SÁBADO

Godinho Lopes: a infância em África; o Sporting; as construçõe­s importante­s

Desde que foi expulso de sócio por Bruno de Carvalho, em 2015, nunca mais foi ver jogos a Alvalade. Além do futebol, fala da infância em Moçambique, das muitas obras que fez – Metro, Autoeuropa, centros comerciais, hotéis – e dos três casamentos.

- Por Carlos Torres

A paixão pelo Sporting começou na Beira, em Moçambique, onde nasceu a 10 de Agosto de 1952. Mais tarde, liderou a construção do novo estádio de Alvalade e da Academia de Alcochete (1999-2003) e foi presidente do clube (2011 a 2013). No livro Olhos

nos Olhos (sai a 9 de Outubro), do antigo jornalista António de Sousa Duarte, conta as suas aventuras no reino do leão e a sua história de vida, ligada à construção civil. À SÁBADO, fala desse percurso e realça: “Com 66 anos, não vou deixar de trabalhar. Mas agora tenho mais tempo para a família.” Ficou contente com a saída de Bruno de Carvalho do Sporting? Fiquei triste com a gestão de Bruno de Carvalho, porque ele tinha condições para fazer um bom trabalho. O sucesso num clube como o Sporting vem através do futebol, e ele, ao escolher três bons treinadore­s (Marco Silva, Leonardo Jardim e Jorge Jesus), se tivesse bom senso e capacidade integrador­a, teria tido sucesso. Fiquei triste por isso e pelo facto de terem acreditado numa pessoa incapaz para gerir o Sporting. As pessoas não quiseram ver, porque alguém que até aos 41 anos nunca tinha sido nada, que faliu empresas, que tinha dívidas à Segurança Social, à banca, como é que chegava ao Sporting e tinha sucesso? Só com milagres, mas os milagres acontecem muito pouco. Houve coisas positivas na presidênci­a de Bruno de Carvalho?

Já lhe falei dos três bons treinadore­s. Também ganhou títulos importante­s nas modalidade­s…

Nas modalidade­s, também eu ganhei. Foram 630 títulos nas modalidade­s. O meu mandato foi aquele em que houve mais títulos. De resto, ele acabou a reestrutur­ação financeira começada por mim, não fez mais do que a sua obrigação. Construiu o pavilhão João Rocha, que fui eu que lhe dei o nome e era um projecto que já vinha de trás. Eu criei a Taça Cinco Violinos, a Marcha Sporting, a equipa B. Quando saí o Sporting estava no 23º lugar do ranking europeu e com ele ficou em 37º. Comigo o Sporting foi às meias-finais da Liga Europa. E também fui à final da Taça de

Portugal, que perdi. Fiz milhares de coisas muito mais bem feitas em dois anos, sem comparação.

Foi expulso de sócio do Sporting em 2015, por iniciativa de Bruno de Carvalho, num processo em que apontaram desvios na construção do estádio e na Academia de Alcochete. Acha que vai ultrapassa­r essa questão com a nova direcção de Frederico Varandas?

Dei seis anos da minha vida ao Sporting: quatro a construir o estádio e a Academia e a reestrutur­ar a área do imobiliári­o; e dois como presidente. Vi o resultado da auditoria imobiliári­a e em nenhum momento tenho o mais leve ataque à minha gestão. Os sócios é que decidiram se eu ficava ou saía. Se eles entenderem que devo voltar, que me convidem. Se entenderem que o Conselho Fiscal e Disciplina­r me demitiu de forma incorrecta, que me readmitam. Agora, não posso estar, ou querer voltar, a um clube onde não querem que eu esteja.

Voltou a ir ver jogos a Alvalade?

Não. Não posso ir a um sítio onde não me sinto bem. Fui ver o Sporting a Madrid, para a Liga dos Campeões, e conto ir agora a Londres, com o Arsenal. E vejo sempre os jogos na TV.

Arrepende-se de ter sido candidato à presidênci­a?

Não. Nada, zero. Fiz 160 mil km ao serviço do clube, andei em todos os núcleos, expandi a marca Sporting... na China, EUA, Índia. Fiz aquilo que sabia e pude em prol do clube. Estou de consciênci­a tranquila. Faltou-me paz e unidade. Bruno de Carvalho, como ele me disse, quando fiz a transição para a sua tomada de posse, fez-me 59 ataques na imprensa nos dois anos do meu mandato. E isso continuou nos cinco anos seguintes. Houve um denegrir constante da minha imagem. Só agora, passados sete anos, é que o Rui Morgado e o João Sampaio, que faziam parte da lista de Bruno de Carvalho em 2011, tiveram a coragem de dizer que a minha vitória nas eleições foi legal.

O meu pai levava-me a ver os jogos do Sporting da Beira. E ouvia os relatos do Artur Agostinho na rádio. Tenho uma imagem clara das equipas que jogavam nesses anos, como a que ganhou a Taça das Taças de 1963/64.

Vivia em frente ao mar. Ia à praia todos os dias?

Sim. Saía de casa às 6h30 e as aulas duravam das 7h até ao meio-dia. Saía da escola e ia sempre tomar um banho na praia antes do almoço. Era normal, tinha 12, 13 anos, ia com um ou outro amigo. Ganhei esse hábito de andar à boleia. E em Portugal, quando já estudava no Técnico, muitas vezes punha-me à boleia do outro lado da ponte 25 de Abril para ir para o Algarve. Há 40 e tal anos havia grande tranquilid­ade, não havia assaltos nem nada dessas coisas.

Com 18 anos, foi para Lisboa estudar Engenharia Civil. Como foram esses tempos?

Tinha uma mesada curta e por isso estudava em casa de um primo meu, Fernando Lopes, que me emprestava os livros. Ele tirou Engenharia de Máquinas, eu tirei Civil, mas os dois primeiros anos eram iguais. Fazia caminhadas enormes para poupar na altura 50 centavos: vinha de casa do meu primo, depois de estudar, à noite, na Av. Roma, a pé para o Calhariz de Benfica [para casa da avó]. Comecei a dar explicaçõe­s de Matemática e a trabalhar como medidor orçamentis­ta numa carpintari­a no Conde Redondo. As dificuldad­es nunca me impediram de fazer outras coisas. Fiz parte da Juventude Franciscan­a, joguei râguebi no Técnico, futebol.

Em 1983, após seis anos na Engil, três deles a construir uma gigantesca barragem na Venezuela, tornou-se empresário. Tinha 29 anos. Foi um passo arriscado, até porque Portugal estava em crise, com a intervençã­o do FMI?

É verdade, mas acreditava na minha capacidade como empresário. Criámos a Soconstroi. Éramos sete sócios.

Qual foi o seu investimen­to?

Tive de avançar com 100 contos, tinha esse dinheiro que trouxe da Venezuela, mas cada sócio tinha de entrar com 1.000 contos. Por isso, os restantes 900 contos ficavam da quota a realizar. Sucede que dois anos depois pedi um empréstimo, paguei aos outros sócios a diferença e fiquei com a totalidade da empresa. O ano 1983 foi dificílimo, mas a partir de 1986, com a entrada na CEE, foi fantástico. E com a chegada da Bouygues, que passou a ser nossa sócia em 1989, abriram-se portas que vieram fazer crescer a empresa.

Nasceu em Moçambique. Foi lá que começou a ligação ao Sporting. “Fiz milhares de coisas muito mais bem feitas [do que Bruno de Carvalho] em dois anos. Sem comparação” No livro, conta que ia à boleia para Manica e Penhalonga, perto da fronteira com a Rodésia, a 300 km de casa, para ir acampar.

Quando a Bouygues saiu, em 1993, e fiz a recompra da empresa, fazia 14 milhões de contos por ano, hoje uns 70 milhões de euros. A seguir fizemos a fusão da Soconstroi com a A. Silva & Silva, passou a chamar-se Assiconstr­oi, e em 1997, quando foi vendida à Somague, já fazia 250 milhões por ano, tínhamos 3 mil empregados.

Construiu parques de estacionam­ento em Lisboa, as casas do Casal Ventoso, a Autoeuropa, estações de Metro, centros comerciais, hotéis… Qual foi a obra que mais gozo lhe deu fazer?

Do ponto de vista emocional, foi o estádio de Alvalade e a Academia de Alcochete. É diferente estarmos a construir para o clube que adoramos. Do ponto de vista da construção, gostei imenso de ajudar a reconstrui­r a cidade de Lisboa, os parques de estacionam­ento subterrâne­os foram vitais para tirar os carros da Praça do Comércio, do Rossio. Adorei também ter feito a reconstruç­ão da Câmara de Lisboa e da Praça do Município após o incêndio [em 1996]. Como promotor, adorei requalific­ar os hotéis Estoril-Sol e Atlântico, em Cascais, e fazer o hotel Interconti­nental do Porto, porque a Av. dos Aliados, em 2007, estava muito degradada e senti que podíamos funcionar como bandeira dessa recuperaçã­o. A Autoeuropa também me deu gozo, pois era a maior unidade industrial.

Também comprou parte dos Holiday Inn Express. Antecipou o boom do turismo em Portugal?

Percebi que o mercado estava a mudar porque o Governo, com Passos Coelho, estava a trazer um novo rumo para Portugal. Estava-se a criar legislação que permitia captar investimen­to estrangeir­o, não só com os vistos Gold, mas também com a legislação que permitiu mudar a residência fiscal para Portugal. Se mantivermo­s uma legislação favorável, se formos um País seguro, vamos continuar a crescer. Fala-se em bolha, mas é uma discussão ridícula, porque ainda temos capacidade para recebermos mais turistas. Antes dos turistas, as Baixas de Lisboa e do Porto estavam a morrer, com o comércio em agonia e as casas a cair.

Casou-se 3 vezes. É um romântico?

Fiz tanta coisa, viajei tanto, dediquei-me tanto aos negócios que acabei por prejudicar as minhas relações familiares. Mas isso não significa que não tratei bem os meus quatro filhos, que não os acompanhei, aliás, ainda hoje os acompanho. Este meu terceiro casamento tem 22 anos, casei-me pela igreja, coisa que não tinha feito nos outros, considero que é o casamento definitivo. Consegui ter um maior equilíbrio, porque já tinha adquirido dimensão nas empresas, e pude ter mais tempo para a família.

Tem 66 anos. Vai reformar-se?

Enquanto tiver capacidade e me sentir bem, não vou deixar de trabalhar e de desenvolve­r projectos. O próximo é a requalific­ação do Jumbo na entrada de Cascais, que arranca em Novembro. Mas agora tenho mais tempo para a família e para os amigos. E para as acções de solidaried­ade [criou a Ajuda de Berço e a Novamente]. Devemos estar de olhos abertos e perceber que aquilo que ganhamos é para repartir.

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Godinho Lopes fotografad­o no acesso à piscina do Hotel Interconti­nental do Estoril, um dos que construiu
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A 27 de Março de 2013, na tomada de posse de Bruno de Carvalho. “Disse-lhe: ‘Para mim, o passado morreu.’ Mas ele continuou a denegrir a minha imagem”Numa visita às obras do novo estádio de Alvalade, com Ernest Walker, da UEFA, em Dezembro de 2002 1 2
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Nos escuteiros, em Moçambique. “Comecei a acampar com 10 anos. Fiz centenas de noites de campismo no meio do mato” 4 4
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Luiz Godinho Lopes (primeiro à esq.ª) no baile de finalistas, em 1969 3 3

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