que posso dizer” – para uma violação do segredo de justiça, o que para quem quer acabar com ele é no mínimo pouco edificante.

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Director Eduardo Dâmaso E

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