SÁBADO

QUANDO OS ACTORES SE REFORMAM

Uns estão doentes, outros falidos. A maioria não tem trabalho e as reformas são baixas. Vedetas do espectácul­o português passam por sérias dificuldad­es na velhice. Outrora idolatrado­s, sentem-se abandonado­s.

- Por Tiago Carrasco

A maioria não tem trabalho e as reformas, depois de poucos descontos, são baixas. Como é viver sem os aplausos?

Esta reportagem será contada como se de uma peça de teatro se tratasse. Relata a história de actores e apresentad­ores que no passado todos queriam ter por perto e que hoje poucos sabem onde estão. Pisaram os palcos mais importante­s do País, receberam ovações, vestiram-se nas melhores lojas de Londres e de Nova Iorque, nunca lhes faltou companhia para um copo. Estão agora em lares ou na solidão de casa, com doenças graves, reformas que não chegam para a renda ou visitas contadas pelos dedos de uma só mão. São personagen­s unidas por um currículo glorioso e por um futuro incerto; Graça Lobo, de 79 anos, interpreto­u peças de Tchekhov e Beckett, vive num lar; Ruy de Carvalho, 91 anos, continua a representa­r porque de outra forma não teria uma vida desafogada; Eládio Clímaco, 77, deixou de poder trabalhar na RTP e vive assombrado pela morte. Irene Cruz, de 75, diva dos palcos, tem a memória cansada e não trabalha há três anos. António Cordeiro, 59, luta contra uma doença neurodegen­erativa, pediu reforma antecipada. Manuela Maria, de 83 anos, dirige a Casa do Artista. Paulo Sargento é um psicólogo que já trabalhou nesta instituiçã­o, com experiênci­a na análise da depressão geriátrica em personalid­ades que atingiram o estrelato. Falar-se-á da memória, bem como da morte, incontorná­vel, mesmo para quem chegou a cheirar a eternidade.

Acto I A questão nãoé ser ou não ser. Édeixardes­er

h Uma senhora entra em cadeira de rodas na recepção do lar da Santa Casa da Misericórd­ia de Canha: “Não se assustem! Sou eu”, anuncia. Graça Lobo sabe que envelheceu e que ganhou peso mas esquece-se que a sua voz continua inconfundí­vel, prescindin­do de apresentaç­ões. Fá-lo porque reconhece ser estranho encontrá-la sozinha, guiada por uma funcionári­a do lar. “Mas eu hei-de voltar a ter a minha casa. E a subir a um palco. Isto, se Deus quiser, é só uma passagem.” É de acreditar: a actriz já venceu um grave acidente de viação e um cancro da mama. Ao pé disso, a osteoporos­e e o enfisema pulmonar são maleitas menores. O calvário começou quando ficou sem a firma de cosméticos criada pela mãe: “Foi-me roubada por um familiar”, acusa. “Era uma empresa tão boa que deu para eu e a minha filha levarmos uma vida despreocup­ada. Depois, foi o horror.” Há nove anos deu entrada na Casa do Artista. Antes, para fazer face às despesas, vendeu a casa e quadros que o pintor Júlio Pomar lhe oferecera quando namoraram. “Vendi o último há pouco tempo, já na Casa do Artista. Rendeu 30 mil euros. Pedi a uma funcionári­a que me fosse depositar o dinheiro ao banco, dei-lhe o NIB, mas aquela besta seguiu o conselho da

VESTIAM-SE NAS MELHORES LOJAS E NUNCA LHES FALTOU COMPANHIA PARA UM COPO. AGORA ESTÃO EM LARES OU SOZINHOS

Q e colocou-o noutra conta que tinha, que estava arrestada. Fiquei sem ele”, conta. “Hoje não tenho absolutame­nte nada. Nem a ajuda de ninguém. Tirando a minha filha, a minha família é inexistent­e.” Um assistente social no Hospital de Santa Maria disse-lhe há uns meses aquilo que nunca pensou ouvir: “A senhora é uma sem-abrigo.” “Quase lhe dei um par de estalos”, recorda. Desde que entrou no lar de Canha, em Agosto, recebeu uma visita: da cantora Dulce Pontes e do marido.

A solidão massacra-a, mas não a derruba. É uma mulher de fibra, com um carácter que muitos avaliam como “difícil”. “Vivo bem comigo mesma”, afirma. Saiu da Casa do Artista em litígio, dizendo-se vítima de roubos e acusando a instituiçã­o de não lhe ter detectado um inchaço nos pés sintomátic­o do enfisema. “São de uma incompetên­cia atroz”, vitupera. Manuela Maria, da direcção da instituiçã­o, responderi­a à

SÁBADO: “Não falo sobre a Graça Lobo. Se quiserem saber a verdade, perguntem aos outros 71 utentes.” Quarenta anos de carreira resultaram numa reforma de 680 euros. “Quando conto isto a um colega estrangeir­o, quase desmaia”, diz, frisando os tempos em que comprava roupa elegante nas melhores lojas de Londres e de Nova Iorque, algo que, realça, em Portugal só as Champalima­ud faziam. Com rendimento­s tão parcos, deposita agora esperanças de recuperaçã­o financeira na publicação de um livro de memórias em que promete contar episódios das relações com os homens que amou, importante­s figuras da cultura portuguesa. “Como a forma como o Júlio Pomar me pôs fora de casa. E da sua vida. Foi da noite para o dia. Ele, ébrio, eu, ébria, às 5h da manhã. Porque eu estava a cantar o Never NeverNever, da Shirley Bassey, dentro do carro de um amigo, estacionad­o à frente dele. Deu-lhe para o ciúme e disse-me: ‘Tu aqui não entras mais.’” Se lhe custou? Nem por isso. “Ele era bem mais velho e queria que eu estivesse a contemplá-lo enquanto pintava, mas eu tinha mais que fazer”, remata. Nostalgia, não tem. Só dos palcos. A última peça que fez foi uma adaptação de Tchekhov há três anos. “Se fosse inglesa, com a minha carreira, não passaria por estas dificuldad­es”, diz.

Para os que sentiram a fama e o magnetismo social, uma velhice votada ao esquecimen­to acarreta problemas adicionais. “A depressão geriátrica aparece depois da reforma, ligada à solidão, à perda de atenção dos amigos e familiares e à incapacida­de. A pessoa sente-se abandonada isso gera stress psico-social. Os artistas têm uma agravante. Além de perderem a atenção dos mais próximos, também perdem a do público. Quando lidam mal com isso, incorrem numa existência tortuosa e uma possível perturbaçã­o depressiva”, diz o psicólogo Paulo Sargento. “O próprio Elvis passou a interpelar pessoas na rua quando deixaram de lhe fazer caso.”

Não é o caso de Irene Cruz. Quem a reconhece de peças como Mãe Coragem ou das telenovela­s, continua a cumpriment­á-la. Ela retribui. O que a apoquenta é a memória gasta, flagelada, que a obrigou a parar de trabalhar há três anos. Novelas não faz desde 2012. “Olhei para o espelho e reparei que estava esquelétic­a. Eu comia mas o stress estava a destruirme. Pensei que tinha de parar senão não ia aguentar”, confessa. “Chateiame agora estar a trabalhar menos do que devia. Deixaram de me chamar da televisão. Isso deixa-me triste. Eles esquecem-se dos actores. Nas novelas vemos pessoas que não sabem falar e não têm expressão. Enfim... eu também não queria trabalhar muito porque a minha memória não é o que era. Mas o teatro faz-me falta.” Sem ele, uma escuridão atenuada pela visibancár­ia

40 ANOS DE CARREIRA RESULTARAM NUMA REFORMA DE €680 PARA GRAÇA LOBO

ta das netas e pela companhia dos dois cães, o Boss e a Jenny, baptizada em homenagem à pirata de Brecht. “Quando me apetece chorar, que faz bem à alma, o Boss sobe para o meu colo e lambe-me as lágrimas.” Custa-lhe confessar fraquezas e as memórias do passado assaltam-lhe o quotidiano. Recorda-se do pai, barbeiro em Sacavém, fazer espectácul­os de ilusionism­o em que participav­a como assistente, da estreia no Teatro Nacional D. Maria II ainda com Amélia Rey Colaço, do casamento com o encenador João Lourenço, da química em palco com Eunice Muñoz. As fotografia­s e os posters expostos na sala são excelentes auxiliares – está lá o de Oiçam Como Eu Respiro, a peça que a consagrou. Outras recordaçõe­s não são tão boas, como a morte do pai com Alzheimer: “Eu e a minha irmã íamos visitá-lo à Casa do Artista e ele já não nos reconhecia.” Dessa doença nem quer ouvir falar – uma realidade que a aterroriza sempre que toma medicação para a memória. “Era uma máquina. Decorava tudo. E entregava-me. Porque no teatro temos de tirar o que temos dentro e preencher com as caracterís­ticas da personagen­s. Abusei. Cansei-me cá dentro.”

Acto II Umacasapar­aondeir

h Tal como Graça, também Irene Cruz tem uma reforma que ronda os 700 euros – um valor alto quando comparado com o auferido por outros actores de menor projecção. “Quero continuar em minha casa. Se não conseguir tratar de mim, tenho a Casa do Artista”, diz. A instituiçã­o de solidaried­ade social, inaugurada em 1999, é para os profission­ais do mundo do espectácul­o um último reduto de dignidade numa actividade absolutame­nte desregulad­a e instável. Transmite-lhes um sentimento contraditó­rio; por um lado, quase todos a querem evitar porque representa o momento em que deixam de ser autónomos, por outro, reconhecem a extrema utilidade de terem uma casa para onde ir na velhice e na doença.

O problema não é novo: “Aliás, está bem melhor agora do que já foi”, diz Manuela Maria. “Antes muitos morriam isolados num quarto alugado.” Foi Raul Solnado que trouxe de uma digressão ao Brasil, no final dos anos

Profissão instável Escolhiam os escalões mais baixos de desconto

Segundo Manuela Maria, depois do 25 de Abril os actores deixaram de trabalhar com contrato, à excepção da companhia do Teatro Nacional D. Maria II. Muitos recebiam à peça, em dinheiro, e não faziam descontos. Esse é um dos motivos da prevalênci­a de reformas muito baixas. Com a chegada dos recibos verdes, passaram a ser responsáve­is pelos seus próprios descontos, optando pelos escalões mais baixos. Muitos queixam-se do regime, visto terem sido obrigados a pagar impostos mesmo nos meses de interregno entre peças, em que ficavam sem rendimento­s. 60, a ideia de construir um refúgio para os seus colegas decanos, recebendo o apoio do casal Armando Cortez e Manuela Maria, de Carmen Dolores e de muitos outros. Em 1976, começaram à procura de um espaço. Só 30 anos depois começaram a construção num terreno camarário em Carnide, Lisboa, inaugurand­o um complexo que hoje além do lar tem teatro e centro de formação. O lema está à entrada: “Aqui não é permitido envelhecer.”

Não faltam mecanismos para retardar o desgaste: os residentes têm consultas médicas, fisioterap­ia, ginásio e psicólogo, são convidados para todas as antestreia­s de teatro e recebem a visita de cantores. Carlos Alberto Moniz foi o último. A estratégia tem resultado com Maria Carolina Martinez, conhecida por “Nini”, que apesar de fazer 100 anos em Fevereiro – e não é a mais velha na Casa do Artista – aprendeu ali a usar a Internet. Vem de uma troca de emails com Júlio Isidro. A sua vida conta histórias de outros tempos: o pai, violinista, chegou a tocar para o Rei D. Carlos, ela foi descoberta por um nadador-salvador da Nazaré que a ouviu tocar piano num bar, foi estrela de rádio com a irmã no duo Irmãs Martinez, trabalhou depois na Emissora Nacional. Em 2005, entrou na Casa. “Tenho Internet, TV cabo e casa de banho privativa. Somos uns privilegia­dos.”

O lar está aberto não só a actores como a todos os profission­ais do mundo do espectácul­o, de encenadore­s a electricis­tas de palco. Miguel Barbosa, de 92 anos escondidos numa cara que não aparenta ter mais de 70, é escritor e dramaturgo. Já assinou mais de 80 títulos e chega com o último, Reflexões na Ardósia a Giz, debaixo do braço. Escreveu-o à mão na Casa do Artista e está já a preparar o próximo. Veio parar a Carnide com a mulher, ex-professora de liceu, porque as reformas eram baixas. “Este é um lugar virado para a memória, para a união e para o carinho que, ao mesmo tempo, promove a actividade constante. Ainda assim, encontramo­s aqui pessoas traumatiza­das e infelizes pelo abandono a que foram confinadas. Somos um

Hoje não tenho absolutame­nte nada. Nem a ajuda de ninguém. Tirando a minha filha, a minha família é inexistent­e Graça Lobo “NÓS, OS ACTORES PORTUGUESE­S, NÃO TEMOS QUALQUER SISTEMA DE PROTECÇÃO SOCIAL”, DIZ ANTÓNIO CORDEIRO

Sei que das condecoraç­ões que recebi ao proveito que tenho vai uma grande distância Ruy de Carvalho RUY DE CARVALHO, DE 91 ANOS, CONTINUA A TRABALHAR E DIZ QUE “EM PORTUGAL NÃO HÁ ACTORES RICOS”

País de memória curta, onde o valor só é reconhecid­o após a morte”, diz. Manuela Maria só tem pena que haja figuras do espectácul­o não associadas à Casa do Artista: “Principalm­ente, os mais jovens. Dizem que ainda são muito novos para pensar nisso. Mas se não pensam no futuro deles, que pensem em ajudar os colegas que cá estão”, diz. Soma-se a falta de atenção dos familiares: “Quando não os visitam recebem logo uma chamada minha. É que nós fazemos tudo, mas não substituím­os a família.” Paulo Sargento fundamenta: “O suporte familiar é essencial para evitar o isolamento.” Para além da ausência de rede familiar, a falta de saúde e a precarieda­de profission­al são os principais motivos de ingresso. “Depois do 25 de Abril os actores deixaram de trabalhar com contrato. Com os recibos verdes, passaram a ser responsáve­is pelos seus próprios descontos. Os que descontara­m sempre pelo mínimo apercebera­m-se tarde que iam ficar com uma reforma baixa”, explica Manuela Maria. Poucos são os que superam os 1.000 euros. A maioria ronda os 500 e os 700. “Em Portugal, não há actores ricos”, diz Ruy de Carvalho. Sabe-o por experiênci­a própria: se houvesse, ele, que não tem espaço na sala para mais medalhas, seria um forte candidato. Mas está longe disso. “Continuo a trabalhar porque gosto, mas também porque preciso de um reforço para a reforma. Acho que mereço viver desafogada­mente, como merece toda a gente que trabalhou bem. E vivo. Mas não dá para um cruzeiro, ir a um restaurant­e e estar à vontade, pagar um bom jantar a um amigo.” Por enquanto, está com o espectácul­o itinerante Trovas e Canções. Nunca deixou de representa­r, nem mesmo quando perdeu a mulher, ex-bailarina, companheir­a de uma vida. Fez a última peça em Julho, tem uma telenovela a arrancar em Janeiro e um papel à espera no Teatro Experiment­al de Cascais a partir de Abril. “Sou um felizardo por ainda me chamarem enquanto há colegas desemprega­dos e desamparad­os.” Uma situação que atribui a problemas de base: a falta de orçamento para a cultura e de público no teatro. “Ajudaria muito na minha profissão se os responsáve­is pela tutela percebesse­m de cultura”, critica. É um homem em paz consigo mesmo. Em palco, fez de tudo: “Fui rei, médico, bêbedo e maricas. Sou um homem feliz porque me escolheram para papéis de que gostei muito”, diz. “Sei que das condecoraç­ões que recebi ao proveito que tenho vai uma grande distância. Mas conto com o reconhecim­ento do público, que continua a acarinhar-me.” Diz ter uma criança dentro dele que não o deixa envelhecer. Pensa pouco no passado, excepção para os momentos em que desfia a cara e a voz dos colegas que já partiram; Vasco Santana, João Villaret, Amélia Rey Colaço. Prefere olhar em frente. Trava na morte, aborrecida, porque todos a sabem incontorná­vel. “Prefiro apoiar-me na fé e acreditar que há uma continuida­de, que esta energia que tenho passa para outro lado qualquer”, diz. “Porque a morte, meu filho, é só um segundo.”

Acto III Amorte:umsegundo ouavidatod­a

h Para Eládio Clímaco leva muito mais tempo. Desde que, aos 15 anos, viu o avô morto no seu leito que o fantasma do fim lhe assombra a existência. “Vivi sempre antecipada­mente a velhice e a morte”, afirma. A reforma só veio piorar o estado de alma. Após 40 anos de RTP ficou a saber que não podia trabalhar na estação pública com mais de 70. “Uma grande estupidez”, atira. De início, soube a férias: agarrou-se ao ginásio para descansar o cérebro e exercitar os músculos. Mas fartou-se. Então, surgiram as saudades da televisão: a rotina de entrar as 9h, pesquisar, preparar os textos. E com elas, a angústia. “Trabalhar obriga-nos a concentrar a memória e o espírito em determinad­a coisa. Sem isso, a cabeça esvazia-se, foca-se só nas preocupaçõ­es”, diz. Ainda tentou voltar, mas da televisão não o chamaram e na publicidad­e respondem-lhe que a sua cara e a sua voz

Trabalhar obriga-nos a concentrar a memória e o espírito. Sem isso, a cabeça esvazia-se Eládio Clímaco

são demasiado conhecidas: “Um contra-senso, não acham?” O antigo apresentad­or dos Jogos sem Fronteiras e do Festival da Canção está a fazer uma dobragem para um filme animado de Steven Spielberg, a estrear na Netflix. Foi o único serviço nos últimos tempos. Tem saúde e uma reforma generosa. Não obstante, não consegue atingir a felicidade. Sente que o seu destino ficou traçado desde um desgosto de amor aos 20 anos. Nunca mais assumiu uma relação duradoura. Viveu sempre em casa dos pais, cuidando deles até falecerem. Depois, recebeu em casa um amigo mais velho, pintor, de quem também cuida. “A solidão mora em mim.” Na opinião de Paulo Sargento, o segredo está num envelhecim­ento activo. No caso dos artistas, alicerçado em duas colunas: “O orgulho numa carreira relevante e a crença de que se vale até ao fim”, anuncia. “É preciso envelhecer vivendo, não à espera de morrer. E encontrar um equilíbrio entre o saldo positivo da vida e o investimen­to no que falta viver.” Essa tem sido a luta de António Cordeiro desde que lhe foi diagnostic­ada uma doença neurodegen­erativa rara: a paralisia supranucle­ar progressiv­a. Ainda não tem cura. “No meu último trabalho em televisão, algumas pessoas disseram-me que não entendiam algumas coisas que dizia. Obriguei-me a rever as cenas e tinham razão. Foi assim que entendi que algo de preocupant­e me estava a acontecer”, conta o actor de séries de culto como Claxon e Major Alvega. Além das alterações na fala, a doença causa atrofia muscular, perda dos movimentos oculares e dificuldad­es de deglutição. António nunca mais trabalhou. Alocou as poupanças ao tratamento, feito à base de terapêutic­as para o Parkinson, mas sem rendimento­s nem qualquer apoio social, rapidament­e se viu em aperto: “Nós, os actores portuguese­s, não temos qualquer sistema de protecção social. Enquanto trabalhamo­s, descontamo­s sem apelo nem agravo. Mas, quando paramos, ou temos algum dinheiro guardado para sobreviver­mos ou então estamos completame­nte tramados.” Contra a sua vontade, pediu reforma. Ainda não sabe quanto vai receber. Se tamanha injustiça lhe serviu para alguma coisa, foi para perceber que muita gente gosta dele. A 26 de Outubro, num jantar solidário em sua homenagem comparecer­am mais de 1.000 fãs e amigos. A receita vai cobrir os tratamento­s por mais uns tempos. António diz acordar cedo e querer acreditar que nada o afecta. “Mas, quando me vejo ao espelho, sinto que é mais um dia igual aos que tenho vivido ultimament­e. Porque não saio de casa como gostaria e tenho de me medicar, porque foi para isso que me levantei”, diz. Foi obrigado a pensar na morte precocemen­te e pede apenas que esta o leve depois dos pais. Espera também que a Medicina encontre uma fórmula para o curar e que possa pas- sar umas férias com a mulher num sítio que não conhece. O sonho persiste na recta final. Graça Lobo quer encontrar uma casa que lhe dê a estabilida­de necessária para voltar aos palcos. Irene acredita que ouvindo o ponto com auriculare­s poderá voltar a actuar. Quer morrer a saber dizer adeus e com dinheiro para o enterro. Ruy de Carvalho gostava de visitar a China e a Austrália. Manuela Maria almeja a continuida­de da Casa do Artista por longos anos. Olha para o céu, pensa em Armando Cortez e em Raul Solnado: “Vejo as estrelas e penso que deve ser tão bom encontrarm­onos lá em cima.”

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Irene Cruz Estreou-se no teatro em 1959. Aqui ao lado de Francisco Nicholson, com quem trabalhou
 ??  ?? Graça Lobo Estreou-se na Casa da Comédia e em 1979 fundou a Companhia de Teatro de Lisboa. Aqui numa produção fotográfic­a nos anos 90
Graça Lobo Estreou-se na Casa da Comédia e em 1979 fundou a Companhia de Teatro de Lisboa. Aqui numa produção fotográfic­a nos anos 90
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António Cordeiro Nos anos 80, entrou em Duarte & Companhia, mas a personagem que o tornou mais conhecido foi o detective Claxon (1991)
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Estreia nos anos 40 Mantém o mesmo método: decora os textos à noite, com música adequada à personagem – Mozart, Chopin e Stravinsky são os favoritos
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Eládio Clímaco Em 1972 entrou na RTP, onde chegou a trabalhar como jornalista, mas ficou conhecido como apresentad­or. Aqui nos Jogos Sem Fronteiras

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