LUTA RENHIDA NAS MANHÃS DA RÁDIO
Fomos ver o que se passa nos estúdios das principais rádios, que contam com estrelas do humor e da TV
Concursos em directo, momentos de humor e embaraço, histórias pessoais e muita cumplicidade: são os ingredientes dos programas das 7h às 11h. Também há estrelas do humor e da televisão. Comercial e RFM lideram no horário nobre – mas, afinal, como se cria um programa de sucesso?
Oque é que vamos fazer com estes versos? O que é que se diz sobre Bragança?” São 9h15 e o tempo aperta: Vasco Palmeirim, Pedro Ribeiro, Vera Fernandes, Nuno Markl e Ricardo Araújo Pereira estão prestes a cantar New York, New
York com letra adaptada, sobre as maravilhas da cidade de Bragança. Problema: a letra ainda não está finalizada. “Bragança a Lisboa já não demora 9 horas, uma e meia é na boa… epá mas auto-estradas não rima com horas.” Pedro Ribeiro desanima. E o tempo passa. No estúdio da RFM, o problema é outro: uma criança pede que imitem o som de uma mãe ganso a defender os seus filhos. Mariana Alvim respira fundo antes de começar o grasnido, virada para a parede, para evitar que as gargalhadas estraguem a prestação. Seguem-se Nilton e Pedro Fernandes, que acaba por vencer a rubrica Macaquinhos de Imitação. Os programas começam cedo mas fluem a um ritmo alucinante. Entre as 7h e as 11h da manhã há música, entrevistas, concursos e humor. Em Portugal, duas estações estão no top das mais ouvidas no horário nobre da rádio. O Observatório da Comunicação (Obercom) lembra que, segundo números de 2017, o programa da manhã da Rádio Comercial fica à frente do da RFM, com uma diferença de 1,8% de valor de share .Jáo último Bareme Rádio (estudo Marktest), de Junho de 2018, mostra a Comercial à frente da RFM na AAV (audiência acumulada de véspera) por 0,3%. É uma luta renhida. A Obercom aponta que as diferenças de share de audiência geral entre os dois grupos “têm sido percentualmente inexpressivas”, pelo menos desde 2013. Mas os números representam apenas uma das faces da mudança. As duas rádios vão seguindo linhas semelhantes, dizem: uma programação jovem, com o entretenimento a cruzar-se com a informação e uma forte integração nas redes sociais. E outra grande mudança a sublinhar: cada vez mais se faz rádio “de uma forma jovem”. A expressão jovem aplica-se – e para o melhor dos eufemismos. Nas
Manhãs da Comercial, Ricardo Araújo Pereira dá conta das previsões das temperaturas com o seu toque pessoal: “Em Évora e Beja ponham os torresmos no asfalto porque vão estar 34 graus.”
Um bolso nas cuecas
“Isto parece improvisado mas ao mesmo tempo coreografado, não é?”, pergunta-nos o humorista. Hoje chegou ao estúdio de T-shirt, calções de treino e ténis – é que a seguir tem treino de boxe. Foi em 2012 que Ricardo Araújo Pereira arrancou com a Mixórdia de Temáticas – e o responsável foi Luís Cabral, administrador do grupo, explica Pedro Ribeiro, que além de animador das manhãs é ainda director de programação da Comercial. “Perguntou-me: quem é o maior? E eu respondi: Ricardo Araújo Pereira. ‘Vamos buscálo!’ disse. E o resto é história.”
Depois de algumas semanas de ausência, RAP anunciou o regresso – que só acontecerá em Janeiro. E porquê a antecedência? Pedro Ribeiro explica: “Queríamos evitar a ideia de que o Bruno vinha para o lugar de alguém, cada um tem o seu espaço e tempo.” Refere-se à nova rubrica Não Tejas Medo, de Bruno Nogueira: “É empolgante e bom para a rádio dar a provar outros sabores aos ouvintes”, explica sobre a novidade do programa da manhã, que nos picos de audiência ultrapassa um milhão de meio de ouvintes.
O tema sobre Bragança fica pronto. Todos se põem de pé para cantar (o momento é filmado e depois parti-
“QUERIA FALAR CONVOSCO SOBRE AS MINHAS CUECAS”, ANUNCIA NUNO MARKL
lhado nas redes sociais). A estrofe ficou resolvida: “Diz que há chouriço de mel/ É tão bom que eu quase choramingo/ Há voos Bragança-Lisboa/ Exceptuando ao domingo.” Ora olham para os ecrãs dos computadores e telemóveis, ora seguem os apontamentos em papel. Apesar dos momentos estipulados (como, por exemplo, as previsões meteorológicas, os anúncios publicitários ou as rubricas, como O Homem que Mordeu o Cão, de Markl), não existe guião. “Se calhar tem a ver com o facto de nos conhecermos há muito. Isto já é natural. Tanto que, às vezes, se soltam palavrões no ar”, diz Markl. Falam das coisas que os exasperam. “Queria falar convosco sobre as minhas cuecas”, anuncia Markl. “É que notei que tenho umas cuecas com um bolso dentro, intriga-me isto.” Um comentário no Facebook desvenda o mistério: “Um ouvinte está a dizer que o bolso é para guardar as cuecas”, grita Vera Fernandes da outra ponta do estúdio.
Vera é a recém-chegada (está no programa desde o Verão de 2017). Aterrou como elemento novo num grupo de homens mas com táctica definida: “Fingi que os conhecia desde sempre e fui-me adaptando a cada um.” Já encontrou o seu lugar, diz. E não se maça quando lhe chamam Vanda (em referência a Vanda Miranda, anterior locutora) como hoje aconteceu com RAP, que logo corrigiu, atrapalhado. O engano aconteceu em directo mas riram-se com a situação: admitem os erros. Essa partilha pessoal é fundamental para criar uma relação com o ouvinte, explica Pedro Ribeiro. “Dizes que tens dores de garganta e as pessoas mandam mezinhas e perguntam ‘então, já vai melhor?’ É incrível.”
É em nome da proximidade que se aventuram. Pedro Ribeiro lembra que além das parcerias alinhavadas pelo departamento comercial, também os animadores fazem propostas a marcas ou empresas: já fizeram emissões em autocarros da Carris – para viverem o trânsito e a confusão ao mesmo tempo que o ouvinte –, mas também já passaram uma noite na Ikea. Cada um tinha o seu quarto, mas não conseguiram descansar. “Eles nunca desligam as luzes. À 1h está a chegar mercadoria, às 3h estão a limpar a loja.” Às cinco ainda não tinham pregado olho, recorda: “Só pensávamos: ‘isto foi um erro’.” Pelas 7h estavam a fazer a emissão directamente da loja, onde até estiveram nas caixas, a atender clientes.
Sandes e Elton John
A alguns quilómetros de distância, já em Benfica, os mandamentos da proximidade também são seguidos. Pedro Fernandes conta, no ar, as peripécias da despedida de solteiro de um amigo. Conta que visitaram um bar de strip – o problema é que a stripper estava de folga. Estamos no Café da Manhã , da RFM. Mariana Alvim faz uma apresentação rápida: “O Nilton é o humorista, o Pedro é tonto e eu sou a organizada.” Ri-se, enquanto olha para a lista de tarefas daquela manhã. O programa conta com a rubrica Pastilhas para a Tosse, de Nilton – que continua a arrecadar telefonemas embaraçosos – e Qual é a Música?, que convida os ouvintes a cantarolarem um tema que o grupo tem de adivinhar. Nos Macaquinhos de Imitação, os ouvintes propõem aos animadores que reproduzam sons do dia-a-dia: a maior parte dos desafios, para imitar animais, ferramentas ou fazer rap, é aceite; mas também já houve recusas, como quando pediram que Mariana fingisse um orgasmo. A proposta foi barrada na equipa de produção. O programa matinal tem limites definidos. “São rubricas mais orientadas para a família”, explica Pedro Fernandes. “As crianças gostam de ouvir e jogar com os pais enquanto estão no carro, a caminho da escola.” As famílias são fãs – isso é claro, principalmente nos meses mais quentes. Pedro Fernandes acrescenta: “Temos famílias que, antes de irem de férias para o Algarve, vêm aqui para nos conhecer.” Pais e miúdos pedem à equipa de produção para os conhecerem pessoalmente.
HÁ LIMITES DEFINIDOS. “SÃO RUBRICAS ORIENTADAS PARA A FAMÍLIA”, EXPLICA PEDRO FERNANDES