SÁBADO

JOÃO PEREIRA COUTINHO

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho

POBRE DIREITA PORTUGUESA. Todas as semanas, lá me cruzo com um votante da tribo e ele desata a carpir mágoas pelo estado a que isto chegou. “Isto”, entenda-se, é a oposição de Rui Rio e a Presidênci­a de Marcelo Rebelo de Sousa. Comecemos pelo primeiro. Se o PS falhar a maioria absoluta, o líder do PSD garante aos seus caciques umas migalhas de poder? O eleitorado tradiciona­l, o mesmo que deu a vitória a Passos em 2015, não quer umas migalhas e abomina os cálculos do aparelho. O que quer é uma alternativ­a com pés e cabeça ao PS e aos seus camaradas. O mesmo vale para o Presidente. Sim, alguns lunáticos com fraco entendimen­to constituci­onal esperavam que Marcelo fosse uma força de bloqueio ao PS e às esquerdas. Não foi e fez bem. Mas a falange mais racional esperava, pelo menos, alguma distância e sentido crítico regular. Não houve e fez mal. Por outras palavras: as duas figuras que, teoricamen­te, serviriam de referência para o espaço ideológico da direita parecem abjurar os seus filhos com zelo ofensivo. Perante esta rejeição, o que esperar?

Algumas respostas vieram nos últimos dias, com Passos e Cavaco em alegre sintonia. Joana Marques Vidal não foi reconduzid­a? Passos criticou e Cavaco não gostou. Para adensar o drama, dois gestos simbólicos: Passos recusou uma condecoraç­ão de Belém e Cavaco abandonou uma cerimónia universitá­ria antes de Marcelo tomar a palavra.

É apenas o princípio. A prazo, a frustração crescente levará os órfãos a procurar outras casas de acolhiment­o. A “reconfigur­ação” da direita portuguesa, de que tanto se fala, não se fará apenas por pressão das esquerdas. Será também para responder ao abandono parental.

OS HOMENS: que raça miserável! Sempre que vejo o António a sovar a Catarina, é impossível não ver um sorriso perverso naquele rosto. Que feio. Que ingrato.

Catarina deu ao António três anos de fidelidade regular. Mas o António está cansado da relação e, desde o dia em que apanhou Catarina a defender o seu Robles, nunca mais lhe perdoou. Sempre que a Catarina fala dos seus sonhos – rever a Lei de Bases da Saúde, por exemplo, ou impedir que a economia de mercado determine os rendimento­s de patrões e empregados – o António ordena-lhe que se cale. Como explicar este comportame­nto indecoroso? Por dois tristes motivos. Para começar, o António vai a votos no próximo ano. E desde o dia em que meteu na cabeça que só governava com maioria absoluta, passou a olhar para a clientela da Catarina com uma cobiça inesperada.

Além disso, que tem Catarina para lhe oferecer? Poder mediático? Viuse: quando o seu Robles foi apanhado no vício da hipocrisia, a malta das redacções palitou os dentes com as suas ossadas. Em contrapart­ida, o António olha para o Jerónimo com outra brandura. São homens. Respeitam-se e respeitam os seus território­s. E o António sabe que, em hora de aperto, é sempre bom contar com o pessoal dos sindicatos. Ninguém sabe como vai acabar esta história. Mas o divórcio está fora de questão. Catarina sabe que, se bater com a porta, o António prospera e até agradece essa vida de celibato.

É UMA CENA QUE VEMOS NOS

FILMES: o assaltante consegue um feito único – roubar um museu, um palácio, um banco. Quando o caso é relatado pelas televisões, o facínora já vai longe, usualmente com uma galdéria ao lado, e depois acende o charuto entre risos alarves. Cenário: um país tropical – ou, em alternativ­a, um iate perdido no mar. Os créditos finais vêm logo a seguir.

Em Portugal, estas cenas não se adequam ao material da nossa gente. Vejamos Tancos. O assaltante terá entrado, roubado e desapareci­do. Para onde? Uma ilha exótica algures nas Caraíbas? Não: segundo parece, guardou tudo em casa da avó. Depois, quando o País e o mundo abriram a boca de espanto, o assaltante assustou-se com a sua própria proeza, terá contactado a GNR e a PJ Militar e devolveu o pecúlio (com juros). Para melhorar o nosso filme, esperou sentado em casa (da avó?) até ser detido e levado. Moral da história? Não sei o que me deprime mais: se a facilidade com que se assalta um quartel, se a incapacida­de do País para produzir vilões que não façam corar. Inclino-me para a segunda hipótese.

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