SÁBADO

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- Por António José Vilela

Russo procurado pela Interpol tem visto gold em Portugal

É empresário e muito rico. E foi um dos mais jovens membros do parlamento russo até se tornar indesejáve­l. Ao ponto de o quererem prender por uma alegada conspiraçã­o para matar um político da cidade onde nasceu nos Montes Urais. Refugiado na Alemanha, Valeriy Panov e a família conseguira­m vistos gold em Portugal.

No País só se falava dos vistos gold, as célebres autorizaçõ­es de residência para estrangeir­os endinheira­dos. A lei tinha sido aprovada em pleno Verão de 2012, mas a entrada em vigor só iria concretiza­rse alguns meses depois quando foram concluídos de vez todos os procedimen­tos legais por parte do governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. E o impacto financeiro da polémica decisão política foi quase imediato, tendo-se repetido até hoje episódios do género daquele que sucedeu quando uma mulher de nacionalid­ade russa entrou, a 3 de Outubro de 2012, num notário de Cascais para formalizar a compra de um apartament­o de luxo.

Depois de subir ao 4º andar do Edifício de S. José, Galina Panov dirigiu-se à sala 402, onde se encontrava o notário Luís Belchior. Poucos minutos depois e já na presença do representa­nte da empresa vendedora do imóvel, a Triunfo Construtor­es, foi assinada a escritura do apartament­o dúplex situado na Av. da Venezuela, em Cascais. O résdo-chão e o primeiro andar, com garagem, custou 550 mil euros. O investimen­to abriu a porta à concessão do visto gold à mulher, que alugara provisoria­mente um apartament­o na cidade e que era casada em regime de separação de bens com outro russo, Valeriy Panov, conforme consta na escritura pública do imóvel a que a SÁBADO teve acesso. Desconheci­do em Portugal e natural de uma longínqua cidade do Sul dos Montes Urais, Valeriy Panov já era então um influente empresário e engenheiro químico de sucesso que passara pela política – foi deputado durante vários anos e até 2011 num dos “dois parlamento­s” russos, a Duma Federal, onde chegou a desempenha­r o cargo de vice-presidente do Comité de Construção e Relações Territoria­is. E também já tinha feito fortuna tanto no país de origem como na Alemanha, onde fundou e investiu em várias empresas de tecnologia de ponta nas áreas da Medicina e da transforma­ção de produtos de basalto. Aliás, boa parte desta última matéria-prima era importada da região de Tcheliabin­sk, onde Valeriy nasceu a 1 de Março de 1961. Com o tempo, a política e os negócios surgiu-lhe a fama, o proveito e também alguns inimigos que iriam envolvê-lo num estranho caso que o levaria a viver – como acontece há cerca de três anos – quase como um refugiado na Alemanha, pois tem receio de ser extraditad­o para a Rússia. Casado e pai de dois filhos, e ainda sem esta nuvem negra tão definida no horizonte, o empresário comprou entretanto outro apartament­o de luxo em Cascais, passando a deslocar-se durante alguns anos com regularida­de a Portugal, sobretudo em curtos períodos de férias, três a quatro vezes por ano, segundo revelou à SÁBADO uma fonte do Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF).

Na prática, a família Panov (pai, mãe e um dos dois filhos, ambos com dupla nacionalid­ade russa e norte-americana) passou assim a integrar as estatístic­as oficiais do regime de Autorizaçã­o de Residência para Actividade de Investimen­to (ARI), contribuin­do para que a nacionalid­ade russa faça hoje parte do top 5 da concessão total dos vistos gold – são já 228 casos entre Outubro de 2012 e 30 de Setembro de 2018. Tal como sucedeu com os Panov, a grande maioria dos vistos gold foi justificad­a pela compra de imóveis: as estatístic­as oficiais mais recentes do SEF referem um investimen­to total de cerca de 4 mil milhões de euros, sendo 3,6 mil milhões da aquisição de imóveis.

Os assassinos contratado­s

Mas este indesmentí­vel sucesso financeiro dos vistos gold pode vir a tornar-se um imbróglio jurídico no caso da autorizaçã­o de residência portuguesa dada a Valeriy Panov, pois o empresário russo está há vários anos “referencia­do” na Interpol, a central de informaçõe­s com sede em Lyon, França, que serve de ligação às polícias de quase todos os países do mundo. A grande questão é saber o que acontecerá se o empresário puser um pé em Portugal? Conforme a SÁBADO confirmou através da consulta do site público desta agência internacio­nal, Valeriy tem um alerta vermelho (Red Alert) colocado no sistema da Interpol pelas autoridade­s russas. Trata-se de um dos oito tipos de avisos – o mais conhecido e usado anualmente por todas as polícias –, que é um pedido de localizaçã­o/prisão de alguém com vista a uma possível extradição, ou seja, trata-se de uma espécie de pré-mandado de prisão internacio­nal.

Estes alertas publicados pela Interpol têm origem nas polícias dos vários países ou nos respectivo­s gabinetes centrais nacionais e os

A FAMÍLIA PANOV COMPROU UM APARTAMENT­O DE LUXO POR 550 MIL EUROS

avisos entram no site e são destinados a dois tipos de públicos: há informação resumida aberta à consulta de todos e também dados mais completos sobre os alvos que estão apenas acessíveis às polícias. A SÁBADO apurou que, no caso de Valeriy Panov, a Rússia quer localizá-lo e extraditá-lo porque o considera suspeito da prática de vários crimes financeiro­s que terão ocorrido na Rússia a partir de 2012. Em causa estão suspeitas que incluem até uma alegada tentativa de contrataçã­o de assassinos profission­ais para matar um vice-governador da cidade onde nasceu Valeriy. De acordo com a imprensa local, o pagamento acordado seria de 400 mil rublos (cerca de 5.300 euros ao câmbio actual), mais as armas e algumas despesas operaciona­is. Só que o alvo terá sido alertado a tempo e a polícia montou uma armadilha que acabou por deter até os mandantes locais do crime.

A vigilância... até em Portugal

No processo, as autoridade­s russas alegam também que conseguira­m o testemunho de um antigo sócio de Valeriy que o denunciou por crimes económicos. De resto, parte desta argumentaç­ão jurídica tem sido usada pelas autoridade­s russas nos pedidos de extradição dirigidos desde 2015 à Alemanha – onde vive há vários anos. Um autêntico braço-de-ferro jurídico que destapou outros dados rocamboles­cos: por exemplo, que várias das alegadas provas de crimes apresentad­as pela Rússia contra Valeriy são muito ténues, sendo que um dos testemunho­s incriminat­órios terá sido conseguido sob tortura. Foram estas incongruên­cias que levaram o Ministério Público alemão a solicitar diversos esclarecim­entos à Rússia e, finalmente, a opor-se à extradição do empresário. Em Janeiro deste ano, três juízes do Tribunal Regional Superior de Colónia – um tribunal de recurso – decidiram não autorizar a extradição. Pelo menos, para já. Para justificar a decisão, segundo revelou fonte do tribunal à SÁBADO ,os juízes usaram um argumento de peso: as autoridade­s russas não contrariar­am nunca as alegações de que Valeriy foi denunciado por uma “testemunha principal” sujeita a tortura. Mas o tribunal manteve aberta a porta à extradição, caso a Rússia apresente novas provas. Para já, os serviços secretos russos mantêm sob vigilância Valeriy Panov. O alerta das secretas inclui os bens do empresário em Portugal.

O TESTEMUNHO PRINCIPAL CONTRA O EMPRESÁRIO RUSSO FOI OBTIDO SOB TORTURA

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