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Russo procurado pela Interpol tem visto gold em Portugal
É empresário e muito rico. E foi um dos mais jovens membros do parlamento russo até se tornar indesejável. Ao ponto de o quererem prender por uma alegada conspiração para matar um político da cidade onde nasceu nos Montes Urais. Refugiado na Alemanha, Valeriy Panov e a família conseguiram vistos gold em Portugal.
No País só se falava dos vistos gold, as célebres autorizações de residência para estrangeiros endinheirados. A lei tinha sido aprovada em pleno Verão de 2012, mas a entrada em vigor só iria concretizarse alguns meses depois quando foram concluídos de vez todos os procedimentos legais por parte do governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. E o impacto financeiro da polémica decisão política foi quase imediato, tendo-se repetido até hoje episódios do género daquele que sucedeu quando uma mulher de nacionalidade russa entrou, a 3 de Outubro de 2012, num notário de Cascais para formalizar a compra de um apartamento de luxo.
Depois de subir ao 4º andar do Edifício de S. José, Galina Panov dirigiu-se à sala 402, onde se encontrava o notário Luís Belchior. Poucos minutos depois e já na presença do representante da empresa vendedora do imóvel, a Triunfo Construtores, foi assinada a escritura do apartamento dúplex situado na Av. da Venezuela, em Cascais. O résdo-chão e o primeiro andar, com garagem, custou 550 mil euros. O investimento abriu a porta à concessão do visto gold à mulher, que alugara provisoriamente um apartamento na cidade e que era casada em regime de separação de bens com outro russo, Valeriy Panov, conforme consta na escritura pública do imóvel a que a SÁBADO teve acesso. Desconhecido em Portugal e natural de uma longínqua cidade do Sul dos Montes Urais, Valeriy Panov já era então um influente empresário e engenheiro químico de sucesso que passara pela política – foi deputado durante vários anos e até 2011 num dos “dois parlamentos” russos, a Duma Federal, onde chegou a desempenhar o cargo de vice-presidente do Comité de Construção e Relações Territoriais. E também já tinha feito fortuna tanto no país de origem como na Alemanha, onde fundou e investiu em várias empresas de tecnologia de ponta nas áreas da Medicina e da transformação de produtos de basalto. Aliás, boa parte desta última matéria-prima era importada da região de Tcheliabinsk, onde Valeriy nasceu a 1 de Março de 1961. Com o tempo, a política e os negócios surgiu-lhe a fama, o proveito e também alguns inimigos que iriam envolvê-lo num estranho caso que o levaria a viver – como acontece há cerca de três anos – quase como um refugiado na Alemanha, pois tem receio de ser extraditado para a Rússia. Casado e pai de dois filhos, e ainda sem esta nuvem negra tão definida no horizonte, o empresário comprou entretanto outro apartamento de luxo em Cascais, passando a deslocar-se durante alguns anos com regularidade a Portugal, sobretudo em curtos períodos de férias, três a quatro vezes por ano, segundo revelou à SÁBADO uma fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Na prática, a família Panov (pai, mãe e um dos dois filhos, ambos com dupla nacionalidade russa e norte-americana) passou assim a integrar as estatísticas oficiais do regime de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI), contribuindo para que a nacionalidade russa faça hoje parte do top 5 da concessão total dos vistos gold – são já 228 casos entre Outubro de 2012 e 30 de Setembro de 2018. Tal como sucedeu com os Panov, a grande maioria dos vistos gold foi justificada pela compra de imóveis: as estatísticas oficiais mais recentes do SEF referem um investimento total de cerca de 4 mil milhões de euros, sendo 3,6 mil milhões da aquisição de imóveis.
Os assassinos contratados
Mas este indesmentível sucesso financeiro dos vistos gold pode vir a tornar-se um imbróglio jurídico no caso da autorização de residência portuguesa dada a Valeriy Panov, pois o empresário russo está há vários anos “referenciado” na Interpol, a central de informações com sede em Lyon, França, que serve de ligação às polícias de quase todos os países do mundo. A grande questão é saber o que acontecerá se o empresário puser um pé em Portugal? Conforme a SÁBADO confirmou através da consulta do site público desta agência internacional, Valeriy tem um alerta vermelho (Red Alert) colocado no sistema da Interpol pelas autoridades russas. Trata-se de um dos oito tipos de avisos – o mais conhecido e usado anualmente por todas as polícias –, que é um pedido de localização/prisão de alguém com vista a uma possível extradição, ou seja, trata-se de uma espécie de pré-mandado de prisão internacional.
Estes alertas publicados pela Interpol têm origem nas polícias dos vários países ou nos respectivos gabinetes centrais nacionais e os
A FAMÍLIA PANOV COMPROU UM APARTAMENTO DE LUXO POR 550 MIL EUROS
avisos entram no site e são destinados a dois tipos de públicos: há informação resumida aberta à consulta de todos e também dados mais completos sobre os alvos que estão apenas acessíveis às polícias. A SÁBADO apurou que, no caso de Valeriy Panov, a Rússia quer localizá-lo e extraditá-lo porque o considera suspeito da prática de vários crimes financeiros que terão ocorrido na Rússia a partir de 2012. Em causa estão suspeitas que incluem até uma alegada tentativa de contratação de assassinos profissionais para matar um vice-governador da cidade onde nasceu Valeriy. De acordo com a imprensa local, o pagamento acordado seria de 400 mil rublos (cerca de 5.300 euros ao câmbio actual), mais as armas e algumas despesas operacionais. Só que o alvo terá sido alertado a tempo e a polícia montou uma armadilha que acabou por deter até os mandantes locais do crime.
A vigilância... até em Portugal
No processo, as autoridades russas alegam também que conseguiram o testemunho de um antigo sócio de Valeriy que o denunciou por crimes económicos. De resto, parte desta argumentação jurídica tem sido usada pelas autoridades russas nos pedidos de extradição dirigidos desde 2015 à Alemanha – onde vive há vários anos. Um autêntico braço-de-ferro jurídico que destapou outros dados rocambolescos: por exemplo, que várias das alegadas provas de crimes apresentadas pela Rússia contra Valeriy são muito ténues, sendo que um dos testemunhos incriminatórios terá sido conseguido sob tortura. Foram estas incongruências que levaram o Ministério Público alemão a solicitar diversos esclarecimentos à Rússia e, finalmente, a opor-se à extradição do empresário. Em Janeiro deste ano, três juízes do Tribunal Regional Superior de Colónia – um tribunal de recurso – decidiram não autorizar a extradição. Pelo menos, para já. Para justificar a decisão, segundo revelou fonte do tribunal à SÁBADO ,os juízes usaram um argumento de peso: as autoridades russas não contrariaram nunca as alegações de que Valeriy foi denunciado por uma “testemunha principal” sujeita a tortura. Mas o tribunal manteve aberta a porta à extradição, caso a Rússia apresente novas provas. Para já, os serviços secretos russos mantêm sob vigilância Valeriy Panov. O alerta das secretas inclui os bens do empresário em Portugal.
O TESTEMUNHO PRINCIPAL CONTRA O EMPRESÁRIO RUSSO FOI OBTIDO SOB TORTURA